4 - O primeiro encontro
A coisa POV
A porta foi aberta e imediatamente sinto um cheiro bem diferente de todos os outros, é o cheiro de um chão recoberto por folhas, folhas estas que estão molhadas, mas o líquido é sangue. O cheiro é tão intenso que eu consigo até ver esse chão e tento dar mais um passo para trás, mas me seguram pelos ombros e me empurram para dentro da sala.
Assim que entrei percebo que o cheiro é intenso, mas ele é mais direcionado para a minha esquerda, percebo que tem três pessoas ali. Alpha Julian e dois desconhecidos e o esse cheiro vem de um deles.
Se eu fosse alguém religiosa estaria rezando agora para que tudo isso terminasse, mas não sou, afinal de contas, os Deuses jamais me escutariam… Quando eu era criança eu tentei, mas não fui escutada… Então agora eu apenas tento aceitar o meu destino.
“Ahhh! Aí está a coisa.” Alpha Julian fala.
Escutei a porta sendo fechada, a senhora Smith tinha saído.
“Lord Hoff sempre teve bons olhos.” Escutei uma voz profunda e estremeci…
Essa voz me lembra a de um grande caçador, não estou falando de alguém humano, mas de uma besta, uma fera… É como se eu fosse o próximo lanche e é meu sangue que está derramado naquelas folhas.
Mas há algo a mais, algo diferente… Algo que eu ainda não consigo entender muito bem.
“O toque da poção de cura foi sensacional.” Outra pessoa falou, desta vez a voz não me deixa uma impressão tão ruim, mas ainda assim ela tem um poder grande. “Pelos videos que você mostrou… Pensei que ela não ia reagir de forma alguma.”
Eu não estou com medo dessa voz ou da voz de Alpha Julian… Não, meu medo é da pessoa que sinto esse cheiro.
“Como meu amigo teve um contratempo, vou ficar com a guarda temporária dela.” A voz da fera se fez presente.
Fechei os olhos com força, eu prefiro mil vezes as surras diárias ou ficar dias sem comer ou beber a ficar perto desta pessoa. Tenho certeza que eles podem sentir meu medo.
“Imagina, só de escutar sua voz ela fica tremendo de medo.” A segunda voz comentou em um tom sarcástico. “Tenho pena dessa menina.”
Escutei um rosnado… Mas não foi qualquer rosnado, foi algo selvagem, irracional… Meu corpo simplesmente desabou enquanto sinto um liquido quente começar a escorrer por minhas pernas e me molhar. Eu não estou apenas com medo, estou completamente aterrorizada.
Eu não esperava que tudo ficasse em silencio, a aura da primeira pessoa é tão pesado e tão denso que ninguém ousa respirar direito.
“SAIAM!” A primeira voz gritou.
Escutei Alpha Julian e a segunda voz sairem correndo da sala, eu até tentei me mexer, mas meu corpo não me obedece, mas escuto a segunda pessoa se erguendo e ele dá dois passos em minha direção, eu tento me encolher mais. O som da porta se fechando foi alto, ao mesmo tempo em que ele coloca a mão em meus cabelos e puxa minha cabeça para cima.
Solto um gemido de dor, algo que eu pensei que nunca mais aconteceria, mas meu corpo todo está tremendo, minha alma está em pedaços, eu estou apavorada. Quando meus olhos encontram os dele, percebi que seus olhos são de um tom azul esverdeado intenso, escuros e é como se nada mais existisse.
O mais notável é que além desse cheiro de carne e carnificina também tem algo a mais, um leve toque mais doce, mais gentil, que me lembra as nuvens antes de uma grande tempestade. E se é uma das coisas que eu sempre amei foram as tempestades, o som dos trovões me acalma.
Quantas vezes mandaram eu ficar do lado de fora, no meio das gotas de água incansáveis? Muitas e muitas vezes, no princípio eu tive medo, até perceber que quanto mais forte a tempestade mais sozinha eu ficava e então era o meu castigo favorito. Ficar em meio a floresta, com a chuva caindo torrencialmente e o som dos trovões para ocultar minha voz, pois é o único momento em que a uso.
“Minha.” A voz que falou isso não foi a da pessoa, foi uma voz mais gutural, mais selvagem, mais bestial…
Meu corpo tremeu, mas desta vez não de medo, mas de alivio e relaxei, posso sentir um nó se formar em minha garganta enquanto a felicidade se espalhava. Algo que eu nunca tinha sentido, não de uma forma tão clara, tão natural.
“Sua.” Minha voz saiu baixa, mas é impossivel não notar o quanto isso me deixa feliz.
Ele soltou meus cabelos e seus dedos tocaram suavemente meu rosto e posso sentir pequenos choques passarem por mim e soltei um gemido de prazer. Fechando os olhos e me inclinando suavemente em direção ao seu toque.
“Sua pele é tão macia.” Escutei sua voz e aquele medo irracional de antes já não existia mais, mas eu ainda assim consigo sentir o poder que ele tem. Abro os olhos, sorrindo. “Seus olhos me fascinam, eles parecem duas pedras preciosas.” Ele chega a tocar embaixo das pálpebras.
Ergui a mão esquerda e toquei a dele, que é muito maior que a minha. Este homem que está em cima de mim é muito maior do que qualquer outro que já conheci, a sombra de seu corpo quase me cobre por completo.
“Tão pequena…” Ele deslizou a mão pelo meu pescoço, fazendo meu corpo todo arrepiar. “Tão delicada…” Ele chega no meu pescoço e aperta brevemente, mas eu não me esquivo, por mais que eu saiba que apenas um pouco mais de força ele poderia quebrar meu pescoço com facilidade.
Então ele se endireita, respirando fundo, com uma expressão pensativa, eu me levanto, percebendo que estou suja e meu rosto fica vermelho imediatamente. Seus olhos parecem brilhar por um instante e um rosnado baixo ecoou pela sala e posso sentir meu corpo se aquecer. São reações que eu nunca tive antes.
“Siga-me.” Ele ordenou me dando as costas e andando em direção a porta de saída.
Do lado de fora existem algumas pessoas, posso sentir pelas auras, abaixei a cabeça o suficiente para conseguir manter contato com as pernas do homem que me faz me sentir estranha.
O silêncio é quase ensurdecedor, posso perceber que conforme esse homem anda as pessoas vão ficando quietas, ninguém ousava se meter em seu caminho. Tenho a impressão que ele está andando mais lentamente por minha causa, senão com certeza já teria chegado onde queria.
Ele parou em frente a uma porta de madeira maciça e abriu, deu um passo para dentro e suspirou, mordi meu lábio inferior, esperando pela próxima ordem.
“Tire o sapato e a meia.”
Segui imediatamente a ordem, provavelmente ele não quer que eu entre com meus sapatos sujos. Apesar de não ser um cheiro muito forte, afinal estou acostumada a coisa pior, com certeza para alguém com ele, isso não deve ser aceitável.
“Deixe ai no canto. Alguém vai pegar.” Ele falou e então me abaixei para deixar um pouco mais longe da porta, apenas senti um vento e assim que me levantei senti uma toalha sendo jogada em mim. “Se limpe o melhor que possível."
Peguei a toalha e comecei a limpar minhas pernas e pés, mas sei que o cheiro só vai sair depois que eu tomar banho. Quando terminei ele pegou a toalha de minha mão e me deu espaço para entrar.
Eu consigo sentir vários olhos em mim, observando o que eu vou fazer e o que está acontecendo. Entrei no lugar, ainda mantendo a cabeça baixa.
“Limpem, não quero sentir nenhum cheiro quando eu sair.” Escutei a voz dele e em seguida a porta se fechando. “O banheiro é logo ali do lado. Tire esse vestido e tome um banho demorado! Fique bem limpa!”
Ergo o olhar para ver a direção que ele tinha apontado e me vejo em um quarto gigantesco, é um lugar que eu nunca tinha visto antes. Tem uma cama imensa mais afastada, uma janela com algumas cortinas pesadas em tom cinza escura, no teto tem um candelabro com cristais muito brilhantes, há três tapetes espalhados, dois em tom bege e um cinza escuro.
“Vai logo!” Escutei o grito dele e balancei a cabeça, saindo do transe em que estava.
Corri na direção que ele falou, o banheiro é bem grande também, feito em mármore cinza escuro e bege, rapidamente tirei o vestido, sem me preocupar muito se ia rasgar ou não, eu sei que ele vai mandar jogar fora.
O banheiro tem uma banheira e um box, entrei no box, liguei o chuveiro e o jato de água saiu quente, me fazendo soltar um gemido baixo de prazer. Se antes eu achei que tinha tomado um banho bom, esse aqui é mil vezes melhor. A pressão da água é simplesmente perfeita.
Vejo os produtos de higiene e a primeira coisa que faço é lavar meus cabelos e tomei cuidado para não embaraçar eles, afinal eles são grandes e um pouco ondulados. Fiz todo o processo de antes, mas desta vez eu faço com prazer, sabendo que assim vou agradar esse homem.
Quando terminei, sai do box e vi que tinha duas coisas separadas, um secador de cabelos e uma camiseta branca, sequei meu cabelo e coloquei a camiseta que ficou parecendo um vestido, chegando até um pouco acima do joelho. Olhei para a porta de saída do banheiro, com meu coração batendo mais rápido.
Virei o rosto e me olhei no espelho que tem ali, meus cabelos negros caem em pequenas ondas, chegando até minha cintura, meus olhos estão mais brilhantes e minha pele parece mais branca, além disso eu tenho essa expressão mais radiante, um breve sorriso em meus lábios.