Capítulo 02
José Felipe
Terminar com a Letícia não era exatamente o que eu queria, uma mulher de beleza exuberante, cabelos longos, pretos, olhos atraentes no tom castanho escuro, um olhar que carrega mistério, paixão, sedução, poder. Às vezes parece uma patricinha mimada, mas sabe exatamente a hora de deixar a mulher empoderada que habita nela entrar em cena, e nessa hora ela coloca muito marmanjo no chinelo.
Ela é esforçada, dedicada, tem uma postura que não encontraria em nenhuma outra mulher, principalmente nessa vida. Já viajou para muitos lugares e conheceu pessoas importantes e influentes, tem um currículo profissional que é para poucos, não seria justo mantê-la "presa" comigo.
Conhecendo-a como a conheço, sei que ela não se conformou com meus argumentos embora sejam reais, ela não é mulher de porta de cadeia e eu não tenho nenhum futuro para lhe oferecer, o que posso fazer por ela não chega perto do que ela merece de verdade.
Por mais que me doa, foi melhor, eu sei que vou passar bons bocados nesse lugar infernal sem visita e sem ninguém pra fazer as coisas por mim lá fora, no entanto eu a trai várias vezes, engravidei outra mulher, falei que ia em "missões" sendo que ia pro baile, agi na completa emoção do momento sem me importar com ela, o mínimo que poderia fazer é deixá-la livre para ter um vida melhor.
Quase um mês se passou desde que terminamos e eu não tive nenhuma notícia, ela cumpriu a promessa de que sairia pra sempre da minha vida se eu a deixasse partir separados. Toda semana me embriago em "chocas" pra ver se consigo esquecê-la álcool para esquecer é como pôr fogo em gasolina.
Já virei a piada da cela "os cara" zoam muito, principalmente por saberem o quanto perdi quando abri mão dela em minha vida. Hoje é dia de futebol, chego na quadra mas decido não brincar, fico observando os outros jogarem enquanto me perco em pensamentos.
— Tá pensando na Letícia de novo? — O guilhermino debocha pela milésima vez — Se era pra ficar nessa lamúria toda, deveria ter continuado com ela.
— Não é fácil não "mano véio''! Ela é o amor da minha vida, só não é pra essa vida!
— Deixa disso, daqui a pouco a "Lili canta" e você vai atrás dela, vocês se acertam e vivem felizes para sempre — ele fala enquanto caçoa de mim fazendo gestos na minha frente que imitam nós nos beijando e rodopiando — Agora levanta daí e bora bater uma bola pra espantar essa tristeza pra bem longe — Vamos logo em times opostos quem perder faz a faxina do outro um mês e não vale pagar faxineiro.
Ficamos na quadra até o "horário da tranca", e de fato jogar bola desfez todos os pensamentos que me atordoam. Voltamos pras celas e após o procedimento do confere jantamos um virado e como ganhei a faxina e do Guilhermino.
—Perdeu, a faxina é sua, bom que se ocupa e para de me zoar um pouco. "Cê é Loko" não me dá um dia de paz— falo sorrindo, ele brinca pra tirar de mim a tristeza, apesar do lugar difícil e das pessoas complicadas construí algumas poucas porém boas amizades.
Amanhã é dia de visita, não recebo ninguém nem mesmo minha mãe, mas no fundo tenho um fio de esperança de que Letícia me mande carta ou recado por alguma cunhada, ela conhece quase todas mas até nada, nem notícias, nem recado menos ainda carta.
O dia já acorda agitado, domingo é dia sagrado para todos os presos. Dia de ver a família, comer uma comida caseira, receber carinho dos que nos amam de verdade. Para quem não tem ninguém é um dos dias mais pesados… São tantos sorrisos, tantas lágrimas, um misto de angústia, eu fico muito feliz em ver os "parças" receber seus familiares e me vem um sentimento que denomino "inveja boa", confesso que aos domingos eu me arrependo muito de ter terminado com ela. Como nós que não recebemos visita só podemos falar com os visitantes dos demais presos se formos convidados na conversa e autorizado pelo preso do familiar eu me mantenho afastado apenas observando discretamente tudo que acontece, as mães ou melhor as super-mães aconselhando os filhos, as crianças correndo no pátio e o mais doloroso pra mim, em dias de visita também não posso entrar nas celas pois os casais estão tirando visita íntima. Sorrio grande quando vejo que a mãe do Guilhermino veio nesse domingo, ela me adotou como filho e eu a adotei como mãe, a única coisa boa que esse sofrimento me trouxe.
— A benção tia! Não a esperávamos pra hoje. — falo enquanto levanto para dar-lhe um abraço e tomar a benção. — Que ventos a trazem? A próxima vinda não seria daqui a dois domingos? Aconteceu algo grave?— começo a perguntar já preocupado pois ela só vem uma vez ao mês e dessa vez ela antecipou muito.
— Calma! Calma, sofredor! Ela veio em paz! Não aconteceu nada. Foi a Letícia que a mandou. Trouxe um recado, o qual ela não me contou e disse que é só pra você, sendo assim vou ali buscar um refrigerante e já volto. Podem conversar à vontade!— Guilhermino fala tomando a frente e expondo a razão eu sei que ele está morrendo de curiosidade e confesso que agora eu também estou, já estou transpirando de nervoso.
— Oi meu filho, Deus lhe abençoe!— ela me abençoa enquanto me abraça, tentando responder minhas perguntas mas vira pra olhar Guilhermino falando, quando ele sai volta seu olhar para mim, nesse momento ela me pede para sentar e diz que vai repassar o recado todinho.
Sentado, ela me deu a notícia de que Letícia abriu mão de tudo na cidade e mudou para um lugar distante mas que ela acha melhor não falar onde está, que ela me manda um abraço apertado e deseja que eu encontre a felicidade o mais breve possível. Disse que o advogado continua no meu caso até o fim do processo para eu não me preocupar mas nesse momento eu já não ouvia mais nada, meus olhos marejaram e eu olho para o chão mas não enxergo nada.
— Eu a perdi para sempre! Eu a deixei sair da minha vida! Eu fui um covarde! Eu a mandei ir embora da minha— Falo enquanto sinto um misto de sentimentos tomarem conta de mim, ondas de ódio, frustração, arrependimento e sensação de que era o certo. Finalmente Guilhermino chega.
— Você tá bem parceiro? Toma um refri e tenta se acalmar— Ele me entrega o refrigerante enquanto me olha esperando alguma explicação, apenas faço menção autorizando a tia falar qual era o recado. — Não fica assim meu "mano", lá fora tá cheio de mulher você vai encontrar seu fechamento — ele fala tentando me tranquilizar.
O decorrer da visita foi tranquilo, mudamos de assunto, comemos uma comidinha da rua, oramos com a tia que é muito evangélica, uma ungida do senhor. Fofocamos sobre a vida dos irmãos e das cunhadas rimos e nos divertimos, quase deu pra esquecer que estávamos nesse inferno.
Depois que as visitas foram embora e finalizou todo procedimento, refleti sobre cada palavra que ouvi no pátio, repensei meu sofrimento nas últimas semanas, e na razão pela qual eu tinha deixado ela parti… depois de horas pensando, de muitas lágrimas rolando face abaixo, chamei Guilhermino para subir na minha "jega" precisava desabafar com um amigo.
— Mano tem "choca" na pista? Se tiver pega um corote pra nós, quero beber toda essa explosão de sentimentos, a partir de amanhã eu não lamento nem mais um dia pelas consequências da minha escolh a— falo deixando sair toda angústia, enquanto ele providencia a cachaça — Amanhã quero tá bêbado na hora do confere de tanto que vamos beber hoje — Sei que ele não vai me deixar beber esse tanto, contudo incentiva mostrando que está lado a lado comigo.
As coisas acontecem como devem ser, não posso passar a vida toda me lamentando, por isso vou beber hoje até que eu esqueça, e mesmo amanhã quando a ressaca chegar e passar, não vou me lembrar de quem ela foi na minha vida. Vou seguir meu caminho, assim como espero que ela siga bem o caminho dela.