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Capítulo 7

GUILHERME

-Vem, vamos entrar. Está frio aqui fora. -digo afastando-me do corpo enrijecido da garota miúda sobre meus braços.

Ela parece muito desconfortável com qualquer tipo de toque então eu mantenho certa distância para não a afugentar logo agora que decidiu parar de fugir de mim, ou seja lá do que tenha medo. Um aperto no meu estômago se faz quando vejo seus braços, pernas e rosto arranhados possivelmente machucados pelos galhos das árvores as quais se deparou no meio do caminho enquanto corria. Sigo alguns passos na frente liderando o caminho de volta para casa deixando-a mais à vontade para seguir-me logo atrás.

-Você pode me dizer seu nome? -pergunto ainda de costas para lhe dar liberdade de escolha. -Não quero ser intrometido ou te constranger a nada, se não quiser responder tudo bem. Eu só acho que vai ser meio estranho chama-la de garota ou de desconhecida, mas isso não será um problema, pelo menos não para mim. -tento aliviar o clima com uma piada, porém ela não me acompanha na risada como eu esperava que fizesse.

-Eu... hum... pode me chamar de Melissa. -sua voz sai rouca e fraca quando responde, contudo, eu consigo ouvi-la com precisão devido o quase silêncio a nossa volta que é quebrado apenas pelos sons de grilos e sapos a beira do lago, e das nossas passadas sobre a grama verdinha ainda molhada pelo sereno da noite.

-Esse é seu nome verdadeiro ou apenas um nome qualquer que inventou agora? -indago olhando-a de esguelha por cima dos ombros.

-Você nunca saberá... -ela diz vaga desviando o olhar para o lago o qual estamos margeando.

Sorrio de lado com a resposta. Garota esperta, muito desconfiada e um pouco arisca, mas esperta o bastante para se proteger. Acho que gosto disso... dessa atitude inteligente. Eu só gostaria de saber do que é que essa menina tão frágil a poucos passos de mim tem tanto medo. Sei que não posso livra-la do que sofreu em seu passado, mas talvez eu possa ajuda-la agora, certo? Daqui em diante eu e minha irmã talvez possamos fazer algo por ela, não sei o que por enquanto, mas quem sabe? Sei que eu e Bruna somos outras duas pessoas quebradas pela vida também, mas... e se esse for o nosso recomeço? O nosso restart ou ponto de partida? Talvez seja para isso que viemos aqui, talvez esse seja o nosso propósito... nos reerguemos do zero ajudando uma outra pessoa no processo.

-Nunca diga nunca. -rio. -Você não sabe o que o amanhã nos reserva. Além do mais, posso ser um cara muito persistente quando quero. -digo com uma risada descontraída deixando evidente que é apenas uma simples brincadeira, eu jamais a forçaria a algo.

*

O silêncio preenche o ar durante o resto do trajeto, nenhum de nós dois diz mais nada e eu resolvo que é melhor assim, cada um na sua. Se a garota não se sente a vontade para falar, não faz mal. No tempo certo quando estiver menos receosa sei que ela se abrirá mais e eu poderei finalmente descobrir seus segredos que estão bem guardados a sete chaves por detrás daqueles grandes olhos castanhos banhados de medo, tristeza e sofrimento.

-Vocês a encontrou, graças à Deus! -Bruna exclama aliviada assim que nos vê aproximando e vêm em nossa direção a passos rápidos apertando em volta do corpo o pesado casaco de inverno que a protege do frio.

Amedrontada com a súbita e inesperada aproximação de minha irmã, a garota que diz se chamar Melissa, dá alguns passos para trás em uma clara reação de autodefesa. Meu Deus, não consigo nem imaginar o quão horrível deve ter sido o sofrimento que essa garota enfrentou no passado para estar sempre reagindo em pânico.

-Ei, ei, calma! Está tudo bem. Essa é a minha irmã... -explico levantando as mãos para o alto para acalma-la e intercepto os passos de Bruna para que não se aproxime ainda mais assustando a garota.

-A gente só quer ajudar. -Bruna contém o ímpeto de prosseguir. -Toma, vista isso. Você deve estar congelando com esse clima aqui fora. -ela diz retirando o casaco que veste oferecendo-o ao joga-lo em sua direção como uma oferta de paz, em uma tentativa de conquistar sua confiança.

Timidamente, com os olhos ainda pregados atentamente a figura de minha irmã e intercalando entre eu e ela, Melissa se abaixa e pega o utensílio com cautela e desconfiança entre os dedos finos e pálidos que tremem com o gesto, ou talvez pela baixa temperatura que faz, examina-o por alguns segundos antes de passa-lo pelos braços marcados com alguns hematomas de variados tons de coloração desde o roxo, vermelho e verde, causando-me certo borbulhamento interno de ódio e raiva, da criatura que teve coragem de ferir uma garota como essa.

Me pergunto como alguém pode ter a coragem e o disparate, de sequer cogitar a ideia de tocar em um fio de cabelo de outra pessoa com a intenção de ferir, subjugar ou de maltratar. O que há no coração e na mente de um ser humano desses? Se é que podemos chamar assim uma criatura dessas, que ao meu ver é um verdadeiro monstro.

-Eu não conheço vocês. -sua voz quebra o silêncio após alguns segundos surpreendendo a todos. -Por que estão fazendo isso? Digo, porque estão querendo me ajudar? -ela questiona com olhos vermelhos e desconfiados.

-Se você nos permitir... -começo pensando com cuidado nas próximas palavras. -Esse é apenas um gesto de bondade sem intenção alguma de receber algo em troca. É um estender de mãos que damos a você sem interesse, sem segundas intenções. Agora cabe a você a decisão de aceitar ou não a oferta. Não estou pedindo para que confie em nós de uma hora para outra, isso seria até idiota e pretensioso da minha parte. Mas pelo menos tente alguma coisa, nem que seja um pequeno resquício de fé, como um tiro no escuro, sem pressa... Você só precisa dar um passo de cada vez.

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