Capítulo II
O tempo estava como que por um milagre limpo, dificilmente em São Paulo se vê algo assim, mas nunca podia faltar um guarda chuva e uma blusa de frio no kit de sobrevivência paulista.
Um dia e três estações, era quase mágico se não fosse trágico.
— Bom dia Lise. — cumprimentei Elizabeth, a morena maravilhosa que estava encostada a porta da loja me esperando, com uma cara não muito boa.
Elizabeth tinha trabalhado com minha mãe na outra floricultura, até que abrimos mais uma e ela veio me ajudar.
Nossa amizade tinha começado aos poucos, mas ela era agora a primeira pessoa que eu contava qualquer coisa e confiava plenamente. Apesar de não ser cem por cento recíproco, já que ela tinha segredos bem guardados
— Bom dia Em, como você está? Lembre-me de dar os parabéns aos seus pais. — resmungou me ajudando a levantar a pesada porta da floricultura para começar nosso dia.
— Hoje à noite faremos uma festinha, está convidada. — isso era mera formalidade, já que era de praxe todos os amigos e afins fazerem parte de qualquer comemoração na nossa casa, por menor que fosse.
Batizado, estavam todos lá; aniversários, todos enchiam a casa; velórios, não era diferente; formaturas, feriados, comemorações sem sentido algum, não importava o motivo, se convidássemos um ou dois sabíamos que todos viriam também.
— Ótimo, adoro as festas na casa de seus pais. — ela riu cheia de insinuações sacudindo as sobrancelhas e já voltando para a calçada com vasos cheios de flores nos braços.
Como disse meus pais não sabiam ser nada discretos, imagine então os amigos desses dois. Pare para pensar que mamãe era de uma época hippie, então a maioria dos tios postiços que tenho também são da mesma pegada. Musica alta, dança, comida e sem hora para acabar.
O dia passou rápido, por algum motivo as pessoas não estavam dadas a comprar flores hoje. Na verdade homens, em sua maioria. O movimento maior eram nas sextas e sábados, nada como conquistar alguém com um belo buquê.
Dei graças aos céus que assim pudemos fechar mais cedo e eu corri para casa a fim de fazer o bolo da noite.
Era sempre assim desde que havia aprendido a fazer bolos deliciosos, qualquer desculpa era válida para me fazerem ficar na cozinha e eu não reclamava, era realmente uma terapia cozinhar.
Já passava das sete quando os convidados começaram a chegar e eu já estava morta, meus pés pediam por descanso depois do dia em pé na floricultura e depois na cozinha. Mesmo assim eu não podia deixar de curtir a noite com todos os tios e tias que eu tinha ganhado bem antes de nascer.
Eu adorava todos eles, éramos como uma família enorme, meio maluca e cheia de nuances. Era perfeita.
A música alta nos embalava levando todos a dançar, não importava se tocasse Beatles ou Beyonce, todos se apertavam para cantar ou balançar o corpo ao som.
Como sempre a "festinha" virou um festão, mais e mais pessoas chegavam, pessoas além do que prevíamos como sempre. Mas o que podíamos fazer se a cada ano às famílias amigas cresciam, para infelicidade da minha mãe isso não se aplicava à nossa.
Como se sentisse responsável por mudar aquilo assim que ela avistou a pobre Margo, fez questão de não perdê-la de vista. Agora seria só questão de tempo para Cris fugir da garota, apenas para tirar da cabeça de nossa mãe a ideia de um possível casamento.
Não levem a mal, Cristian não era um canalha por completo, só não conseguia se comprometer com ninguém, além da família e amigos ninguém fica na sua vida por muito tempo.
Tirando a parte do mulherengo não tinha uma pessoa mais doce e sincera que ele. Nossa pouca diferença de idade nos fez crescer mais unidos do que qualquer irmãos que eu conhecia.
— Você pode pelo menos disfarçar Emma. — Cris sibilou no meu ouvido me assustando. — Mamãe está à noite toda como um urubu atrás da garota.
— Deus sabe que ela só precisava de um pouco de esperança para continuar vivendo. — debochei, gargalhando em seguida com sua careta.
Cris puxou meu corpo começando a dançar em volta da sala, me obrigando a controlar meu surto de riso assim que viu que tínhamos chamado a atenção de algumas pessoas, em especial das duas mulheres que ele estava evitando como se fosse o próprio diabo.
— Obrigado por fazê-la me notar aqui. — ele resmungou ainda balançando nossos corpos ao som de Treasure do Bruno Mars.
— Você não vai afastá-la só por causa da mamãe, certo? — perguntei mesmo já sabendo a resposta.
— Todos tem sua hora de ir Emma, sabe que detesto despedidas, então uma mensagem com um emoji quem sabe. — encarei o homem a minha frente que olhava para a bela mulher do outro lado da sala enquanto calculava o que fazer para afastá-la de sua vida, e meu peito doeu por ele, eu sabia o que tinha causado tudo aquilo e isso me magoava ainda mais.
Meu irmãozinho era lindos, os cabelos castanhos ondulados lhe davam um ar descontraído e molecão que eu sabia que ele era, quando estava de terno era a perdição das mulher, mas quando não usava nada além de shorts para correr causava problemas de torcicolo. Isso sem falar no sorriso, sabe aqueles homens que você olha e fala céus que lindo e assim que ele abre o sorrisão bonito e sexy você diz não vale nada, mas eu sentava? Esse é meu irmão.
Doía saber que ele nem ao menos se dava a chance de amar e ser amado. Deus sabe que se eu pudesse estaria fazendo isso.
— Cris, não precisa fugir sua vida toda. — murmurei chamando sua atenção de volta a mim.
Quando seu olhar encontrou o meu não precisou nenhuma palavra sobre o que se passava em nossas mentes. Cris apenas desviou o olhar, já tomando distancia e se fechando.
— Agora não. — falou batendo nos bolsos até achar às chaves do carro. — Essa é minha deixa para curtir a noite fora daqui. Tchau pandinha. — acenou já a caminho da porta.
Encarei minha mãe, que agora estava de cara feia do outro lado da sala, e só pude dar de ombros, não queria estragar a noite dela também com velhos problemas nossos, então o melhor era me fazer de desentendida, estávamos aqui para comemorar e não chorar.
E foi isso o que fiz, rodei pela casa conversando, comendo e dançando, não havia coisa melhor.
Depois de altas horas conversando, rindo e dançando eu me rendi ao cansaço e fui para a casa com Lise, a última coisa que precisava no dia era ouvir a festa obscena e nada discreta dos meus pais na noite de aniversário.