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CAPÍTULO 6

Estava surpreso de como toda a rotina da casa estava prejudicada pelo fato de abrigar, há apenas dois dias, um recém-nascido. Na verdade, a situação não era inédita para ele. Quando a mãe dera à luz a Marine, ele tinha apenas onze anos de idade, e, por causa de problemas com um parto difícil, ela o incumbira de ajudar com o bebê. E aquilo significava ficar horas embalando a criança, próximo da lareira, enquanto a mãe dormia para recuperar-se. Inclusive aprendera a trocar fraldas. Por essa razão, considerava que não haveria nada que um bebê pudesse precisar que ele já não tivesse visto antes.

Contudo, Edgar não tinha mais onze anos e o Vietnã mudara muito seus hábitos e horários de dormir. E, como resultado, os preciosos cochilos estavam sendo interrompidos pelos inúmeros cuidados que a pequenina reclamava. Davina prometia tornar-se uma linda menina. Já imaginava o quanto teria de se preocupar com laços, fitas e outros ornamentos femininos. Por outro lado, admitia que experimentava uma profunda paz de espírito quando se acomodava ao lado dela e a observava dormir.

De alguma forma, aquilo parecia uma contradição para alguém que considerava as pessoas tão aborrecidas que preferia viver isolado da sociedade. Para ele a vida deveria ser menos complicada. E cuidar das necessidades básicas de um bebê era coisa simples de ser resolvida. Ao contrário dos adultos que se moviam de acordo com interesses egoístas e ambiciosos. A vida que Edgar preferira ao tornar-se quase um eremita podia não ser perfeita, mas o livrava de úlceras e dívidas.

Após quase quarenta minutos de viagem e ter deixado a entrada do Rancho Shadow pouco antes, ele ultrapassou os cercados de boi marcados com as letras S.N. Anos antes, a mãe insistira em usar essas abreviações, após o marido duvidar do sucesso como criadores de gado. Então preferiu apelidá-los de Sem Nome com receio de que o povo pudesse zombar deles e acabassem tendo de voltar a Idaho e à tediosa existência como plantadores de batatas. Ela nunca compartilhou do senso de humor do marido, e a despeito de trabalhar duro, também se orgulhava da habilidade que tinha como costureira. Poderia fazer trabalhos de costura e bordado após um longo dia de ajuda com os animais, se aquilo significasse livrar-se do plantio de batatas. Ela havia sido uma mulher ambiciosa e Edgar duvidava que, se ainda vivesse, aprovaria a maneira como ele abandonara os planos para o lugar.

Assim que estacionou em frente à rústica morada, Edgar a olhou sob uma nova perspectiva. O lugar não lhe parecia apropriado para uma menina crescer. A cor marrom escura da pintura que ele e João Montes tinham escolhido na última primavera agora parecia um pouco depressiva. Não havia árvores nem mesmo arbustos nas cercanias da casa ou do estábulo. Lembrava-se de como gostava de correr pelas matas junto com Alex sempre que tinha oportunidade. Talvez, quando Davina crescesse, gostaria de ler acomodada num galho de árvore, como Marine gostava de fazer quando criança.

Assim que Katerine estacionou ao lado da caminhonete, Edgar acabava de decidir mentalmente que iria falar com João Montes sobre as mudanças que poderiam fazer na pequena fazenda. O vaqueiro costumava lhe contar que sua mãe tinha um dom especial com plantações. Quem sabe o filho não herdara um pouco daquela qualidade, pensou, enquanto descia da caminhonete. E, se João o ajudasse, poderiam plantar árvores de crescimento rápido, para que a pequena Davina tivesse a oportunidade de brincar no meio delas.

Katerine saiu do seu veículo e aproximou-se de Edgar. Sem querer ele lembrou-se de quando a via descalça e, ainda que ficasse na ponta dos pés, não conseguia chegar à altura dos ombros dele. Procurou afastar as recordações da infância, mesmo porque não tinha ideia de quais eram as intenções dela.

- Estou me sentindo como se tivesse voltado no tempo - afirmou ela, girando os olhos ao redor e com um sorriso irônico.

Ele já imaginava que ela não resistiria à tentação de comentar sobre a falta de mudanças.

- Sei que preciso reformar o lugar. Estava pensando nisso agora mesmo. Marine vivia me dizendo que precisava plantar algumas árvores.

Katerine entristeceu o olhar.

- Sinto muito sobre Marine.

Edgar apenas agradeceu com um gesto de cabeça. Não queria falar e correr o risco de expor as emoções. A perda da irmã o abalou mais do que poderia supor. Os 11 anos de diferença o faziam se sentir irmão e pai ao mesmo tempo.

Tinham perdido o pai, atingido por um raio numa tempestade. A mãe ficou tão abalada que se amparou totalmente no filho, que, além de ajudar com a irmã, precisou auxiliar nos trabalhos da fazenda. Quando Edgar terminou o colegial, foi recrutado para servir o exército. Poderia ter se liberado por ser considerado arrimo de família, porém aconteceu de Alex também ser recrutado ao mesmo tempo e, apesar de ter iniciado a faculdade, declarou o desejo de servir a pátria. Edgar não quis deixar o amigo e ídolo de infância ir sozinho. E, embora enviasse para a mãe a maior parte do soldo que recebia mensalmente, sentia-se como se tivesse abandonado a irmã.

Agora tudo tinha acabado... a família e o amigo. Estava só no mundo, exceto pela pequena Davina e... não sabia bem se poderia contar com Katerine.

- Será que eu poderia ver o bebê?

Ele hesitou por um momento. Depois se arrependeu pela desconfiança. Afinal, Katerine Ramalho não era o tipo de pessoa que merecesse essa dúvida. Se ela tivesse algo em mente lhe diria logo. Não deveria ficar tão preocupado em permitir-lhe que tivesse contato com a criança.

- Claro que sim. Pedi a João Montes para cuidar dela enquanto eu ia à cidade.

Ele a conduziu para dentro da cabana. O delicioso aroma de algo sendo assado no forno denunciava que João Montes estava fazendo mais do que cuidar do bebê. O vaqueiro o acompanhava desde que retornara da missão no Vietnã. Edgar o empregara apenas por ficar compadecido da figura miúda e insignificante do homem. Porém João Montes provara ser um dos melhores trabalhadores que conhecera em toda a vida. A pequena fazenda não teria sobrevivido não fosse pela coragem e determinação daquele homem franzino.

No momento em que Edgar entrou acompanhado de Katerine, o caubói se encontrava numa posição divertida. Sentado no chão no meio da sala, rodeado pelas peças espalhadas do antigo berço que fora desmontado por Edgar e estocado no quartinho de despejo, que ficava nos fundos da edícula onde João Montes dormia.

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