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Cap 9 - Eu Fui Destruída Desde Muito Jovem

Janeiro de 2009, Salvador Bahia

Cursar comunicação social foi algo bastante prazeroso. Se minha vocação não tivesse voltada para área militar. Jornalismo investigativo seria uma ótima opção. Me graduei para honrar o meu pai.

Essa era a vontade dele.

Eu, desde a primeira vez que entendi o que era ser policial, não me via em outra profissão. Algumas vezes é um meio que me entristece, não o lema ou a atividade.

Mas sim o sistema.

Sempre tem uma banda podre para jogar a farda na lama. Estou na polícia há quatro anos, quando entrei aos 21 anos de idade, foi desesperador para minha mãe. Na cabeça dela, iria pegar meu distintivo e uma arma e partir para o Rio de Janeiro.

Mesmo evitando tocar nos assuntos, justiça, Rio e meu pai, Dona Bárbara vive à margem do desespero. Até quando me mudei para Salvador a pouco mais de um ano, ela vinha todos os dias me vigiar. Diminuiu um pouco, porque infelizmente Carlos meu padrasto descobriu um câncer, por isso ela passou a se dedicar mais a ele.

Não moro sozinha em Salvador, uma amiga da faculdade e eu dividimos o apartamento e os interesses profissionais. Na verdade, o jornalismo e a polícia, gera um grande conflito de interesses, mas Letícia e eu sabemos respeitar bem a particularidade profissional de cada uma.

No começo foi bem complicado ganhar meu espaço dentro da corporação. Na cabeça da maioria dos policiais que são 85% masculinos, existiam dois tipos de policial feminina.

A QAP, aquela que é masculinizada, essa tudo bem ir a campo.

E a cepada, é a feminina super estudada, que serve para ficar sentada atrás de uma mesa fazendo serviço burocrático.

Queria ser eu mesma, trabalhar como policial como em qualquer outra profissão, é claro que encontraria dificuldades.

Foi difícil para eles entenderem, que eu podia ir a campo, quebrar uma unha e depois ir a manicure para ajeitar. Que não há necessidade de estereótipos e perfis padrões, se pararmos de conceitos pré recebidos e simplesmente analisarmos a competência do recruta.

Sou uma policial treinada, capacitada e nada mais.

O maior dilema que tive na polícia até agora, foi não virar um produto do sistema, claro que algumas coisas finjo não vê. Seria hipócrita em dizer que o distrito que atuo é um modelo, também não tenho força para mudar o mundo, apesar de querer.

Enquanto dirigia pelas ruas sinuosas do boêmio bairro, Rio Vermelho em Salvador, Carvalheda mexia com mulheres pelo caminho.

Estava cansada de falar ao cidadão de farda ao meu lado, que não necessariamente precisa ser ofensivo para praticar assédio, que era o que ele fazia todos os plantões.

Ele estava me cansando.

Teria que pedir para mudar de parceiro. Senão iria acabar fazendo uma grande besteira. Em Candeias, meu parceiro era um pai de família, super focado. Entretanto quando saía para campo com ele, se achava meu guarda costas, agia como seu eu não fosse capaz de me defender e quanto mais proteger a população.

Nada é perfeito.

— Mainha tá pensativa hoje! — Exclama o sem noção.

— Não estamos em um churrasco Cabo — o repreendo.

— Desculpa, Tenente, me empolguei! Mas me fale, que bicho te mordeu hoje?

— O comandante disse, que mesmo que não faça nenhuma apreensão, não volte direto ao quartel. É para eu passar na delegacia, a delegada quer falar comigo.

— Oxe! Eita lasqueira! Deve ser por conduta arbitrária, o uso da vareta. Quando for assim pega a arma e mete bala nesses desgraçados.

O pensamento de Carvalheda não era errado. Me evitaria problemas, que se dane o caos que se formaria. Atirei para conter um ladrão e o sistema me protegeria.

O problema é que eu acreditava em servir e proteger.

— Você tem razão. Claro que olhando de um ângulo sobre um estatuto que não sai às ruas para ver a realidade. Nós saímos, nós sabemos a realidade. Jamais iria causar vários danos colaterais em civis inocentes. Prefiro ser arbitrária do que omissa.

— Não fique brava! É bonito todo esse seu pensamento. Vamos rezar que ele dure para sempre.

Carvalheda falou como se um dia eu fosse mudar, Não entende que meus valores foram inseridos em mim, em uma realidade que vivi por doze anos.

O dia tinha sido tranquilo, agora iria matar minha ansiedade em saber o que a delegada iria me dizer. Tudo estava uma calmaria de assustar, até mesmo a delegacia. O pessoal curtiu tanto o pré-carnaval que achou de ficar mais devagar por uns dias.

Entrei na sala da delegada logo após que bati e ela permitir minha passagem.

— Com licença!

— Tem toda. Sente-se Tenente.

Puxei a cadeira e me sentei. — O comandante disse que a senhora delegada quer falar comigo. — Questiono ansiosa.

— Você conhece a DTT?

— Sim, fica no Rio, mas específico no Leme. É uma delegacia de combate ao tráfico. Atua mais acabando com o transporte de entorpecentes.

Ela pegou uns papéis e pôs em cima da mesa de compensado cinza. E quando começou a falar, quase não pude acreditar.

— Há um mês, esse distrito e vários outros do nordeste receberam um e-mail de pedido de investigação conjunta. O motivo é que existe um conjugado de favelas chamado complexo da fazendinha, que anda distribuindo por todo o nordeste, entorpecentes fabricados na Colômbia. Eles querem mandar agentes do Rio para atuar secreto no nordeste e querem a gente daqui para atuar secreto no Rio. A preferência deles é que fosse um policial civil, porém eu mandei todas as suas apreensões e livramentos de reféns em casos de maridos ameaçando a própria família, tudo de excelente que fez desde que entrou para a polícia. O delegado da 25º de Candeias também ajudou. Falei do seu interesse em ser P2. O delegado da DTT chamado Girão me ligou, para saber se era verdade, aquele tanto de apreensões e uma única morte. A DTT te quer lá Tenente Lúcio.

Chega fiquei sem ar, era um misto de muitos sentimentos. Era bom demais para ser verdade.

— Quando eu tenho que me apresentar?

— Aí temos um problema. Como tudo no Brasil, eles resolvem em cima da hora. Você terá de estar depois de amanhã às 7:30 na DTT para falar com o delegado Girão.

— Não tem problema — Respondo eufórica. — Amanhã mesmo embarco para o Rio.

— Falei ao Girão que você é formada em jornalismo, mas nunca exerceu a profissão. Ele me disse ser um ótimo disfarce e que já tem um emprego para ti.

— Nem sei o que dizer delegada. O que a senhora fez por mim, jamais vou esquecer.

— Seja no Rio a policial que sempre foi aqui. Nos orgulhe.

— A senhora pode contar com isso. Mais uma vez obrigada.

Já tinha dado as costas para sair, mas uma nova pergunta da delegada me fez parar.

— Tenente, sua motivação de atuar na área investigativa no Rio, vai bem além de um sonho não é mesmo? — Nem deu tempo de negar ou afirmar, ela continuou a falar — Investiguei você, aos treze anos a justiça lhe concedeu uma nova certidão de nascimento. Sinal que quiseram lhe proteger. No seu registro geral diz ser natural da Bahia, sendo que você fala um carioquês arrumado.

Fiquei parada, um tanto surpresa, não que fosse algum imaculável segredo. Mas não esperava que me investigasse.

— A senhora Delegada merecia que lhe contasse tudo. Mas irei falar o que me lembro. Me chamava Bruna Vianna Grimaldi, tinha como pai, o homem mais correto do mundo. O usaram, roubaram e o mataram. E quem fez? Foram os próprios colegas de farda dele. Pela minha segurança, meu padrinho que também é policial achou melhor me proteger. Passei a adotar o primeiro sobrenome da minha mãe, junto ao sobrenome do meu padrasto e agora me chamo Bruna Lúcio Reis.

Ela balançou a cabeça, como se algo naquele momento fizesse sentindo.

— Espero que não esteja errada sobre o seu pai e espero também que não me faça sentir culpa, caso você arrebente sua vida em busca de vingança.

— Fica tranquila! A minha vida foi arrebentada a treze anos atrás. E não quero vingança.

Quero justiça.

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