Capítulo 1
- Natasha, o chefe está chamando você. – avisou Norton.
- O que ele quer? – perguntou ela um pouco curiosa, levantando a cabeça, interrompendo sua leitura.
- Nem imagino. – disse ele. – Mas vá logo e depois me conte. – pediu piscando um olho.
Natasha foi até a sala do Diretor e bateu na porta.
- Pode entrar. – ouviu a voz do outro lado da porta.
- Bom dia! – cumprimentou ela mecanicamente.
- Olá, Natasha! Sente-se.
Natasha sentou-se à vontade na cadeira macia em frente à mesa dele.
- Pois bem, Natasha, acho que tenho aqui uma matéria bem importante para você. Talvez seja a chance que você esperava.
- Sério? – perguntou ela arqueando-se para frente na cadeira, bem interessada.
- Sim.
- Fale logo. – pediu ela excitada, mal esperando o que ele diria.
- Deixei para você fazer a matéria sobre a última viagem do trem azul.
- Como? – perguntou ela incrédula.
- Isso mesmo. – falou ele animado.
- Mas esta não é a chance que eu estava esperando... esta matéria não vai me auxiliar em nada.
-Como não? Este trem é o “ganha pão” de muitas pessoas, menina!
- E no que isto me ajuda, Jonas? Sabe que este trem não tem mais importância alguma. Qual a relevância para as pessoas de um trem que no ano 2000 vai parar de funcionar? Ele está desde 1911 circulando... quase um século que este ferro velho liga os dois estados. Sejamos sensatos: o fato de ele parar não vai mudar em nada a vida das pessoas. Quase ninguém mais o utiliza hoje em dia.
- Natasha, você é uma jornalista. Trabalha para este jornal e precisa cobrir qualquer reportagem que a chefia achar importante. Sabemos que nem sempre a história é importante... Às vezes é preciso mexer um pouco nela para ficar mais interessante. – ele falava de um jeito gentil, tentando não magoá-la.
- Jonas, olhe bem pra mim! Estudamos juntos a faculdade e hoje você é meu chefe e eu não consigo sair do lugar porque parece que não há oportunidades. Me sinto engessada. Ninguém liga a mínima para minha coluna. Às vezes até acho que estou trabalhando no Jornal Expresso só pra escrever coisas que ninguém lê pra uma coluna que o dono do jornal insiste em não querer extinguir por puro capricho.
- Tente conseguir uma boa história, Natasha. É preciso impressionar seus leitores!
- Por favor, não quero fazer esta matéria. Não acho que me acrescentará em nada: nem pessoal nem profissionalmente.
- Natasha, preciso de alguém na última viagem do trem azul. Você é a única aqui que tem tempo livre e que escreve somente para uma coluna. Além do mais, sempre me pede que quando tiver algo diferente devo lembrar de você. Estou certo de que estou lhe dando uma chance sim. Se não vê desta forma, então entenda como um pedido especial. Quero você lá.
- Nossa, vou enterrar o que resta da minha quase carreira. O que eu posso encontrar de interessante lá? – falou ela quase que para si mesma.
- Quero qualquer coisa, Natasha, mas precisamos estar lá na última viagem do trem azul. Sei que alguns passageiros ainda insistem em utilizá-lo, mesmo podendo fazer a viagem de forma muito mais rápida por outros meios de transporte. Tem a questão de que muitas pessoas ficarão desempregadas. Sei também que já houve uma vez que estiveram prestes a tirar ele de circulação, mas alguém pagou para os governadores com o intuito de mantê-lo nos trilhos. Atualmente os gestores dos dois estados insistem em “aposentar” o velho trem e finalizar a rodovia que liga os dois estados. Pensam até em criar um roteiro turístico para este caminho.
- Insisto que a matéria é irrelevante para publicarmos. Ninguém se interessa por este trem.
- É o que tenho para você, Natasha. – disse ele organizando uns papéis e se levantando.
Ela entendeu que a conversa estava encerrada para ele.
- Fico pensando o que eu poderia escrever sobre este trem que vá interessar alguém. Minha primeira matéria fora da coluna e me resta isso!
- Se for preciso, invente uma história para interessar. Quero algo na minha mesa em 3 dias.
- Três dias? – perguntou ela preocupada.
- Precisa ser rápida! O trem parte às 10 horas da noite para Tulipa. A viagem dura um pouco menos de 24 horas para ir... Mais o tempo de volta. Pensa que este trem já foi o mais importante do país na época em que começou a circular.
- Inacreditável! Quase 24 horas dentro de um trem velho e desconfortável. Não acredito que vou fazer isso! – lamentou ela levantando da confortável cadeira.
- Natasha, um bom jornalista é bom em qualquer situação. Não importa sobre o que ele vai escrever. Se você tiver talento, e eu sei que você tem, tocará as pessoas em qualquer circunstância.
- Jonas, como você conseguiu fazer tanto sucesso? – perguntou ela curiosa para o homem que um dia tinha sido seu namorado num passado não tão distante.
- Sempre escrevi com o coração, Natasha. Você sabe que sempre amei escrever, pesquisar, investigar. Confesso que algumas situações eu nem fui tão verídico como deveria.
- Talvez eu deveria ter ido para esta linha que você seguiu... Páginas policiais. Acho que as pessoas gostam mais de saber sobre isso: pessoas que morreram ou foram tragicamente feridas. Roubos, furtos, tiroteio e tristeza.
- Você não conseguiria! Acabei indo para esta área, mas não pense que gosto. Estou sempre correndo atrás de notícia triste, como você mesma mencionou. Claro que acabei acostumando. Mas o fato de estar convivendo sempre com a morte não me deixa bem. Você ainda tem oportunidade... Está iniciando, Natasha. Pode optar por escrever sobre a vida... Não passe sua vida escrevendo sobre a morte. Ainda pode optar e escolha o amor e não a dor. Se quiser ser mais feliz, é isso que precisa fazer.
- Me impressiona ouvir isso de você, o melhor aluno da faculdade. Se eu quisesse escrever romances eu seria escritora e não jornalista. Tenho um compromisso com a verdade para com os leitores do Jornal Expresso.
- Te digo que há quem não goste de ler verdades.
- Hum... está tentando me convencer a inventar uma história interessante?
- Nossa, como você é difícil! Não estou tentando convencê-la de nada. Estou dando um conselho, só isso. Sobre vida pessoal, eu acho! Agora preciso que vá, tenho muitas coisas para fazer ainda. Compre sua passagem e faça a última viagem do trem azul.
-Bem, será a última do trem e a minha primeira. – confessou ela.
- Nunca andou no trem azul? – perguntou ele impressionado.
- É claro que não. Nasci em final da década de 70, das grandes invenções tecnológicas. Se eu quiser ir à Tulipa uso um avião e chego lá em 3,4 horas. Enquanto que naquele trem horroroso vou levar quase 24 horas. – falou ela ainda um pouco irritada.
- Não se subestime Natasha. Não seja tão rude consigo mesma.
- Quem me subestima, na verdade, é você.
Dizendo isto ela saiu, pois já era claro que não conseguiria convencê-lo a lhe dar outra matéria.
Encontrou Norton no caminho:
- Então, o que ele queria? –perguntou o rapaz curioso.
- Me jogar uma bomba!
- Como assim? – perguntou ele não entendendo a brincadeira.
- Quer que eu escreva sobre a última viagem do trem azul e ainda “faça a viagem”.
- Não é tão ruim... Tente escrever uma boa história. Pode pesquisar sobre a como iniciou a construção da ferrovia, entrevistar as pessoas que estiverem lá, os funcionários e....
- Ora, Norton, não acredito que está tentando me dizer o que fazer!
- Desculpe! Acho que entendo porque está irritada. Tem realmente motivos para isso. Ele deveria mandar você escrever sobre a rodovia que vai surgir e não sobre o trem que vai sumir. – brincou ele.
Ela deu um meio sorriso:
- Vou indo, Norton. Vou inventar uma história interessante, como ele me induziu. Nos vemos em três dias... Se eu sobreviver a viagem.
- Vai dar tudo certo, colega.
- Obrigada. – falou ela sinceramente.
Natasha saiu dali com a cabeça em turbilhão. Muito irritada com o que Jonas havia pedido. Realmente acreditava que aquela matéria não iria lhe ajudar em nada. Há tempos pedia para ele que gostaria de parar de escrever diariamente na coluna sobre “utilidade pública” do Jornal Expresso. Queria sair para rua, escrever sobre outras coisas. Mas era a última contratada do jornal, então precisava se contentar com aquilo, que era o que ninguém queria.
Natasha havia estudado com Jonas na faculdade. Inclusive haviam tido um breve namoro na época. Ele sempre foi muito dedicado. Havia nascido para ser jornalista. Dizia que sempre sonhou com isto. Melhor aluno em todas as disciplinas e orador da turma. Logo no início da faculdade passou a estagiar no Jornal Expresso. Dali nunca mais saiu e logo depois de formado ganhou um cargo de chefia. Famoso por suas reportagens de páginas policiais, já havia sido sondado por vários outros jornais, mas por uma proposta irrecusável em dinheiro, se manteve no Jornal Expresso, que era considerado um bom jornal na cidade, embora não o melhor. Ela acreditava que não conseguiriam segurar Jonas por muito tempo ali. Ele era muito talentoso.
Natasha, formada em Jornalismo, com notas na média, nunca se destacou na faculdade. Nem ao certo sabia se era aquilo que queria fazer a sua vida inteira. Sabia que gostava de escrever, era curiosa... Fez um teste de aptidão e seguiu. Sinceramente não se via em outra coisa... Mas ao mesmo tempo nem mesmo no jornalismo. Só sabia que queria ser independente, sair de casa e morar sozinha. E seguiu sua vida.
Era uma mulher de poucos amigos e muitas palavras. Algumas pessoas diziam que ela deveria ser advogada, pois era muito contestadora. Mas ela nunca cogitou ser advogada. Tentou emprego em vários lugares: jornais, revistas... Mas não conseguia nada. Quando soube que Jonas estava no Jornal Expresso imaginou que ele a ajudaria. E foi realmente o que aconteceu. O relacionamento dos dois havia sido breve e morno, mas haviam ficado amigos. Não eram “melhores amigos”, mas ela se sentia à vontade de conversar com ele sobre coisas que não falava para outras pessoas. Nunca conversaram sobre o antigo namoro e isso a deixava confortável.
Enquanto caminhava e pensava furtivamente em sua vida, nem se deu conta que havia chegado na estação. Mecanicamente comprou uma passagem para Tulipa. Olhou para a passagem em papel que tinha nas mãos e sentiu-se um pouco ridícula. Mas naquele momento prometeu à si mesma que faria aquela reportagem. Provaria a Jonas que era capaz de escrever sobre uma coisa completamente insignificante e torná-la interessante. Então precisava começar, talvez pelo vendedor da passagem.
Ela retornou ao guichê:
- Senhor, sabe que dizer se muitas pessoas compraram passagem para a última viagem do trem? – perguntou ela ao homem passando dos cinquenta anos, com um semblante bastante simpático.
- Não muitas. Hoje as pessoas preferem os meios mais rápidos para chegar à Tulipa.
- E seu emprego, como vai ficar?
- Vou trabalhar na rodovia. Todos os empregados da ferrovia serão realocados de alguma forma na rodovia. Teremos trabalho garantido.
- Trabalha aqui há muito tempo?
- Quase 30 anos. – falou ele orgulhoso. – Quando o trem ainda era muito importante para todos: pessoas, cidade, estado, país.
- Sei como é.... – disse ela. – Sou do Jornal Expresso. Vou escrever a matéria sobre a última viagem do trem azul