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AARON BITENCOURT
A CHUVA CAÍA FORTE E IMPIEDOSA. Raios cortavam o céu e os trovões pareciam abrir o chão, tamanha a intensidade dos estrondos. Os gritos de Marina estavam me deixando atordoado. Mil vezes maldita a hora em que concordei com ela em vir para esta fazenda, sabendo que estava tão perto de ela chegar ao final da gestação. Mas, jamais soube dizer um não para a mulher que desde a minha adolescência, sempre foi o grande amor da minha vida.
Jamais cogitamos que a nossa filha fosse escolher justamente hoje para sua chegada e com a tempestade, ficou impossível levá-la para a cidade mais próxima, já que a estrada tinha sido bloqueada. Tudo que nos restou foi recorrer à doula que morava nas proximidades, segundo um dos meus empregados, ela tinha bastante experiência e já tinha ajudado muitas mulheres em momentos como esses, mesmo assim não me sentia confortável com o parto em casa, mas não tinha outro jeito.
Tive que sair do quarto, agitado como estava, não ajudava em nada e minha presença só deixava a minha esposa ainda mais nervosa, no entanto, já faz quase uma hora que estão dentro daquele quarto e a cada grito agonizante de dor e medo que ela dá, só aumenta a sensação de impotência que estava me levando a loucura.
O tempo parecia ter parado, os malditos trovões reboavam assustadoramente. Eu estava prestes a fazer um grande buraco no chão de tanto andar de um lado para o outro. Depois de muito desespero e muita agonia, um ruído estrangulado ecoou por todo ambiente e em seguida ouvi um choro vindo da direção do quarto. Meu coração começou bater mais forte e movido pela euforia, corri naquela direção e, quando abri a porta, meus olhos foram ao encontro da minha mulher sobre a cama. De início fiquei assustado, os lençóis que antes estavam imaculadamente brancos, estavam todos manchados de sangue, mas a alegria em meu peito era maior, então acabei com a distância que nos separava e ao me aproximar, segurei em sua mão. Ela exibia o sorriso mais lindo que já vi na vida, correspondendo, outro surgiu em minha face, no entanto, o seu sorriso aos poucos foi desaparecendo e como um pesadelo tenebroso, ela começou a se debater e a revirar os olhos. O medo tomou conta de mim, sua mão ficou gelada e de repente o sangue do seu rosto se esvaiu diante dos meus olhos, deixando-a com aspecto cadavérico. Seus lábios se mexeram, mas tudo que deu para eu entender foi o nome: “Melissa” e em seguida seus olhos se fecharam.
— Você não pode me deixar. Não! Não! NÃOOOOOO... — o grito saiu rasgando meu peito e uma dor profunda me deixou paralisado.
Eu não sei quanto tempo se passou. Estava petrificado, abraçado ao corpo imóvel da única mulher que amei na vida.
Destruído! Essa era a palavra que define tudo que estava sentindo. A dor terrível que tomou conta de mim, se intensificava a medida que eu ia assimilando as implicações do que tinha acontecido aqui. Tudo havia perdido o sentido e quando ouvi uma voz ecoando no cômodo, chamando a minha atenção, tudo que consegui sentir foi um ódio descomunal ao ver a imagem a minha frente, algo dentro de mim havia se quebrado.
— Senhor, a sua filha.
Meses depois...
Chicago, Cidade em Illinois
ALICIA SCOTT
EU ANDAVA COM PASSOS APRESSADOS PELO corredor do prédio do meu cursinho. Meu nervosismo era tão grande, que minhas mãos estavam suando frio, meu coração batia forte e eu pensei que a qualquer momento sairia pela minha boca. Minha respiração, por alguns segundos, deve ter ficado presa na garganta, porque eu podia jurar que estava sufocando e um misto de sensações apoderou-se de mim.
Ainda atordoada, assim que cheguei à garagem e meus olhos ficaram fixos no homem a minha frente, um vento frio perpassou por todo o meu corpo, me fazendo estremecer. Fiquei, alguns minutos, parada, e as lembranças vieram como flashes em minhas memórias. Pablo é alguns anos mais velho que eu, e, o conheci um ano atrás quando tinha acabado de sair da escola e ao atravessar a rua, por pouco não fui atropelada. Mas, ele acabou por salvar a minha vida e no instante que nossos olhares se cruzaram, o meu coração disparou como se fosse saltar do meu peito. Minhas pernas ficaram moles, feito macarrão cozido e, eu senti o meu corpo ficar tão quente, que tinha a sensação de que minha pele estava em chamas. Daquele momento em diante, acabamos por nos encontrar por diversas vezes. Sendo filha de mãe solteira, onde sempre tivemos uma a outra, eu acabei contando para minha mãe e apesar de ser contra, ela acabou por dizer que não poderia interferir em minha vida e que algum dia não estaria mais presente. Então eu teria que fazer as minhas próprias escolhas. Por um lado fiquei feliz, mas por outro, eu senti um aperto forte no peito com as palavras que foram proferidas por ela.
Saio do estado estático que me encontrava quando escuto sua voz.
— Alicia!
Com algumas passadas, acabei diminuindo a distância entre nos dois e ao ficar a centímetros de distância, o silêncio pairou a nossa volta, ele ficou me observando e seu olhar era extremamente quente e sedutor, eu podia senti-lo movendo-se pelo meu corpo. Sentia o olhar deslizar pelos meus ombros nus e descer ao longo da minha espinha e antes que eu fizesse algum movimento, suas enormes mãos seguraram minha cintura.
Pablo inclinou a cabeça e encostou sua boca na minha. Suspirei, e, sua língua habilidosa entrou na minha boca, tornando o beijo ainda mais profundo, atacando minha língua com movimentos lascivos. Enquanto ele estava devorando-me com a boca, um misto de sensações apoderou-se de todo o meu ser e quando suas mãos deslizaram por minhas costas e alcançaram a minha bunda, instintivamente levei minhas mãos ao encontro do seu corpo, o afastando.
— Você não precisa fazer nada que não queira. Eu te amo e em breve será a minha esposa.
Suas últimas palavras me fizeram sentir um calafrio por todo o meu corpo e também foram responsáveis por, aos poucos, o meu nervosismo ir se dissipando. Contudo, hoje eu iria dar um grande passo em minha vida e embora tenha somente 18 anos, eu tenho a plena certeza de que ele é o homem com quem desejo passar o resto da minha vida. Sem medo e sem reservas, as palavras vieram do fundo do meu coração.
— Eu também te amo e estou pronta para ser para sempre sua, quero te entregar não só o meu coração, como o meu corpo que sempre arde de desejo ao está junto ao seu.
AARON BITENCOURT
Eu estou terrivelmente mal-humorado. Como se não bastasse tudo que aconteceu hoje na empresa, o fluxo de veículos estava intenso, parecia até um desfile interminável de carros. Todos os infelizes dessa maldita cidade resolveram sair de casa e para preservar a minha sanidade mental, fechei os meus olhos e as lembranças de horas atrás invadem a minha mente. Meus olhos passearam pelos rostos dos três desgraçados que estavam a minha frente, eles estavam mesmo cogitando que poderiam passar a perna em mim? Bastaram alguns dias fora do país e os malditos desviaram uma quantia exorbitante das minhas empresas. O silêncio que predominava no ambiente, foi interrompido quando o som potente da minha voz reverberou no ar.
— Quem de vocês três será o primeiro a transferir o dinheiro que roubaram, para minha conta? — os miseráveis se entreolharam em surpresa, enquanto me concentrei na tela do notebook a minha frente. — Enquanto vocês estão aí parados, a vida de todos eles depende do quanto vocês serão rápidos para devolverem o meu dinheiro.
Dito isso, virei o aparelho na direção deles e em seguida peguei o controle ligando o telão que estava fixado na parede. Instantes depois, seus olhos se arregalaram e suas feições mudaram. O medo estava espelhado em seus olhos ao verem as imagens que vinham de suas casas, onde seus familiares estavam à mercê dos meus homens.
— Senhor... — um deles tentou falar, mas interrompi.
— Vocês têm exatamente vinte minutos.
Alfredo foi o primeiro a correr até a minha mesa ao ouvir a fedelha que tinha por filha, chorando. O que me fez lembrar daquela que foi culpada pelo inferno que se tornou a minha vida, minutos se passaram e antes do tempo determinado, tudo que me foi roubado tinha acabado de ser devolvido.
— Está feito — o desgraçado disse como se tivesse feito um favor e não devolvido o que era meu.
— A prisão para vocês seria um presente. No mínimo, iam comer e dormir à custa dos impostos que são pagos por mim. No entanto, o que vocês chamam de liberdade, será na verdade o maior tormento de suas vidas, pois enquanto eu respirar, farei da vida de vocês um inferno na terra. Vão se arrepender até os seus últimos suspiros por terem cruzado o meu caminho.
O medo que estava visível em suas órbitas se transformou em puro ódio. Os três homens desapareceram do meu campo de visão e um brilho triunfante surgiu em meus olhos, assim como os meus lábios se mexeram dando lugar a um largo sorriso. A vida me roubou aquilo que eu tinha de mais precioso e juntamente com ela, se foi tudo de bom que havia em meu coração, fazendo com que a luz deixasse de brilhar em minha frente, e, tudo que vem me acompanhado é a mais pura e intensa escuridão.
No momento que meus olhos se abriram, a rua que antes estava abarrotada de veículos, agora se encontrava um tanto deserta comparada com minutos atrás. Os carros que passavam por nós, indo à alta velocidade, tanto do lado esquerdo, como direito, o homem com as mãos fixas no volante pisou fundo no acelerador e partiu cantando pneus. Não demorou meia hora e estávamos em frente ao grande portão da minha mansão, segundos depois, o veículo parou e com passos apressados, andei em direção à porta. No instante que levei uma de minhas mãos de encontro a maçaneta e a mesma foi girada, a imagem que surgiu em minha frente assim que a porta foi aberta, fez um tremor violento envolver o meu corpo inteiro. Um nó gigantesco se formou em minha garganta, minha mandíbula travou e o ódio inflamou em minhas veias. Aquilo estava me sufocando e no instante que aquele bolo em minha garganta se desfez, vociferei furioso.
— O que essa criança faz aqui?