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Prólogo - Canção de Ninar

Outubro do ano 2000, Candeias município da Bahia...

— Como tem sido as últimas noites? A mudança de horário da prática de esportes deu resultado? — Acomodada na poltrona, a psicanalista observa Bruna esfregar os braços. — Está gelado aqui. — pontua o óbvio — Quer uma manta ou que diminua o ar?

— A manta seria bom. — Como se quase sussurrasse, a jovem de 16 anos responde de forma tímida.

A mulher negra de porte robusto, levanta da cadeira se dirigindo até o armário que ficava dentro da sala. Já com o tecido felpudo em mãos, ela cobre Bruna sobre o divã com amabilidade. Em seguida, senta-se ereta na cadeira por trás da jovem, pega a prancheta e volta a pergunta inicial. — Como tem sido suas noites?

— Tenho dormido melhor. — Responde com pouca convicção.

— Melhor quanto? Uma boa quantidade de horas e sem pesadelos?

— Sem pesadelo! — Sorri irônica — Não preciso dormir para estar em um pesadelo. A minha vida é um grande pesadelo.

— Quer falar mais sobre isso? Pois não está em um pesadelo, aconteceram coisas no passado que farão parte da sua história, mas não irão reger sua vida eternamente Bruna. Você é dona da sua direção.

— Eu só queria esquecer de tudo, é sufocante passar quatro anos se sentindo sozinha em cima de uma árvore. E já que a senhora perguntou, não quero mais falar sobre isso. 

— Se expressar pode ser aliviante, diminuir o peso e junto com ele a pressão. - Bruna apenas fica muda. - Certo. - a mulher aceita a negativa.

A psicanalista entende que nem todo dia irá avançar. Lidar com estresse pós traumático é mais que um trabalho de paciência. É saber o momento certo de invadir, o que são feridas para o paciente. Por fim, resolveu mudar o rumo da conversa.

— Que tal recordar mais algumas histórias do seu passado. Que tal falarmos da escola que estudava no Rio de Janeiro. Gostava da escola?

A jovem fica pensativa, um tanto estática. Logo resolve responder — Não me lembro se eu gostava.

— Mas lembra de algo ou alguém? A escola é o ambiente onde fazemos amizades importantes, que muitas vezes marcam nossa vida, quem era a sua amiguinha?

— Acho que não tinha nenhuma amiguinha, ao menos não me lembro. Só... 

— Continue. Só... Iria falar algo.

— Só me lembro do Batutinha.

De cenho franzido a mulher tenta entender - Você tinha algum amigo que tinha apelido ou parecia com o personagem do filme Os Batutinhas? — A jovem adolescente apenas assente. - E como ele era? Qual era o nome dele?

— Ele tinha os olhos de um anjo e um cabelo lambido, mas o nome não me lembro. Eu não me lembro. — Em sua voz uma pequena aflição.

— Tive uma ideia — fala altruísta — porque não ligamos para sua antiga escola e tentamos descobrir algo sobre o Batutinha, talvez ainda estude lá. Seria bom reencontrar com alguém do seu passa...

— NÃO!!! — A menina se levanta do divã alterada, interrompendo a analista — A SENHORA É UMA INTROMETIDA.

— Respire Bruna, se acalme. Lembre do exercício para controlar a raiva.

— Não é raiva — Bruna inspira e expira tentando se controlar — é medo. A senhora não pode ligar para ele, pois não posso mais protegê-lo, não aguentaria perdê-lo também.

[•••]

Bárbara tentava manter-se forte, aquela rotina era dura. Contudo jamais desistiria de sua filha. Bruna aguardava na recepção com o padrasto, enquanto sua mãe ouvia a análise da sua última consulta.

— Há evolução, senhora Bárbara. Talvez um pouco vagarosa, mas significativa. Sua filha sofre de TEPT, Bruna não tem amnésia, entretanto os traumas que sofreu, a faz colocar todas as lembranças que a rodeavam naquele momento, em uma zona morta, ela simplesmente não quer se lembrar. Para Bruna, essa é uma forma de não sentir dor.

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