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Capítulo VI

Valentina parou em frente a porta do quarto do seu amigo e quando girou a maçaneta, ela pôde ouvir sussurros de vozes familiares, mas nenhuma daquelas vozes pertenciam a Robert, o que a deixou curiosa.

— Você não deveria está aqui… — sussurrou uma voz feminina, irritada. — Me deixe ir, não temos mais nada para conversar.

Valentina recuou um pouco, quando reconheceu a voz seguinte.

— Você sabe que temos muitas coisas para por às claras — falou com urgência, uma segunda que era bastante conhecida por Valentina.

Ela não conseguia entender o que aqueles dois estavam fazendo ali. Sua mente comecava a criar teorias mirabolantes para explicar aquela situação incomum.

— Não seja persistente! Já disse que não temos mais nada para conversar…

— Não vê que o que está fazendo só machucará nós dois ainda mais? Você não pode fugir disso. Temos sim, muito para conversar. — falou o dono da voz com tamanha intensidade que Valentina ficara espantada.

— Não insista mais nisso — rebateu a moça em tom incisivo. — Eu tenho que ir…

Antes que a moça abrisse a porta, Valentina escancarou a mesma.

Ela fitou as duas pessoas por longos segundos, não acreditando no que estava acontecendo. Adentrou o cômodo vagarosamente, fechando a porta atrás de si.

Os dois a olharam surpresos, porém não disseram nada.

— Srta. Harrison, que surpresa encontrá-la aqui… Edward está a sua procura.  — falou enquanto entrava no quarto.

– Ah, claro… eu-eu estava…

— É melhor ir, Srta. Harrison. — Valentina não queria ouvir desculpas, pelo menos não as dela. — Seu noivo já deve está preocupado.

— Eu… com licença. — Grace saiu apressada do quarto, deixando Valentina a sós com o rapaz.

Ela observou a moça fechar a porta e fitou o rosto do homem parado a sua frente.

— Se você não disser "não é isto que você está pensando" eu ficarei decepcionada — murmurou Valentina cruzando os braços.

— Prima… — Valentina era a última pessoa que ele queria encontrar naquele momento. — Provavelmente não é, mas não conte nada a minha irmã, por favor.

— Por que está aqui, Levi? O que é tudo isso? — perguntou, com sua melhor expressão de desconfiança — O que vocês estavam fazendo aqui? Ainda mais sozinhos?

Ela não acreditava em seus olhos, era difícil acreditar que seu primo tinha alguma coisa a ver com Grace Harrison, alguém tão diferente dele. Mas aquela cena no jardim outro dia, a deixou com uma pulga atrás da orelha.

— Tina, por favor…

— Eu não contarei nada a Ivone… ela já tem problemas demais por si só. 

— Ainda bem — suspirou aliviado, bastaria a bronca que receberia ali, não aguentaria ouvir mais nada da sua irmã.

— Você sabe que se vocês fossem pegos por outra pessoa, sozinhos em um quarto com a porta fechada, isso se tornaria um escândalo de proporções gigantescas, não é? — Levi suspirou se dando conta do seu ato leviano naquele instante — Você poderia ter arruinado a reputação dela, acabado com o seu noivado e com todas as chances que ela possuía em relação a um futuro casamento.

— Não foi essa a minha intenção… — disse o rapaz que parecia constrangido e culpado. — Juro que não foi.

— Certo. Por que está aqui? Você nem gosta do Robert e a duquesa jamais te deixaria entrar na casa dela… — Valentina fez um muxoxo em compreensão — Você entrou escondido? Levi, o que você está pensando? Você pode ser preso por invasão.

— Não se preocupe, ninguém sabe que estou aqui, além de você… — disse e parecia decepcionado com a aparição dela.

— Você é um irresponsável! Você já está bem crescido para fazer esses tipos de loucuras.

— Olha quem fala! A senhorita que sumia em qualquer oportunidade que conseguia para poder ver o Thomas — rebateu Levi, surpreso por sua prima dizer logo aquilo para ele.

Valentina corou constrangida, pois realmente não era alguém muito exemplar.

— Eu não faço mais isso! — Levi riu. — Porque não tem a oportunidade. — Valentina ficou chocada com a resposta tão direta.

— Não importa, o assunto dessa conversa não sou eu e sim você. O que estava fazendo aqui com a Grace? — sussurrou a última parte — Você ainda não me respondeu.

— Eu precisava conversar com ela… — os olhos de Valentina foram atraídos para um delicado anel que ele segurava em uma das mãos. Aquele detalhe lhe deixava ainda mais intrigada.

— Por que você precisa tanto conversar com ela? Vocês nunca foram amigos, se me lembro bem, você a detestava.

— Eu não posso dizer.

— Oh, não me diga que você gosta dela? Você sabe como a Grace é, ela nunca lhe olharia dessa forma. — Valentina já não sabia mais o que pensar com toda aquela situação.

O olhar surpreso de Levi deu lugar a um sorriso amargo, que exalava tristeza.

— Sério que você pensa isso? — ele balançou a cabeça descrente. — Só porque eu não sou filho de uma família nobre ou possuo alguma riqueza?

— Pare de por palavras em minha boca, eu nunca disse isso, Levi. Você sabe como a Grace é.

— Talvez quem não a conheça seja você, Valentina. Nem todo mundo é aquilo que aparenta.

Valentina riu, mas percebeu que seu primo falava sério.

— Qual a sua ligação com ela? — o questionou mais uma vez.

— Não temos nada — murmurou olhando para o anel. — Nada.

— É claro que vocês tem alguma coisa, dá para ver em seus olhos — ela se aproximou e tocou gentilmente em seu ombro — Você é um amigo precioso para mim, mas eu não admitirei que o Edward seja traído dessa forma.

Levi fitou os olhos castanhos de sua prima, que possuíam a mesma tonalidade dos dele. Valentina era uma moça muito observadora e inteligente, mas às vezes, não conseguia ver algo que estava muito próximo a ela.

— Eu estou indo — falou, quebrando o contato dos dois. Valentina o segurou pelo braço instintivamente.

— Eu não sei o que é tudo isso, mas pense bem no que está fazendo. — preocupação transbordava de sua voz.

— Eu vou indo.

— Levi! — ele abriu a porta e olhou para ela por alguns instantes.

— Valentina, é melhor você não se envolver, não quero que você tenha problemas com o seu amigo. — ele pensou por um momento e continuou — Não é problema seu, é apenas meu e da Grace. Além do mais, eu não estou fazendo nada de errado.

— Levi…

— Tchau, Tina — disse saindo do quarto.

Após Levi deixar o quarto, Valentina passou alguns minutos tentando entender o que estava acontecendo. Seu primo sempre lhe contava seus segredos, mas desde aquele almoço em sua casa, Valentina percebera que ele não estava lhe contando tudo.

Ela não entendia, Levi sempre fora um rapaz responsável e sensato, porquê então, estava tentando insistir em algo com alguém comprometido e que não queria nada com ele?

Sua cabeça já comecava a doer e ela ainda nem havia encontrado o Robert, outro amigo problemático.

Cansada de pensar em Levi e em todo seu mistério envolvendo Grace, ela foi até a janela espairecer um pouco, logo sua atenção fora roubada pelo movimento do lado de fora. O jardim estava cheio de moças e rapazes que saiam despercebidos do baile para poderem se encontrar com seus secretos amantes. Risos constrangidos e fragmentos de conversas eram ouvidos até mesmo de onde ela estava. Valentina lembrou-se dos seus antigos encontros secretos e um suspiro triste escapou pelos seus lábios. Triste por não tê-los mais, mas feliz por os ter vivido. Às vezes aqueles sentimentos lhe ocorriam, a deixando confusa sobre a sua suposta superação.

Será que ela o havia esquecido de verdade ou só estava se enganando?

O que ele estaria fazendo naquele momento? Se perguntou, involuntariamente.

Soltando um segundo e longo suspiro, ela voltou a observar novamente o jardim. Em uma parte mais afastada do mesmo, próximo a entrada de um extenso labirinto – onde ela cansara de brincar quando criança com seus amigos –, Valentina se deparou com a imagem de um elegante rapaz, sentado em um banco de madeira, sozinho. Os ombros caídos e a cabeça baixa a fez reconhecê-lo de imediato. Ela então, abandonou a janela e seguiu para o local onde seu amigo encontrava-se.

Fingindo não ver muitas coisas, ela adentrou o longo jardim, mas antes de chegar ao seu destino, foi surpreendida por uma imagem um tanto incomum em bailes de noivado, uma criança com roupas de dormir vagava pelo jardim sem companhia.

Curiosa como sempre, ela se aproximou.

— Olá. — disse ao se inclinar na direção do garoto que pela primeira vez olhara em sua direção.

A criança que aparentava ter três ou quatro anos, fitou Valentina demoradamente. Ela se encantou com os expressivos olhos azuis do garoto e seus cabelos encaracolados de um loiros claro e bonito. Além das bochechas rosadas e roliças que lhe davam vontade de apertar, sua expressão inocente e marcante, junto com a vestimenta branca e brilhante sob a luz da lua a fez cogitar a possibilidade de estar na presença de um anjo.

— Oi — respondeu o menino um pouco receoso, olhando em todas as direções — O papai, a senhorita viu?

— Seu pai? — indagou Valentina, se perguntando quem diabos era o pai daquele garoto que ela nunca havia visto, mas estranhamente lhe parecia familiar. — Eu não conheço o seu pai, mas não se preocupe, ele deve está aqui em algum lugar.

— Papai… — choramingou o garoto se encolhendo com a brisa fria que passara entre eles. O menino havia tido um pesadelo e com medo fugira da cama para o aconchego do colo do pai, porém não o havia encontrado. Ele sabia sobre o baile, mas tinha conhecimento de que seu pai não participaria, além de não ousar por os pés no salão, já que tinha um grande medo da Sra. Price, ele resolveu procurar pelo pai no jardim e como consequência se perdera.

Valentina viu o garoto estremecer sob o fino pijama de seda e logo tratou de abraçá-lo, já que ela não possuía nada além do seu vestido para cobrir o menino.

O cheirinho infantil a fez sorrir apaixonada pela criança, o garoto também deixou escapar um pequeno sorriso, percebendo que o medo que estava sentindo havia desaparecido.

Ele olhou para cima e fitou o rosto de Valentina, – que procurava por algum homem que poderia ser o pai daquele pequeno anjinho em seus braços, – o garoto constatara que nunca havia visto uma moça tão bela em toda sua vida.

— Assim está melhor, não está? — Valentina perguntou e ele respondeu com um acenar positivo de cabeça. Ele olhou Valentina nos olhos e sorriu abertamente, mostrando suas covinhas que estavam escondidas até aquele momento — Você está hospedado aqui? Sabe onde seu pai está agora?

— Não sei…

— Então vamos encontrar seu papai — Valentina acariciou os cabelos bagunçados do menino sonolento e o pegou em seus braços, iniciando assim uma busca por todo jardim. — Acho que seu pai não está aqui… talvez seja melhor procurar lá dentro...

Por um momento o menino viu um relance de cabelos loiros, não tão longe dali.

— Papai? Papai! — o menino desceu desesperado do colo de Valentina e começou a correr, chamando pelo pai.

— Ei! É o seu pai? Espere! — falou enquanto tentava alcançá-lo — Cuidado para não se perder no labirinto!

— Pensei que iria cuidar de uma criança maior hoje — falou Crystal McGregor, aparecendo de repente e bloqueando seu caminho.

Ela não entendia como Crystal havia se aproximado tão furtivamente.

— Estou sem tempo para as suas provocações hoje, Srta. McGregor. — disse tentando passar pela moça, mas sem sucesso. Valentina estava preocupada com a possibilidade do garoto se perder no labirinto da família Price, que era muito famoso pelo seu tamanho e dificuldade em achar a saída.

— Eu ficaria triste, se me importasse… — a moça sorriu maliciosamente — Você deve está triste, já que sua amiga borralheira ficará sem seu príncipe encantado para sempre.

— Será que você pode me dar licença? — Valentina pediu tentando ignorar toda aquela provocação, se fosse um outro dia ela teria revidado a altura, mas naquele momento sua preocupação era outra. — Você não viu? Aquele garotinho correu em direção do labirinto, eu preciso impedi-lo, antes que ele se perca.

— Não se preocupe… o pai do Joseph está lá dentro, com certeza já deve ter ouvido a gritaria do filho — Crystal sorriu, como se soubesse de algo que Valentina não sabia. — Ele conhece aquele labirinto como ninguém.

— O pai… dele? — indagou Valentina sentindo um alívio indescritível.

— Sim, sim… o pai dele está lá, eu estava com ele inclusive.

— Não me interessa com quem você estava, pode está com o homem que quiser — murmurou Valentina começando a se irritar com a morena a sua frente. — Mas que bom que ele está com o pai.

— Oh! Não me entenda mal, você sabe, eu só tenho olhos para o seu irmão.

— Você não tem vergonha? O Charles e a Nicole estão praticamente noivos, ele a ama, só tem olhos para ela. — Valentina ficava impressionada com a determinação de Crystal, não que Charles fosse hostil com ela, mas qualquer um poderia ver que ela não tinha chances com o seu irmão e mesmo assim ela insistia naquele assunto.

— Sim, isso mesmo, estão praticamente noivos e não casados. Tudo pode acontecer antes deles trocar as alianças.

— Você é doente. — constatou Valentina rapidamente, tentando mais uma vez passar pela moça irritante.

— Eu não entendo! Não foi exatamente isso que sua prima fez? Se intrometeu no noivado de anos do meu primo e o enfeitiçou? — ela riu da expressão irritada de Valentina — Só estou fazendo o mesmo, quando a oportunidade sugir, farei de tudo para conquistar o coração do meu amado Charles.

— Sabe quando isso vai acontecer? Nunca. Você é digna de pena, Crystal… uma moça tão bonita e inteligente, deveria procurar algo mais útil para fazer, não acha? — Valentina se aproximou dela e olhou bem em seus olhos — Mendigar amor, é pior do que mendigar dinheiro.

Crystal se afastou de repente, irritada.

— Não seja ridícula! Eu não estou mendigando nada! — seu rosto estava vermelho de raiva e constrangimento.

— Com tantos pretendentes ao seu redor, deveria encontrar alguém que realmente goste de você, mas cuidado para não mostrar sua real face, essa que você está me mostrando. Sabe… muitos homens não gostam de moças dissimuladas, mas no seu caso é melhor dissimular mesmo já que a realidade é bem ruim.

— Ora, sua… — Crystal respirou fundo, mandando para longe a raiva e a humilhação que estava sentindo naquele momento e sorriu — Quando a máscara da sua amiguinha cair e o encanto que ela aprisionou o Charles quebrar, eu estarei aqui, o esperando de braços abertos.

— Está bem, cada um se ilude como quer, não é mesmo? Parece que única que está aprisionada em uma ideia fixa é você... mas enfim, sobre o Robert e a Ivone, eles se amam e só não estão juntos por causa desse noivado bobo e as convenções sociais idiotas que ainda nos oprimem. Você ao contrario da Ivone, não tem nenhuma chance — ela passou por uma silenciosa Crystal, que tentava encontrar algo para dizer, mas sem sucesso —  Agora preciso ir, tenho um garotão para cuidar. Com licença.

Com passos determinados e sem impedimentos dessa vez, ela deixou Crystal para trás.

Após alguns minutos andando e observando as flores, Valentina finalmente chegou até o lugar em que seu amigo estava. Ele nem sequer havia mudado de posição, o que a deixou preocupada.

— Está se escondendo? — perguntou, sentando-se ao lado de Robert.

— Acho que sim… — murmurou, fitando a amiga pela primeira vez.

— Não é tarde para desistir — falou, encarando o céu noturno. Algumas nuvens, que antes bloqueavam a vista das estrelas haviam se dissipado e alguns pontos brilhantes podiam ser visto facilmente.

— Eu não posso, esse casamento é muito importante para a minha família.

— E o que é importante para você? — indagou Valentina encarando os olhar intenso do amigo, que naquele momento estava longe de ser brincalhão, como de costume.

Robert demorou um tempo para responder, mas quando o fez parecia ter certeza.

— O bem da minha família. Como futuro senhor dessas terras preciso encontrar as melhores oportunidades possíveis. — falou com convicção.

— Bom, você já é um garoto bem grandinho, é responsável por todas as decisões, faça o seu melhor para não se arrepender.

— Eu farei… — ele pousou sua cabeça no ombro da amiga e os dois ficaram por um longo momento em silêncio, apenas ouvindo seus próprios pensamentos.

— Você está aí — falou uma carrancuda Crystal, surpreendendo os dois, Valentina começava a acreditar que Crystal era alguma bruxa sorrateira. — A tia está a sua procura, está na hora.

— Como ela está?

— Furiosa, você sumiu durante todo o baile.

— Bem, eu já esperava por isso — ele sorriu minimamente tentando quebrar a tensão dentro de si e a que circulava no local, causado pelas duas moças que não paravam de se ameaçar com olhares ferozes. — A… a Olivia está bem?

— Ela finge muito bem, é uma verdadeira lady inglesa.

Robert ao ouvir aquilo sentiu como se um punhal tivesse perfurado seu coração, Olivia era a mais inocente naquela história, mas era a que mais sofria.

— Certo… vamos, então? — ele começou a andar, mas percebeu que Valentina não havia se levantado.

— Não vem?

— Daqui a pouco estou indo, guarde uma dança para mim.

— Está bem. — ela sorriu e observou o amigo até ele desaparecer entre as flores.

Valentina ficou ali por alguns longos minutos, distraída com os pensamentos cheios de incertezas.

— O que o futuro me reserva? — perguntou para os astros brilhantes que pareciam lhe observar.

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