Fugindo
— Venha, mas feche os olhos.
Eu não queria que ela visse o corpo do nosso pai caído no chão, machucado e perfurado por todos os lados.
Ela já tinha visto os golpes, ao menos alguns deles antes dela entrar em choque e não olhar mais nada.
Ela relutante estendeu a sua mão para a minha, segurei ela na frente do meu corpo e com uma de minhas mãos, cobri seus olhos, levando-a para fora do escritório, passei pelo corpo de papai chorando e rezando mentalmente para que ele encontrasse a paz e pudesse nos proteger de onde ele estivesse, pois eu tentaria o meu melhor para nos tirar dali, mas eu não sabia o quanto eu ainda poderia suportar.
Assim que chegamos no corredor, eu soltei o seu rosto e sussurrei para ela.
— Vamos precisamos pegar algumas coisas para escaparmos, temos que ir para a Itália.
Ela me olhou com seus grandes olhos cor de mel e depois de todas aquelas horas de silêncio me falou:
— O que vai ser de nós sem papai?
— Vamos sobreviver, eu prometo! Temos uma a outra, vamos seguir as instruções de papai.
Ela apenas concordou, com cuidado fomos para o seu quarto e depois para o meu, pegando apenas uma muda de roupa, nossos documentos e dinheiro. Não poderíamos chamar atenção pois provavelmente os homens de Yusef estavam procurando por nós.
Não acendemos as luzes pois eu tinha visto passar carros com homens armados na rua, era o nosso momento de escapar, mas antes eu tinha que conseguir recuperar o que eu tinha enterrado no vinhedo.
Segurei o braço de Samira e esgueirando pela escuridão, seguimos para o vinhedo com ajuda de uma pequena pá que eu tinha deixado ali perto, desenterrei a caixa e com a ajuda da luz do visor do celular olhei o seu conteúdo, para sentir o meu estomago enjoar quando descobri o que era, o mapa para as riquezas de Don Fuentes, o maior mafioso da Espanha. Esta seria uma das nossas garantias de sobrevivência, enrolei o mapa de couro e coloquei dentro da minha pequena bolsa a tira colo.
Voltamos a caminhar para o fundo do nosso jardim, pulamos as cercas e entramos no quintal de Fatima nossa vizinha, olhando as roupas no varal, tive uma ideia de que poderia nos ajudar a ser salvas.
— O que vai fazer?
Samira me olhou confusa quando peguei duas burcas do varal, uma deslizei sobre meu corpo e a outra entreguei para Samira.
— Coloque! Isto vai impedir que tentem nos revistar e permitirá que tenhamos mais chance de escapar.
Voltamos a caminhar e Samira ainda não parecia certa do que estávamos fazendo.
— Como vamos fazer...
— Vamos pegar um barco até a Sicília, mas precisamos da ajuda de alguém e sei a quem recorrer, vamos na casa de Omar, ele era um grande amigo de Papai e vai nos ajudar.
— Tudo bem. — Ela murmurou com descrença.
Nos esgueiramos pelas ruas até nos misturamos com as pessoas nas ruas, por nossa sorte estava acontecendo uma festa para os turistas na cidade, entao era mais facil nos misturar sem chamarmos atenção.
Quando cheguei na viela que dava para o Kebab de Omar fiz Samira me esperar na esquina, e fui até o pequeno lugar. Ele estava sentado em banquinho na entrada.
Quando me viu levantou o seu olhar e eu levantei a burca para que ele visse quem era.
— Zafira? Cadê o Kalil?
— Yussef o matou Omar, temos que fugir, papai me disse que eu deveria ir para a Itália. — Falei entre as lágrimas.
— Acalme-se criança, onde está Samira?
— Está me esperando na esquina.
— Fique calma vou levar vocês até o porto Essaouira, daqui algumas horas tem um navio que partirá para a Itália, chame Samira. Vou pegar o carro, me esperem aqui na porta.
Eu concordei e sai do pequeno local. Ele fechou a porta atrás de mim e eu fiz sinal para Samira vir até mim. Ela obedeceu e logo Omar estacionou o carro e entramos.
Ele partir para a estrada, estava tudo um caos, cada rua estava cheia de homens armados em meio à multidão, mas por graça tivemos livre passagem em cada bloco dos homens de Yussef. Omar dizia que estava indo com sua esposa e filha para Essaouira para pegar o irmão que desembarcaria. E esta mentira foi contada até chegarmos no porto.
Desci apressada com Samira ao avistar o grande navio atracado, aquela era a nossa passagem para a liberdade e uma nova vida.
Descemos da La Sqala de la Kasbah, para ter acesso ao porto e com ajuda de Omar encontramos um homem que nos embarcaria assim que o navio estivesse para partir. Ficamos ali próximos como ele nos orientou. Eu estava feliz por ele estar ali conosco, ele nos ajudaria para a nova vida na Itália.
— Muito obrigada por nos ajudar, Omar. — Estendi a mão para o homem a minha frente.
— Agora mesmo vocês estarão a caminho de sua liberdade, fique tranquila, seu pai era um irmão para mim, e ajudar suas filhas é o certo a se fazer. Tirem as burcas pois elas não são tão bem-vindas no ocidente.
Eu tirei a minha e fiz Samira tira a dela, jogando o amontoado de tecido no lixo próximo a nós. E voltei a falar com Omar.
— Eu me sinto em débito com você, pois eu não saberia exatamente o que fazer e nem como chegar até aqui se não fosse você.
— Estou fazendo por seu pai o que ele gostaria que eu fizesse cuidar de suas joias mais preciosas.
Eu sorri apesar da dor no meu peito.
— Escute, Zafira. Seu pai deixou o mapa com você?
A sua pergunta de alguma maneira me despertou. Ele tinha discutido com meu pai dias atrás para que ele entregasse o mapa, logo após isto Yussef veio atrás de papai.
Algo me dizia que eu deveria negar de alguma forma, mesmo que todos que soubessem da existência deste mapa desconfiassem de mim, eu poderia negar, ao menos até chegar na Itália e ser protegida por Kosta.
— Não, ele não me deu nada. Do que se trata?
— Nada que se deve preocupar, se não está com você é melhor assim. — Ele sorriu.
E eu me dei conta de que eu estava ficando paranoica com tudo a minha volta, se estávamos ali foi por sua ajuda. Me afastei um pouco para falar com Samira que chorava olhando as ondas do mar batendo nas rochas.
— Não sei viver sem ele, Zafira.
— Não fale isto, ele deu a vida por nós e vamos conseguir seguir.
Eu a abracei e enquanto ela chorava eu vi Omar concentrado escrevendo em seu celular. Ele também estava se arriscando por nós.