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Lembranças

No percurso restante ficamos calados. Eu me afundo mais no banco e o olho para o lado de fora sem nada ver, apenas com as imagens de como o conheci.

Cinco meses atrás....

Desço do carro. Espirro alto por causa do cheiro de graxa, óleo, gasolina e sei lá mais o que nesta oficina ....

Espirro de novo.

—Saúde. —diz um homem saindo do escritório com um sorriso.

Ele limpa a boca com um guardanapo e, se virando, o joga para alguém lá dentro.

Agora são uma hora da tarde e, pelo seu gesto, ele estava almoçando. Eu deveria ter vindo mais tarde.

Deus! Engulo em seco.

O cara...é.... muito, mas muito gato, mas não do tipo inofensivo. Ele está mais para uma pantera, um leão.

Ele volta sua atenção para mim e o sorriso que ele me dá me diz que ele não parece chateado por eu ter interrompido sua refeição. Ele parece do tipo bem humorado.

Eu estremeço ante sua visão gloriosa conforme ele se aproxima de mim. Sem conseguir me conter, passo meus olhos por seu corpo definido embaixo do seu macacão.

É a primeira vez, depois de Omar, que alguém me atrai desse jeito.

—Vim num péssimo horário, não? —digo, mais afirmando do que perguntando.

—Tudo bem. Qual é o problema do seu carro?

Engulo em seco reparando como suas costas são largas. Desvio meus olhos de seu corpo perfeito e foco em seus olhos verdes. Miau!

Meu rosto fica ainda mais sério:

—Meu Uno está com problemas no freio de mão. Em descidas preciso engatá-lo e girar a roda para a guia. Só assim ele não desce rua abaixo. Posso deixá-lo aqui para você dar uma olhada?

—Claro.

Nessa hora uma garota ruiva sai do escritório. Ela é jovem, bonita, quando ela me vê sorri para mim. Eu sorrio de volta.

O rapaz olha para ela e depois olha para mim.

— É só esse problema?

—Por enquanto é só. Eu comprei esse carro recentemente e espero que ele não me surpreenda com outros problemas.

Eu forço meus lábios a lhe dar meu sorriso simpático, mas ele sai meio nervoso. Ainda mais quando os seus lindos olhos verdes de gato resolvem focá-los.

Ele limpa a garganta e seu olhar procura o meu.

—Você deveria ter levado a um mecânico de confiança na hora da compra —ele fala de um jeito meio hostil agora.

Eu pisco com sua mudança de humor.

—Verdade. Mas eu nem pensei nisso —digo sem jeito.

Ele respira fundo.

—Se quiser posso dar uma olhada no seu carro, para evitar futuros dissabores.

—Não. Não precisa. Meu emprego é recente e quase tudo que poupei coloquei nesse carro. Por enquanto meu gasto só será o problema no freio de mão.

Ele e ergue as sobrancelhas, que aliás, são perfeitas e dá de ombros.

—Tudo bem. Você que sabe.

A garota surge novamente na porta:

—Leo, você vai demorar? Eu preciso ir para a faculdade ainda.

Ele olha para ela:

—Não.

Eu estendo meu chaveiro.

—Olha as chaves. Não quero atrapalhar seu almoço.

Ele se aproxima mais de mim e eu engulo em seco quando me dou conta do quanto ele é alto. Isso porque eu tenho um metro e setenta e sete.

Ele pega a minhas chaves e retira seu cartão do bolso e o estende para mim. Seus olhos verdes de gato focam os meus. Agora estão mais passivos:

—Ligue-me para saber o diagnóstico —ele diz com um sorriso jocoso.

Eu lhe dou um sorriso e entro na brincadeira.

—Espero que não seja grave.

Ele abre mais o sorriso.

—Provavelmente não.

Estremeço.

—Bem, vou indo.

Ele acena com a cabeça e eu giro sob meus calcanhares, forço minhas pernas funcionarem para fora da oficina.

Desde esse dia ele se tornou meu mecânico de confiança.

O engraçado é que, qualquer problema no meu carro, eu o procurava no horário do almoço. Eu sabia que Estela estaria lá com ele. Estar no mesmo lugar com Leonardo sempre mexeu comigo.

Ele me deixa sempre sem defesas.

Eu não me sentiria bem de ir em outro horário, de tão perturbada que me sinto com ele. Por isso tenho ido quando sua namorada está por perto.

Nessas minhas idas frequentes, Estela foi se achegando, acho que por insegurança de me ver sempre lá.

Se o carro não tinha algo, inconscientemente eu arrumava algo para ele fazer, tipo trocar a palheta do limpa vidro, dar uma olhada no óleo...

Deus! Agora eu percebo que só foram pretextos para ir à oficina de Leo.

Que vergonha...

Por isso Estela começou a sair do escritório e marcar presença, e conversar comigo enquanto ele me atendia.

Ela está certa, se eu tivesse um homem como Leo, eu agiria da mesma maneira.

Contudo, há uma semana o destino me fez cruzar com Leo, longe da oficina.

Eu estava no horário do meu almoço e tinha acabado de almoçar quando encontrei Leo na rua. Trabalho de secretária no banco Bradesco.

Bem, então ele me convidou para tomar um sorvete. Eu vivo de dieta, mas seu convite foi tão casual, pareceu tão inofensivo que eu aceitei.

Leo estava vestido com seu macacão de oficina e eu estava toda arrumada por causa do meu trabalho. Saia lápis preta e uma blusinha branca.

Quando entramos na sorveteria destoamos. Mas eu não me importei com o olhar de estranheza das pessoas ao me ver ao lado de um homem com um macacão com manchas de graxa. Na verdade, percebi alguns sorrisinhos de algumas meninas. Sim, ele é gato, mesmo vestido desse jeito.

Conversa vai, conversa vem e eu descobri que Leo vive sozinho e tem trinta e três anos. Sua mãe mora em São Paulo com outro homem, desde que ele tinha quinze anos.

Seu pai morreu quando ele tinha vinte anos e ele herdou a oficina mecânica.

Com entusiasmo ele me contou que ele a tem prosperado muito, inclusive pretende comprar um terreno ao lado e montar aos poucos uma autopeças.

Eu me senti tão à vontade com ele que pela primeira vez falei sobre mim. Disse a minha idade, vinte e dois anos.

Falei da morte trágica de meu irmão.

Contei a ele que moro com meus pais.

Falei sobre o meu trabalho e acabei comentando sobre Omar quando ele me perguntou se eu tinha algum namorado.

Nessa hora fiquei emotiva. Não sei por que, mas quando contei tudo para Leo, foi como se eu tivesse entrado num túnel do tempo. Acabei me desabafando e revelando a ele como sofri com a separação.

Sim, foi uma dolorosa decepção, quando depois de um ano de namoro, ele terminou comigo quando viu a oportunidade de viajar para os Emirados e crescer profissionalmente.

Leonardo ouviu tudo atentamente. Os olhos estavam naquele dia mais verdes do que nunca.

Às vezes ele me olhava sério, às vezes sorria.

Lindo!

Deus! Preciso parar de pensar em Leo desse jeito!

Passo a mão nos olhos e mudo a direção dos meus pensamentos e sem querer começo a me lembrar de como conheci Omar:

Foi num dia de chuva. Eu voltava do trabalho e minha bicicleta tinha quebrado no meio do caminho. Na época eu era atendente no Mac Donalds.

Eu a empurrava embaixo de pingos grossos, já ficando encharcada, quando um homem parou a sua caminhonete. Com um sorriso simpático ele desceu o vidro e me ofereceu ajuda.

Eu não o distingui de imediato. A chuva caia forte na minha cabeça, colando minhas roupas no corpo enquanto eu olhava para ele e tentava enxergá-lo no meio daquele caos. Só depois de alguns minutos, debaixo daquele aguaceiro que o reconheci.

O homem era o vizinho bonitão que morava um quarteirão distante da minha casa.

De vez em quando eu o avistava de terno e gravata pegando a caminhonete para ir ao trabalhar.

Algumas vezes quando ele passava, geralmente eu estava colocando o lixo para fora, ele me cumprimentava.

Com um sorriso relutante eu aceitei sua carona.

Muito gentil, ele colocou minha bicicleta na traseira do seu carro, sem se importar da chuva molhar seu terno negro sob medida.

O percurso não levou dez minutos e ele me deixou em frente à minha casa.

Não demorou um dia para ele me procurar pelas redes sociais. No dia seguinte ele me enviou uma mensagem no facebook e começamos a conversar. Lembro-me que fiquei muito animada por isso. Na verdade, desde a carona, eu não conseguia mais tirá-lo da cabeça.

Eu dezoito anos e ele trinta.

Que garota não quer ser notada pelo cara mais velho? E ainda por cima lindo, charmoso?

Através das mensagens trocada iniciamos uma amizade/paquera. Foi aí que vim a conhecer meu vizinho bonitão mais profundamente.

Ele me contou que iniciava sua carreira como analista de comércio exterior e que sua nacionalidade era marroquina e isso explicava o sotaque.

Que ele se mudou para o Brasil quando tinha doze anos porque as coisas no Marrocos não estavam indo muito bem para os pai dele. Eles estavam sofrendo graves problemas financeiros e seu pai andava doente.

Eles então vieram com a roupa do corpo morar com o irmão de sua falecida mãe.

Então veio a surpresa, seu tio estava com um câncer terminal quando os abrigou. Ele acabou morrendo e deixando a casa para o pai de Omar.

Seu pai, por sua vez, não conseguiu aproveitar e morreu cedo. Aliás, morrer cedo parece mal de família. Seu tio tinha apenas sessenta anos e seu pai menos ainda, cinquenta e oito.

Quando o pai de Omar partiu, ele tinha apenas dezoito anos e ele teve que amadurecer muito cedo. As coisas não foram fáceis para ele. Aprender outra língua e se adaptar à nova escola.

Bem, só sei que o tempo passou e as coisas evoluíram muito rápido entre nós. Não levou uma semana de conversa pelo face e ele marcou um encontro e começamos a namorar. Logo Omar começou a frequentar a minha casa.

A verdade?

Foram os dias mais felizes da minha vida. Eu realmente estava muito apaixonada pelo rapaz boa pinta, com um sotaque sexy e trabalhador.

Bem, mas agora acabou....

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