Descobertas
— Me diga, Ilhía. Onde você estava, tinham outros como você, com número no lugar de nomes? — Começou a tentar arrancar dela, o máximo de informações.
— Não, eu era a única.
— Então você só conheceu humanos?
— Sim. Meu pai e minha mãe foram mortos por eles e nunca mais saí de lá. — Falou Ilhía, triste.
Délia tentou conter o choro, mas uma lágrima teimosa, escorreu por seu rosto. Decidiu então, começar a ensinar a ela o que era ser um lobisomem.
— Nós somos lobisomens, duas espécies em um único ser, homem e lobo. Só nos unimos e temos filho com aquele que for totalmente compatível conosco, que chamamos de companheiros. Alguns chamam de alma gêmea, mas prefiro chamar de compatibilidade.
— Entendi. Sou compatível com o Alfa.
— Sim, querida, é isso mesmo. Vou lhe ensinar tudinho que precisa saber mas o principal você já sabe: você é uma loba Alfa, a mais forte entre todas. É companheira do Alfa e juntos cuidarão da Alcateia.
Enquanto conversavam, Délia havia secado e penteado seu cabelo curtinho, mas que logo estaria crescido e vestiu-a com um vestido reto de malha, que era o que melhor lhe cabia. Levou-a até a cozinha e fez um belo sanduíche de pão caseiro, queijo e presunto e lhe deu para comer, com um copo de suco. Depois levou-a de volta ao quarto em que estavam e sugeriu que dormisse.
Era visível o cansaço em seus olhos, que estavam fundos e com olheiras.
Deixou-a à vontade e foi para o próprio quarto, cuidar de si mesma e se pôr para dormir também. No dia seguinte teria muito o que falar com o Alfa e ele que ousasse não lhe escutar.
A noite foi tranquila na casa de Délia, elas amanheceram bem, Délia pediu que ela ficasse em casa, enquanto ia fazer umas compras e Ilhía obedeceu. Lavou a louça e arrumou a casa, pois era o que a colocavam para fazer quando não estava no laboratório, servindo se cobaia.
Délia foi atrás do Alfa e o encontrou no escritório.
— Bom dia, Alfa. — Cumprimentou.
— O que tem de bom, me diga e ganha um doce. — Respondeu com grosseria.
— Vim lhe comunicar que farei algumas compras nas lojas da vila e porei na sua conta. — Falou de uma vez só.
— Mais alguma coisa?
— Chamavam ela de quatorze, dei-lhe o nome de Ilhía. Ela foi criada por humanos, servindo de cobaia em um laboratório. Não sabia nada sobre nós e nem o que era companheiros. Vou cuidar e ensinar ela, agora com licença. — Falou rápido, saiu rápido, para não dar chance a ele de rebater.
Mas nem precisava, ele ficou tão surpreso, que não conseguiu falar nada. Délia conseguiu em poucas horas, saber muito mais do que ele como seu companheiro. O pior foi saber que ela nunca conheceu um de sua espécie, ou seja, o único lobisomem que a tocou, foi o infeliz do seu irmão.
Cada vez que lembrava da cena, a raiva lhe subia a mente e sua vontade era de matar qualquer um que visse a sua frente.
Nádia continuava vigiando o movimento de idas e vindas da coisinha feia. Pelo menos ela não tinha ficado na casa do Alfa. Observou Délia sair e foi até lá, dar uns recadinhos para a menininha fedorenta. Nem bateu na porta, foi entrando pela porta dos fundos e viu a intrusa de joelhos esfregando o chão e deu uma estrondosa gargalhada.
Ilhía olhou para a autora do som grotesco e avistou a mulher guerreira, de tez clara, olhos azuis e cabelos muito lisos e negros, presos em um rabo de cavalo.
— Oi. — Cumprimentou Ilhía.
— Oi, gata borralheira! — Riu da própria piada, mas a jovem não entendeu. — Meu nome é Nádia e eu sou a fêmea do Alfa. Sou eu que aqueço o corpo e a cama dele.
— Eu sou Ilhía, a companheira do Alfa. Não sei o que vou fazer ainda. — Falou sorrindo com simpatia, pois não entendia o que a outra estava insinuando.
Nádia achou aquele comportamento estranho, mas ficou quieta, não estava ali para entender nada e sim para dar um recado. Abaixou-se para ficar na altura de Ilhía e apertou com força seu rosto, com a mão, enterrando nos dentes, sua bochecha ainda dolorida pelos pinos que a feriram.
— Vim só dar um aviso para você, o Alfa é o MEU macho e não o seu. Fique longe dele. — Quando largou, empurrou-a com força e saiu.
Nádia não percebeu que a jovem caiu desequilibrando e bateu com a cabeça no chão, perdendo os sentidos e sangrando. Ficou lá até Délia chegar e a encontrar deitada em uma poça de sangue. Transformou-se pela metade e uivou pedindo ajuda.
O primeiro a chegar foi Timóteo, que sentiu o cheiro de sua fêmea no local e viu a jovem caída no chão. Imediatamente ele a pegou nos braços e seguiu Délia até o quarto em que estava dormindo Ilhía. Foi com ela até o banheiro e colocou-a deitada na banheira. Délia pegou a ducha e lavou sua cabeça, para ver onde era o corte.
— Achei, está quase fechado, mas foi grande. Ela está muito debilitada devido a todos os maus tratos que sofreu, tadinha. Não pode ser mais maltratada pelo seu próprio povo. Não é justo. — Falou Délia, já chorando.
— Como assim, Délia? — Perguntou Timóteo.
— Ela nunca viveu com os nossos, foi criada por humanos e serviu de cobaia para experimentos, não sabe nada sobre nós e nossos costumes, nem o que significa ser companheiro, eu que tive que ensinar. Nem educação teve… — chorava enquanto falava.
Timóteo ficou com raiva de Nádia, era óbvio que foi ela que esteve ali e causou aquele "acidente". Verificou que Délia conseguiria cuidar dela, pediu licença e saiu, indo direto a casa do Alfa. Entrou e foi até o escritório, entrando sem bater e encontrando Nádia lá, querendo se esfregar no homem.
— Sai daqui, Nádia, já falei para me deixar em paz! — Falou o Alfa, exasperado e empurrando ela para longe.
Timóteo não aguentou e defendeu sua fêmea, mesmo que ela não o quisesse. Foi até o Alfa e segurou seu braço, antes que ele estapeasse ela.
— Basta! Você causou essa confusão quando aceitou ela por tanto tempo em sua cama. Não adianta agredi-la, agora que seu lobo não a tolera porque encontrou sua companheira. — Rosnou Timóteo.
Gael puxou o braço com força e se afastou, sem olhar para o amigo.
— Saia Nádia, com você eu me entendo depois, sua fêmea vadia! — Falou grosso com a fêmea, que ficou pálida ao ouvi-lo falar daquele jeito.
Timóteo era Beta de Gael, mas também era um Alfa e sempre tratou todos com carinho e educação, nunca elevando a voz ou falando grosserias. Mas agora, ele a chamou de vadia? Nádia saiu devagarinho, pois não queria estar presente na discussão dos dois.