O Sequestro

Miguel resolveu atender os feridos da Alcateia, organizou a busca pelo território e iniciou a percorrer as fronteiras até que ouviu um uivo distante, que foi passando de um para outro e o lobo mais próximo chegou correndo.

– O que faremos alfa?

– Reúna um grupo e corra até o local do acidente para tentar captar o odor dos intrusos. Leve alguém que esteve presente no ataque dos caçadores, estou desconfiado de algo planejado conjuntamente. Vá!

– Certo, alfa.

O lobo saiu uivando e Miguel correu em forma de lobo, indo direto para a reserva, onde esperava encontrar a diretora e saber ao certo como aconteceu o acidente e se havia feridos.

O interessante nos lobos é sua comunicação mental e por uivos. O alfa quando assume e a Alcatéia o reconhece, ele recebe a percepção da mente coletiva. Ele consegue se ligar a todos os lobos e conversar com vários ao mesmo tempo. Assim ficou sabendo do acidente com o ônibus escolar que voltava do passeio à reserva. Os uivos confirmaram a notícia e avisaram da preocupação com os filhotes que lá estavam.

Chegando a reserva, o grupo já havia chegado e estava no prédio central. Se dirigiu para lá, olhou em volta e não viu sua companheira. Avistou a diretora, que ao vê-lo, também foi ao seu encontro com uma expressão desesperada e torcendo as mãos.

– Ah, seu Miguel, aconteceu uma tragédia! A professora Bela desapareceu!

Ele segurou ela suavemente pelos ombros, para acalmá-la.

– Calma diretora, respire fundo me conte o que aconteceu exatamente. Meus homens já estão investigando o local.

– Ao retornarmos, iniciou uma chuva fina que logo se transformou em um temporal, o barranco ao lado da estrada começou a desabar e empurrou o ônibus em direção ao Rio, antes dele cair, o motorista abriu a porta traseira, Bela e eu saímos e começamos a retirar as crianças com a ajuda do motorista e das outras professoras, uns homens apareceram para ajudar, primeiro dois vestidos de caçadores e depois três, que as crianças reconheceram. Quando o motorista saiu, notamos que os caçadores tinham sumido e Bela também. 

– Vamos encontrá-la diretora, fique tranquila. Logo, linda go os carros chegam para levá-los. Caso escureça e não dê para voltarem, aqui tem toda condição de abrigá-los para passarem a noite. Avisaremos as famílias de que estão bem.

– Obrigada, Miguel, não sei como conseguem sempre estar presente para ajudar, mas é muito bom tê-los conosco. Deus abençoe a todos.

–Tudo bem diretora, é bom ajudar. Fiquem bem, já vou, assim que puder, darei notícias.

Miguel saiu com vários pensamentos intrigando-o. Alguém está por trás desses eventos, claro que não fizeram chover, mas aproveitaram a cadeia de acontecimentos naturais que proporcionaram o disfarce para o sequestro, de maneira que só notaram depois deles estarem distantes.

Ele seguiu até a mata e deixou seu lobo tomar a frente e foi para onde seus homens estavam a rastrear o odor dos caçadores. Mentalmente recebeu a mensagem do lobo que reconheceu o odor do mesmo caçador que atacou a Alcateia.

Miguel comandou outro grupo de três homens da cidade, para farejarem qualquer odor masculino diferente e segui-lo, principalmente o que for para fora da cidade. 

Chegando ao local da queda do ônibus, reparou que o ônibus tinha se deslocado até mais adiante no rio, levado pela correnteza que agora estava mais tranquila. Pela marca da altura que chegou as aguas nas margens, o que aconteceu foi o efeito tromba d'água. Quando chove muito em uma área mais acima do rio e desce como uma grande enxurrada, formando ondas grandes que descem levando tudo que encontram pelo caminho.

Com certeza os caçadores tinham um barco e retiraram Bela com ele, muito rápido, antes da tromba d'água chegar e arrastar o ônibus. Seguiu correndo pela margem, até encontrar o que imaginava. Quilômetros abaixo, suspenso acima da margem, oculto pela vegetação, estava um bote inflável a motor. Estava do lado oposto da margem onde o ônibus caiu, e pelas marcas de pneus que via no local, um veículo grande esperava por eles. Provavelmente um furgão, enviou mensagem para todos os lobos sobre as características do carro e pediu que se alguém tivesse ou visse um veículo do tipo, não chegasse perto, mas comunicasse aos outros para seguirem-no por onde fossem.

***

Na cela fétida, Bela acordou desorientada,  olhou em volta, Levantando-se de vagar, estava tonta e enjoada. O cheiro era muito forte naquele lugar escuro e precário, sentiu-se imunda, molhada e insegurança, todo seu corpo tremia de frio e pavor. Ouviu um som estranho, parecendo um animal ferido. Vinha da outra cela, pelo menos era o que parecia o lugar em que estava.

Esforçou-se levantando-se e indo até a grade lateral. Avistou a sombra do que parecia um enorme cão ou lobo. Com pelos castanhos, parecia ferido, pois respirava com dificuldade e gemia.

-Ei, bichinho, psi, psi, psi… - chamou como se chama um gato no beiral da janela, com medo dele se assustar e cair.

O grande lobo levantou a cabeça com dificuldade e olhou para ela. Uivou baixinho e tentou se arrastar até  perto dela. Ela se abaixou e estendeu a mão, sem medo, acariciou o pêlo macio num carinho reconfortante. O lobo gemeu como se agradecesse e uma lágrima brotou de seus olhos. Num esforço doloroso, o lobo tentou conectar sua mente com a Alcatéia e envio uma mensagem:

-Prefeitura, Luna, socorro, socorro socorrrrrooooo…

Após isso, expirou e entregou a alma ao criador.

*

A Alcateia ouviu aquele relato e estranhou, ele vinha de um lobo que sumiu a algumas semanas e foi dado como desertor. Todos estranharam, mas alguns que estavam próximos à prefeitura, foram até  lá  e discretamente se posicionaram, pondo-se em vigilância.

Miguel também soube e dirigiu-se à cidade, antes enviou alguém à reserva para avisar a diretora e a administração, que a estrada estava intransitável e teriam que se alojar por lá mesmo. 

Chegando à cidade, dirigiu-se a padaria, já ia clarear, precisava de um banho e de organizar o serviço,  tanto da padaria, quanto da investigação do sequestro. Depois de limpo e vestido, foi até o escritório e confirmou os funcionários do dia, enviando mensagem pelo celular  ao padeiro reserva para substituí-lo. Convocou alguns lobos para trocar de lugar com os vigias da prefeitura e tentou contato com os que seguiam os sinais do veículo dos caçadores. 

Amanheceu e os lobos estavam cansados, Miguel pediu a ajuda de alguns moradores para os substituírem. Foi até  a escola para saber quais providências tinham sido tomadas para resgatarem os alunos da reserva. Chegando lá,  viu alguns pais e professoras que também estavam esperando e ninguém  sabia de nada. Um deles já tinha falado com o prefeito a respeito, mas só obteve a promessa de estarem estudando as possibilidades. 

Miguel mais uma vez ficou furioso com o prefeito relapso e se o que pensava fosse verdade, trituraria a carreira do desgraçado e o poria na cadeia.