Continua Capítulo Um
Parte 2...
— Mas ainda bem que ele veio - meneei a cabeça — Trouxe seus remédios - coloquei as luvas de látex e arrumei tudo na bandeja — Vai tomar esses quatro agora. Na volta da ronda eu passo aqui e vai tomar esses outros aqui - mostrei o outro copinho — A senhora anda meio desligada.
— Quando a gente fica velha, tudo o que faz é tomar remédio.
Eu dei uma risadinha. Como outros pacientes, ela reclamava da quantidade de medicamentos. Era chato mesmo, mas é a vida. Minha mãe também era assim, eu tinha que reclamar com ela às vezes.
Mas eu entendo. Muitas vezes a vida se torna difícil demais.
— Tem muito mais coisas para fazer - entreguei a água — E quando sair daqui, vai descansar um pouco e depois retomar sua vida. Seu filho disse que não a deixou aqui permanente, foi só para que tivesse um cuidado a mais enquanto ele estava fora viajando. Agora que voltou, logo vai querer levar a senhora para casa.
— Ah, minha filha - sorriu pensativa — Eu já vivi muito. Meu filho não tem tempo mais para mim. Ele tem a família dele.
— Quantos anos a senhora tem? - passei o copinho de comprimidos — Se posso perguntar.
— Claro que pode - abanou a mão — Eu não ligo. Estou com setenta e seis anos.
— Olha, que maravilha - balancei a cabeça — Uma vida cheia. Já teve muitas experiências.
Ela suspirou e me deu um sorriso meio de lado. Tomou os comprimidos com a água de uma vez só.
— Pronto - me devolveu o copo.
— Daqui a pouco eu volto para que tome os restantes.
— Você não vai para casa agora?
— Ainda não - chequei o relógio na parede em frente — Daqui a uns quarenta minutos meu horário acaba. Mas antes, tenho que visitar meus pacientes - sorri.
— Você é tão boa, parece um anjo - sorriu.
— Obrigada. Eu tento dar atenção a vocês como posso.
— E seu marido ou namorado não reclama de ficar tanto tempo no trabalho? - segurou meu braço.
— Não tenho namorado e menos ainda marido- sorri.
— Não? - se espantou — Ah, mas deve ter pretendentes.
— Não sei realmente - puxei o ar e soltei devagar — Tenho tantas coisas para fazer que não presto atenção. Até seria bom - ri.
— Mas deveria, você é muito bonita e uma boa pessoa.
Eu sorri com seu elogio. Gosto dessa troca de gentileza. Muitos pacientes acabam se afeiçoando aos enfermeiros por conta dos cuidados que recebem. É normal isso acontecer.
— Talvez no futuro - dei de ombros — Agora estou focada em outros assuntos e não posso me desviar deles.
— Está certíssima - se reclinou na cama — Eu me casei muito jovem e passei mais da metade de meu casamento sofrendo com as traições de meu marido - torceu a boca — E depois de tudo, com quase trinta e oito anos de união, ele simplesmente saiu de casa para viver com outra muito mais jovem do que eu.
Achei isso horrível. Infelizmente acontece muito. Já ouvi alguns casos parecidos aqui no hospital. Tanto de pacientes quanto das colegas.
— Alguns homens são muito cruéis com suas mulheres - cruzou as mãos sobre o colo — Passamos nossas vidas dando atenção a eles, cuidando de seus filhos, ouvindo seus desabafos... E um dia eles arrumam a mala e dizem que não nos amam mais. Simples assim.
Concordei com a cabeça. É uma história triste que se repete muito. O contrário também, mas é mais comum com os homens.
As mulheres se seguram mais, antes de abandonar tudo por uma aventura. São mais honestas com os sentimentos e pensam mais na família antes de fazer qualquer coisa apenas por egoísmo.
— Sinto muito que tenha passado por isso - fui solidária.
Eu até gostaria de encontrar alguém que gostasse mesmo de mim, mas hoje em dia as relações andam muito estranhas.
— Ah... - balançou a mão — Não sinta, querida. Depois de um tempo eu compreendi que foi melhor assim. Pelo menos eu não tinha mais estresse com suas traições constantes. Foi um alívio.
— Bem, então que bom que ficou melhor - sorri — Agora tenho que ir. Passo aqui na volta, está bem? Descanse para melhora logo.
Ela assentiu com um sorriso e eu sai do quarto. Fui para o quarto J3 e passei o medicamento para o paciente que estava com visitas. Fui para o último quarto na outra ala e depois voltei para a senhora Cruz.
Lhe desejei uma boa noite de sono e fui para a sala das enfermeiras para me trocar e ir para casa.
O chato é que antes de ir direto, vou ter que passar na casa de Pauline, uma velha e grande amiga de minha mãe.
Ela também é minha amiga, mas de verdade a sua vida foi dividida com minha mãe quando eram mais jovens. Cada uma teve seu caminho, mas a vida uniu as duas de novo.
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Norton
Desliguei o celular depois de falar por quase meia hora com minha mãe. Ela está na rua, fazendo compras e queria minha companhia, mas no momento estou ocupado.
Quando chegar em casa logo mais à noite eu vejo o que ela quer que não pode me deixar trabalhar.
Pelo jeito hoje é um dos dias que minha mãe decidiu que precisa ter atenção de todos.
Eu quero mesmo é a atenção de uma mulher gostosa. Ou duas ao mesmo tempo. Não me importo de ser apreciado por mais de uma mulher, tem espaço para todas.
Eu até já sei mais ou menos o que minha mãe quer falar.
Sobre eu me aquietar com alguma mulher. Ela não aceita o meu tipo de vida mais solto e sem compromisso. Começou a falar sobre ter netos, sobre o tempo passar rápido e essas bobagens todas.
Como se eu me importasse com isso.
Talvez eu até arranje alguma garota que se passe por minha namorada séria, apenas para que ela me deixe em paz.
Rodo a cadeira para a janela, olhando o céu azul sem nuvens. Ainda nem parei para almoçar e sei que se eu for encontrar com ela agora, vai acabar inventando assuntos sobre isso e vou acabar perdendo o apetite. Melhor deixar para quando chegar em casa.
Volto para minha leitura das fichas de venda desse mês e acabo ficando distraído pela recente e louca ideia que passou por minha mente. E se eu fizesse mesmo isso?
Mas quem eu poderia encontrar para fazer esse papel tão especial em minha vida? Não precisava ser algo longo, tipo apenas poucos meses, até minha mãe virar a atenção dela para meus irmãos.