Curiosidade
Jessy já havia saído do hospital há dois dias. Esperou ansiosa por algum telefonema, entretanto não recebera nenhum. Arrumou-se a contragosto e colocou um sorriso no rosto ao sair de casa naquela tarde. Já faziam dois dias que não ia visitar o seu pai e imaginara o quanto ele deveria estar preocupado. Andou pelo estreito corredor do edifício em que morava, desceu as escadas e logo encontrava-se no lado de fora. Caminhou lentamente em direção ao ponto de ônibus assim que olhou para o outro lado da rua, lembranças surgiram em sua mente.
Flashback off
Jessy olhava com carinho para Victor sem acreditar que eles estavam juntos há dois meses. Todos os dias ele vinha lhe buscar na cafeteria e saiam juntos para fazer algo. Conversavam durante horas sem importar-se com nada. Em um sábado a noite, ele a chamara para ver um filme e a deixou na porta de casa.
–Não posso te deixar sozinho no ponto de ônibus – ela disse ao fazer uma careta – vou com você.
–Eu sou o homem. Homens fazem essas coisas e não mulheres.
–Sou diferente – sorriu ao segurar em seu braço e ir em direção ao ponto de ônibus com ele. Aos poucos pingos de chuva começaram a cair fazendo com que corressem em direção a algum abrigo. Ela olhou para ele e ao ver o seu cabelo gotejando, ergueu a mão e o limpou. Seus olhos se encontraram e por longos segundos não escutaram nada, apenas a batida de seus corações. Victor permanecia hipnotizado pelo olhar que ela lhe lançava e sem pensar, colocou a sua mão na cintura, puxando-a para si. Aproximou os seus rostos e a beijou. Aquele havia sido o primeiro beijo dela. O beijo que ela nunca se esqueceria em toda a sua vida.
Flashback off
–Eu realmente não esqueci – ela murmurou ao subir no ônibus que acabara parando em sua frente. Pagou a passagem e sentou-se em uma das cadeiras do fundo. Ficou observando o seu distanciamento do local, suspirando em seguida. – Queria que estivesse aqui, de verdade – fechou os olhos para impedir que as lagrimas caíssem pelo seu rosto, pois apesar dos anos ainda o mantinha em seu coração. O ônibus fez o seu percurso no mais absoluto silencio e quietude ate se escutar o barulho característico de quem queria descer. Jessy desceu em frente ao hospital ficando parada por alguns instantes, ela estava criando coragem para ver o seu pai. Andou tranquilamente pelo estacionamento ate adentrar no, grande, edifício a sua frente. Passou pelas enfermeiras e médicos que já a conheciam e prosseguiu ate entrar no quarto 505. Colocou um sorriso na face ao abrir a porta e deparar-se com o seu pai deitado em uma cama rodeado com inúmeros aparelhos.
–Papai..desculpe a demora – murmurou ao se aproximar do homem com cabelos brancos que caiam em sua testa. Sentou-se na beirada da cama, com cuidado, passou a mão em sua testa controlando as lagrimas – ainda não quer acordar e me ver? sinto falta de escutar a sua voz. Sinto falta de abraçá-lo e hoje, seria um ótimo dia para me falar coisas doces. Estou precisando tanto de você. – olhou com pesar para o homem forte deitado em sua frente sem reação. Seu pai entrara em coma a dois anos e desde então ela vivia sozinha em casa. Vivia apenas para ganhar dinheiro para mante-lo vivo. – As coisas podem ficar um pouco difíceis agora – disse calma ao depositar um beijo em sua testa – fui..despedida essa semana. Me perdoe. – segurou em sua mão com força deixando as lagrimas caírem pelo seu rosto – mas não vou desistir. Vou conseguir algo logo e o senhor, irá acordar e me fazer panquecas.
Ficou imersa em pensamentos tristes durante todo o instante em que ficou com seu pai ate a hora de ir embora. Sua cabeça latejava, seu corpo reclamava e não havia nada que pudesse fazê-la sentir-se bem aquele dia. A sua vida estava desmoronando de uma forma irreparável. Chegou em casa sem querer escutar as suas mensagens na secretaria eletrônica. Ela desejava poder esquecer todos os seus problemas e suas dores. Deitou-se no sofá em posição fetal, fechou os olhos adormecendo em seguida. A luz da mensagem de voz piscava indicando um novo recado, o que passou despercebido.
Assim que sol surgiu no horizonte, Jessy abriu os olhos acostumada a levantar cedo. Olhou ao redor com desanimo, levantou-se lentamente e ao olhar para o telefone, estranhou ter mensagens. Apertou o botão virando-se em direção a cozinha.
Senhorita Smiths estamos ligando porque deixastes o seu currículo em nosso hotel. O hotel Magno. Queremos que venha para uma entrevista amanha as 10 da manhã, se não puder ligue para remarcar.
O restante ela precisou escutar para começar a sorrir sem acreditar na sorte que havia tido. Olhou para o relógio fixado na parede e correu em direção ao banheiro. Tomou um banho rápido, vestiu-se e quando estava prestes a sair lembrou-se de algo.
–É onde esta aquele homem – estancou em frente a porta confusa e tentada sobre o que deveria fazer. Mordeu o lábio inferior como costumava fazer quando estava nervosa, passou a mão pelos cabelos soltos e suspirou após decidir o que faria – não posso desperdiçar essa chance – falou consigo mesma ao levar a mão a maçaneta da porta e sair tentada a voltar para a segurança de seu apartamento.
***
A secretaria de Valentin olhou mais uma vez para o currículo de Jessy Smiths sem entender o motivo de seu chefe ter pedido para contatá-la e contratá-la apesar de existirem melhores pessoas para o cargo. Ele nunca havia feito um pedido como aquele, o que tornava toda a situação estranha. Colocou o currículo de lado ao começar a sua tarefa, sempre olhando para o relógio. Não queria admitir, mas estava ansiosa para ver a jovem pessoalmente. Ao passar do horário, sorriu.
“Imaginava que não viria” pensou tendo seus pensamentos interrompidos pelo barulho do telefone, ao atende-lo ficou surpresa ao escutar o nome de Jessy Smiths.
–Obrigada por avisar – falou ao desligar. Levantou-se ajeitando o seu vestido, bateu na porta de Valentin e escutou a sua voz permitindo a sua entrada – ela chegou. – avisou séria – peço para que venha ou...
–Não deixe tudo com o RH, mas enfatize a importância dela trabalhar aqui. Estamos entendidos?
–Sim, senhor. – assentiu ao virar de costas, entretanto logo escutou o seu nome – sim?
–Diga que devem contratá-la para o cargo de auxiliar.
–Auxiliar?
–Sim.
–Muito bem – disse antes de sair da sala – porque ele esta fazendo tanta questão que ela trabalhe aqui como um tipo de faz tudo? O que há com ele? – se perguntou ao sentar-se em sua mesa.
Valentin tamborilou os dedos em sua mesa impaciente. Afrouxou a gravata e olhou para o relógio. O tempo estava passando lentamente. Levantou-se caminhando impaciente pela sua sala. Ele estava ansioso para começar o seu plano. Ansioso para vê-la acabada. Pegou o seu celular e sorriu ao ver uma foto de seu irmão.
–Ainda não consigo acreditar que não estamos mais juntos – murmurou. Para ele a dor de perder o seu irmão nunca iria cessar. Em um impulso saiu de sua sala sob o olhar inquisidor de sua secretaria e seguiu para o saguão, onde saberia que a veria. Ficou próximo do elevador, em um local escondido e a esperou. Ele precisava vê-la feliz para sentir ainda mais raiva dela. Ele precisava saber que ela tinha seguido em frente para achar justo o que estava prestes a fazer. Ficou parado durante alguns minutos sendo alvo de olhares indiscretos das mulheres ate a ver. A principio não a identificou ate ela suspender o rosto.
Valentin manteve os braços cruzados contra o seu corpo a medida que a olhava. Observou os seus movimentos mais sutis não deixando de perceber o seu olhar entristecido.
“Aposto que a minha imagem ainda lhe perturba” pensou raivoso. Sem perceber começou a movimentar-se, seguindo-a. Jessy estava segurando as lagrimas que começavam a embaçar a sua visão. Apesar de estar confiante o seu coração encontrava-se apertado, pois as lembranças de Victor estavam cada dia mais forte deixando-a ainda mais triste. Ela caminhou imersa em sua dor ate o ponto de ônibus próximo, o qual encontrava-se vazio. Sentou-se e sem perceber deixou as lagrimas caírem livremente pelo seu rosto. Valentin olhava tudo a distancia, intrigado. Para ele, ela não passava de uma mercenária sem coração e ao vê-la chorar indagava-se o motivo.
–O que estou fazendo afinal? – ele se perguntou ao fazer uma careta. Virou as costas caminhando em direção ao hotel. Sem olhar para trás e perceber o olhar de Jessy em sua direção.
Ao entrar em sua sala, Valentin deparou-se com a sua mãe, que o olhava com um sorriso na face. O mesmo sorriso sarcástico que ele estava acostumado ao ver.
–Duas visitas em menos de uma semana? Isso é um marco – comentou de modo simplório ao ir para a sua cadeira.
–Não seja assim, vim lhe avisar de seu encontro.
–Para quando será?
–Daqui a algumas semanas. Ela esta viajando agora e quando retornar..
–Já disse que não preciso saber os detalhes – a interrompeu friamente – a conheceria e depois terei contato após no casamento.
–Isso é loucura. Ela irá querer lhe conhecer e..
–Não há o que conhecer. Repasse isso para ela, se aceitar continuaremos a falar do casamento.
–Quando se tornou assim?
–Quando minha outra metade me deixou – disse sério ao encará-la – saia agora. Tenho coisas a fazer.
Grace não disse nada, apenas pegou a sua bolsa e a contragosto saiu de sua sala. Valentin suspirou pesadamente ao retomar o seu trabalho, parando em seguida ao lembrar-se do rosto de Jessy banhado em lagrimas.
–O que esta havendo comigo? – indagou-se.