Capítulo III
A semana passou rápido a quinta já havia chegado, meus pais já iriam viajar no dia seguinte e eu estava eufórica. Não me lembrava quando tinha sido a última vez que esses dois tinham tirado mais do que apenas um par de dias para ficarem juntos, sem filhos, sem trabalho, sem família.
— Eu já falei que não dá amor. — ouvi a voz mansa do meu pai atravessar a porta do quarto enquanto me arrumava para o trabalho.
— Então eu não vou! — foi a resposta decisiva e alta de minha mãe.
Abri a porta do quarto apenas a tempo de só ouvir seus passos firmes descendo as escadas.
— O que foi? — questionei olhando meu pai parado na soleira da porta encarando o caminho que a mulher tinha acabado de fazer.
Ele estava com uma cara péssima, o que significava que além da pequena discussão ele estava com problemas na empresa e não tinha colocado para fora. Era sempre assim, uma coisa levava a outra.
— Sua mãe não tem jeito, quando ela coloca uma coisa na cabeça é impossível alguém tirar. — ele disse, parecendo cansado de mais para explicar os motivos, antes de voltar para o quarto.
Já vi que teria que arrancar dela o que estava acontecendo.
— Mãe? — gritei descendo as escadas correndo, parei analisando a sala, mas sem sinal dela. Apenas a porta de correr que dava para o quintal estava aberta me dizendo que ela estava ali, não foi nenhuma surpresa vê-la sentada no banquinho em baixo da árvore. — O que aconteceu?
— Seu pai não quer me deixar levar Tom na viagem. — ela resmungou emburrada.
Tom, o nome que ela decidiu dar ao peludinho não me agradou nada, mas ela era a dona então me contive em reclamar.
— Mas mamãe é uma viagem para vocês aproveitarem, sem trabalho, sem filhos, só vocês e a cidade do amor.
— Mas ele não pode ficar sozinho! — ela quase gritou alterada na defensiva.
O que estava acontecendo com ela? Não podia ser apenas isso, ela não faria esse escândalo todo por causa do cachorro.
— Obrigada pela parte que me toca. — fiz minha melhor cara de ofendida, tentando descontrair e tirar sua atenção disso para assim ela soltar a língua e falar a verdade.
— Filha sabe que não o quero perto de você, pode ficar doente. — sua voz amuada ao se referir a mim e doença em uma frase me deu a deixa.
Era isso! Sabia que não podia estar fazendo esse estardalhaço todo por nada. Lá estava novamente sua preocupação desmedida comigo atrapalhando sua vida, a vida da nossa família.
— Tudo bem, ele pode ficar com Cris. — ofereci esperançosa de que ela aceitasse e não estragasse as férias de aniversário de casamento só por minha causa.
Como se não bastasse todos os anos que minha família foi privada de ter uma vida normal, por minha causa, minha mãe ainda queria desistir de viver.
— O Cris fica tanto em casa que em dois dias ele morreria de fome. — ela completou citando um fato, meu irmão não conseguiria cuidar nem de um cacto, que dirá de um filhotinho.
— Então que tal ele ficar com a Lise? Ela pode levá-lo a floricultura durante o expediente e vou saber se ele está sendo bem cuidado ou não. — era perfeito, não tinha erro. — Pare de dar desculpas, nós duas sabemos o porquê de tanta preocupação, e eu vou ficar bem. — dei o assunto por encerrado quando ela pensou em protestar.
Ela me olhou sem graça, sabendo que havia sido pega no pulo.
Nem toda a terapia que tinha feito havia ajudado, era como se o instinto materno dela vivesse ligado em duzentos por cento vinte e quatro horas por dia, em primeiro lugar na vida dela estava eu depois a si mesma, ela simplesmente não se dava sossego.
— Ok, eu vou, mas tem que me prometer que não vai ficar com Tom por perto e tomar seus remédios direito. — ela barganhou como se eu fosse sua bebezinha ainda e não uma mulher de vinte e cinco anos. — Vou ligar todos os dias para conferir mocinha.
— Por favor, mamãe, você está enlouquecendo o papai, vá se desculpar com o homem que te ama e que a propósito está com problemas. — murmurei tirando seu foco de mim. Não ia nem responder sobre minha medicação e todos os outros cuidados que ela sabia que eu tinha todos os dias.
Releve sua mãe, era como se as palavras da terapeuta ressoassem em minha mente.
— Ele está não é? Mas nunca me conta nada sem ser pressionado. — respondeu com um sorriso sacana.
— Você sabe bem como arrancar isso dele. — insinuei e dei risada quando a vi corar, quem visse até pensaria que ela era tímida ou envergonhada.
A safada, com todo o respeito, com certeza ficou vermelha só de pensar nas coisas que faria. E foi com isso que ela me deixou ali, entrou sem mais nenhuma palavra e foi minha hora de terminar de me arrumar e correr para a floricultura, antes que Lise me matasse por deixá-la plantada me esperando.
Quando contei a Lise sobre ela ficar com Tom a garota nem hesitou, concordou já eufórica. Ela adorou a ideia, mesmo que parte de mim temesse que fosse apenas para ela ter uma desculpa de poder ver meu irmão.
Não podia aguentar a ideia de minha amiga ter uma queda por Cris, sabendo o safado incorrigível que ele era eu sofria por ela. Não era um bom caminho a se seguir.
Na manhã seguinte Cris foi levá-los ao aeroporto bem cedo e se prontificou a me pegar em casa para me deixar na floricultura.
Podem acreditar eu não tinha carta, por inúmeros motivos, mas o mais forte deles era que eu entrava em pânico com o simples pensamento de ter um automóvel sobre meu controle.
— Almoça comigo hoje maninha? — ele questionou assim que parou na porta da loja e eu me virei para esquadrinha seu rosto cínico. Ele estava fugindo da Margo. — Passa no escritório lá pelas uma, tenho uma reunião antes disso. Lise pode te levar, né.
Cris nem ao menos me esperou responder, já abrindo a porta do carro e me empurrando para fora. Um doce, o verdadeiro cavalheirismo.
Foi quase uma missão impossível manter Tom longe das flores por toda a manhã na loja. Lise e eu estávamos a ponto de enlouquecer em como a pequena bola de pelos podia ser sorrateira e terrivelmente baderneira. Era só desviar os olhos um segundo que ele estava enfiando as patas em algum vaso, ou mordendo algum fio, por isso demos graças quando finalmente deu o horário combinado.
— Cris vai me pagar por me fazer subir lá em cima. Estou morrendo de fome, ele não podia mexer aquela bunda branca e descer de uma vez. — reclamei pela ligação que tinha acabado de fazer, com a voz de sua secretária dizendo que ele ainda estava em reunião, de verdade eu estava com o estomago colado as costas a essa altura.
— E que bela bunda branca. — frisei meus olhos na direção da descarada, mas Lise só sabia gargalhar.
Céus, ela ainda nem tinha visto a bunda dele e já estava sonhando.
— Oi Emma, ele ainda está em reunião. — pela cara dela ele já tinha passado da hora e muito, a coitada parecia tão verde de fome quanto eu.
Emma: Talvez demore um pouco aqui, ele está terminando uma reunião."
— Susan, sabe o que acho melhor você ir pro seu almoço. — falei para a pobre coitada assim que enviei a mensagem para Lise.
— Não, acho melhor esperar seu irmão, talvez ele precise de algo e eu tenho que estar aqui. — a mocinha polida e prestativa como sempre. Ela teria seu couro arrancado se continuasse sendo passiva assim.
Não que meu irmão fosse folgado ou coisa do tipo, na verdade era o oposto, trabalho e família eram as únicas coisas que ele levava a sério na vida, por isso dava o sangue.
— Querida, tenho certeza que meu irmão sabe fazer muitas coisas sozinho e no seu contrato diz que você só pode sair com seu chefe? Duvido disso, então se erga dessa cadeira e vá para seu almoço. — eu sabia bem que não, aquela era uma empresa sim, mas uma empresa familiar. A última coisa que meu pai colocaria no contrato das funcionarias seria morrer de fome esperando seu chefe na sua mesa.
E se Cris precisasse de alguma coisa ele que conseguisse sozinho, com a fome que eu estava faria ele sair voando daquela sala em alguns segundos.
A moça ainda me olhava incerta, mas eu já tinha perdido as contas de quantas vezes tive que fazer isso com as secretárias do meu pai.
— Ok, mas se ele precisar vou estar com meu celular em mãos, vou almoçar aqui mesmo na copa. — ela falava prestes a correr e minha vontade era de empurrá-la antes que perdesse mais tempo se sentindo culpada pelo idiota do meu irmão.
Me joguei largada em sua cadeira e peguei novamente meu celular para conferir se Lise tinha respondido.
Lise: Não tem problema, minha chefe também vai se atrasar kkkkk.
Enquanto digitava alguns "k" e uma resposta engraçadinha a porta do escritório se abriu e meu irmão deu o ar da graça.
Não me incomodei nem de erguer a cara da tela, já arrastando meu corpo para fora da cadeira.
— Vamos, Lise está esperando com Tom e não quero que ele faça xixi no carro dela. — murmurei sem olhá-lo.
— Emma querida, este aqui é Guilherme Monteiro. — tive que fingir olhar para o homem e murmurei um oi, pois estava mais concentrada em minha conversa com Lise. — Ora essa seja menos mal educada. — Cris reclamou arrancando meu celular de minhas mãos.
— Ei qual é o seu problema? Você que está sendo o mal educado agora! — exclamei nervosa, mas a risadinha baixa ao meu lado me fez girar nos calcanhares.
E encarar o deus grego parado ao lado do meu irmão. Seus olhos em um tom de mel ou verde, não sabia dizer ao certo, estavam espremidos por conta do sorriso imenso enquanto ele debochava da nossa ceninha infantil.
A boca era perfeita, o rosto quadrado, uma barba crescendo. Eu me perdi esquadrinhando o estranho e me peguei pensando se o cabelo de um tom de loiro escuro, ou castanho claro talvez, era tão macio quanto parecia.
Apesar de estar usando um terno azul escuro perfeitamente alinhado e desenhado em seu corpo, o cabelo com os fios longos e para trás dava um ar todo casual. Eu tive certeza de estar salivando nesse momento e, pior, que ele já havia notado minha falta de discrição em despi-lo com os olhos.
Pisquei rapidamente e desci do Olimpo, que era onde esse deus com certeza habitava, voltando para a terra.
— Está rindo de mim senhor... Como é mesmo seu nome? — questionei em um tom brincalhão, mas sem sorrir.
— Guilherme, Guilherme Monteiro. — me respondeu e estendeu a mão. Mãos grandes, largas, um aperto firme, mas gentil, Céus! — E não Senhora, não estava rindo de você, jamais faria isso. — ele falou entrando na brincadeira e tentando esconder um sorriso travesso.