Capítulo 2
É amor à primeira vista.
Saio do carro com um sorriso bobo.
- Mademoiselle, por favor me pergunte quando estará no táxi, estou disponível. - diz o taxista, me entregando um cartão.
- É claro! - Atendo automaticamente e pego o cartão, como você disse, para você me ligar quando precisar. E então me vejo sozinho em frente ao portão da escola, que agora me parece grande demais. Um negro alto de boina abre a porta para mim, murmuro um “merci” e atravesso a grama com a bota.
Está tudo calmo, são as horas, ontem peguei o vôo de madrugada para chegar pouco antes de escurecer, vejo como vou sofrer com a diferença de fuso horário, tem horas de diferença daqui para o Brasil.
Arrasto minhas malas pela grama lenta e nervosamente. Sou recebido na porta da escola, antes de entrar, por uma mulher robusta e de rosto sério que me deixa paralisado.
- Você é Sharon Albu... – ele olha para o papel em sua mão e franze a testa. - Albuquerque? Sharon Albuquerque? - pergunta em inglês.
- Sim sou.
- Excelente. Venha comigo, senhorita. Albuquerque. - Albuquerque sai todo sem jeito e com um sotaque forte na boca, ela tenta sorrir, mas isso deixa seu rosto mais franzido e assustado, é a minha vez de tentar sorrir, ela só se esforça mais porque eu sei que parece que eu' estou apenas mostrando meus dentes. Ela pega uma das minhas malas e me ajuda.
Vejo o movimento dos adolescentes indo e vindo pela escola e percebo instantaneamente: uniformes.
Estão todos uniformizados.
Algumas garotas de um grupo passam por mim, olhando para mim, olhando para mim das pontas dos meus cabelos ruivos até os dedos dos pés.
- Bem-vindo à ASP. Sua casa e escola durante este longo ano. - diz a diretora abrindo os braços para a escola.
Suspirar.
Parece algo saído de um filme, com certeza.
Se o exterior da escola já surpreendeu, imagine o interior.
Sinto como se estivesse em um filme de internato.
A diretora arrasta minha mala escada abaixo e não posso fazer nada além de segui-la. Posso sentir todos olhando para mim, meninas com livros nas mãos e a ponta de um lápis na boca enquanto avaliam se sou uma ameaça à reputação delas, estou tão focado nelas e em seus possíveis pensamentos que não 't. Nem percebo quando a diretora para de repente, só percebo quando já a confrontei.
O riso ecoa.
O diretor bufa e esfrega o local onde nossas testas colidem. Definitivamente combina com a cor do meu cabelo.
- Seus quartos, para estudantes em geral, são separados, os meninos de um lado e as meninas do outro, embora isso não mude o fogo na bunda de algumas meninas... - O diretor deixa a frase em aberto e eu percebo Que ela está olhando para o grupo de garotas que estavam me avaliando, essa é a palavra certa, agora que me consideraram uma ameaça, provavelmente acham que sou patético só pela maneira como olham para mim. Tenho vontade de invocar as minhas raízes e mostrar-lhes o dedo médio. Mas não estou pedindo isso, obviamente. O diretor está na minha frente. E olhando para mim. Como se ele estivesse me avaliando.
Ele me leva até o corredor da esquerda, imagino que seja o corredor das meninas, passo por inúmeras portas, uma ao lado e na frente da outra. O diretor para no último e me manda entrar.
Eu entro.
- EM. Albur... Albuquerque – diz novamente com um sotaque tão marcado que meu sobrenome fica quase irreconhecível – este é o seu quarto. Entre, sente-se e eu lhe direi algumas regras.
Eu obedeço. Afundo na cama.
- Primeiro, você nunca pode, em hipótese alguma, trazer um menino para o seu quarto, é proibido sob pena de suspensão. Em segundo lugar, é proibido brigar com seus companheiros por qualquer motivo. Terceiro, nunca se atrase para a aula ou você perderá. Quarto, é permitido amizade ou namoro com menino da escola, mas ninguém no quarto do outro, se quiser ter um momento de prazer, vá para um motel, isso é uma escola. Quinto, o uniforme é obrigatório, não amarre a blusa para mostrar a barriga, não levante a cintura da saia para mostrar as canelas, você pode usar roupas normais quando não estiver nas aulas. Às sextas, sábados e domingos é permitido usar qualquer roupa e passar o final de semana fora, alunos que não tenham parentes aqui que tenham recebido bolsa podem ficar aqui. Bom, por enquanto é só, com o passar da semana você vai aprendendo os detalhes – diz ele, com olhar avaliador.
- Tudo bem. Hum, tem duas camas aqui... Eu tenho uma colega de quarto, certo? - pergunto ao notar a cama do canto, a cama já tem um lençol diferente e o canto já está arrumado de forma diferente da decoração chata do meu cantinho.
- Sim. Sua colega de quarto é Leah Martin, ela está na aula de ginástica agora, mas estará aqui em breve. Bom, é isso, pegue suas coisas, você pode jantar aqui ou sair para comer. Até breve, senhorita. Albur… hum – olhe o papel em sua mão – senhorita. Albuquerque.
Ela sai e eu fico sozinho no quarto.
É um local normal e espaçoso, com duas camas, duas grandes janelas, estantes, dois armários, uma secretária, pufes, mesinhas com muitos livros escolares e dicionários. A parte da minha colega de quarto é toda ocupada, bagunçada e personalizada, a minha é vazia e chata, claro, porque ainda não organizei.
Mas também não farei isso agora.
Eu desabo na cama.
Acordo com o som do meu celular.
- Ouvir
que existe um paraíso na terra
E coisas que eu nunca entendi
Coisas que eu nunca entendi
Eu acabei de ouvir
é quando os calafrios vão embora
Coisas que eu só entendi
Quando te conheci... - Meu celular vibra. Desligo a música e sento na cama. Passa um tempo, acho que tenho um breve ataque de amnésia porque simplesmente não reconheço onde estou e quem é a garota caída no chão.
- Acho que bebi demais... - A menina rasteja pelo chão até a cama do canto e com muito esforço sobe nela e desmaia.
Levanto-me e vou até a janela.
É noite e estou em Paris.
Eu fico alerta. Como o meu quarto é o último, e a longa escadaria inclinada leva-nos para cima, a janela dá para toda a cidade e consigo até ver a alta e deslumbrante Torre Eiffel ao longe. Acho que passei alguns minutos admirando isso.
Arrumo minhas coisas já que não arrumei antes porque dormi. Quando termino, minha metade do quarto já está arrumada. As estantes ocupadas por ramos de plantas artificiais que trouxe na mala com livros antigos e vintage, a secretária com os meus dicionários e os meus álbuns que coleciono.
Eu me repreendo o tempo todo enquanto ando sem rumo pela escola vazia em busca do refeitório, mas não consigo encontrá-lo. Olho a hora e vejo que já é quase de manhã.
- Maravilhoso. - murmuro, já vendo a bagunça da diferença horária.
Acho que não vou encontrar nada para comer tão cedo.
De alguma forma acabo chegando ao corredor dos meninos, já estou me virando quando ouço vozes de meninas vindo de algumas portas e não apenas conversando...
Horrorizado, corro para o meu quarto.
Pego uma barra de cereal que trouxe na mala, ligo para meu pai e converso com meus amigos que ficaram no Brasil e mando uma mensagem para Gustavo.
Então adormeço.
E quando o alarme toca, percebo que minha colega de quarto ainda nem levantou para a aula, o que significa que ainda é cedo. Ou não.
E a moeda cai.
Eu não tenho uniforme.
- Ei, cenoura, que horas são?
Eu gemo automaticamente antes de me virar para a garota com quem divido o quarto através dos cabelos bagunçados.
- Sete horas.
- Ah, ah! Dormi uma hora inteira. - Ela dá um sorriso largo, atordoada pelo sono. Com o cabelo por todo o rosto e as roupas amassadas, não consigo vê-la direito. Ela volta a dormir.
- Ei ei? - Tento ligar para ela.
- Diga-me, novato.
- Onde consigo meu uniforme?
- Vá com calma. Deixe minha mente ligar...
Espero enquanto alguns segundos se passam.
- Ok, está na diretoria - responde ele.
- Onde está o conselho de administração?
- Oh...
Espero mais alguns segundos enquanto olho o relógio na minha mesa.
- Siga em frente, vire à esquerda antes de chegar ao corredor dos meninos, suba as escadas, vire à direita... ou é à esquerda? - Ele pergunta como se realmente pudesse responder.
"Eu não tenho ideia", murmuro.
- Zut! - Diz palavrões em francês. - Espere um pouco, deixe essa dor de cabeça infernal passar...
E espero. Apenas minutos passam em vez de segundos.
Ela voltou a dormir.
Vou ter que me encontrar sozinho com o diretor desta escola gigantesca.
Saio do quarto vestindo nada além de uma boneca verde-limão folgada e nada sexy que Mila me deu, e ainda por cima um roupão verde-claro pendurado sobre meus ombros que peguei do cabide da minha colega de quarto, e rezo por sorte. Eu e ninguém vamos me ver assim já que ainda é muito cedo. Meus chinelos de sapo não fazem barulho enquanto corro pela escola.
Porém, sou obrigada a parar quando percebo que estou no corredor dos meninos, acabei entrando aqui sem querer pela porta dos fundos, porta que só liga o corredor de cima ao corredor dos meninos.
A diretoria definitivamente não está aqui.
E meu maior medo recente se forma na minha cabeça.
Estou no corredor dos meninos.
Eu só carrego uma boneca.
A aula ainda não começou.
Se o diretor aparecer aqui...
Como se a chamasse de algum lugar, ouço passos altos vindos da escada, que parecem descer e seguir em direção a este corredor.
Não não.
Vou até a primeira porta mais próxima, abro e entro. Está completamente escuro, embora o sol já esteja brilhando, vejo que é a cortina preta com um véu que bloqueia toda a luz do sol, mas algumas frestas de luz entram e iluminam pequenas coisas.
E está em silêncio.
Muito quieto.
Acho que não há ninguém aqui.
Talvez as crianças francesas sejam mais pontuais e já estejam no refeitório para tomar o café da manhã. Ou talvez eu ainda não tenha retornado de alguns dos passeios da noite passada.
No escuro e com o coração acelerado, tateio em busca do que procuro. Encontro o armário e, sem ver nada, pego o que parece ser uma calça de moletom e um moletom folgado, que instantaneamente me lembra meu ex-namorado Gustavo. Eu faço uma careta.
O diretor não pode me pegar aqui.
Ela simplesmente não pode me pegar aqui.
Meu coração bate muito rápido.
Vestida por cima da boneca, de calça e moletom e levantando o capuz para cobrir o cabelo, viro as costas para a porta e finjo estar amarrando um cadarço imaginário quando a porta se abre abruptamente.
-Ollie? Já está pronto? Bennett está pronto? - A voz do diretor soa atrás de mim.
Eu fico pálido.
- Sim senhora. Hum, estamos indo embora. - digo tentando aprofundar a voz, o que é difícil, já que minha voz normal é suave.
Sinto minhas mãos tremendo.
Olha onde eu acabei?
Nunca fui de entrar em emboscadas como essa.
- Ótimo, anda logo... Ei Helena! O que você está fazendo saindo do quarto do Nathan? Para o conselho de administração, vocês dois agora! - ouço ela fechar a porta atrás de mim.
Eu poderia chorar de alívio agora.
Sinto o sangue voltando ao meu rosto.