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Capítulo 1

Não sou uma pessoa muito sociável, é a frase célebre que minha mãe usa para se referir a mim para os outros.

Quando perguntam para ela o que sou, ou o que faço da vida, minha mãe simplesmente resume a mim mesma com “não é muito sociável”, como se isso resolvesse todos os problemas futuros. Não que eu goste de que ela fale de mim para os outros, eu não gosto, mas gostaria que ela se referisse sobre mim com minhas qualidades e não com os meus defeitos, que, por sinal, eu já conheço há muito tempo.

Por exemplo, ela podia dizer que sou uma ótima cozinheira. Não chef, já que não sou a chef desse restaurante, mas uma cozinheira, como muitos outros aqui, que tenta sempre fazer o seu melhor e dar o seu melhor, depois de anos para concluir uma faculdade e achar que vai ter seu próprio restaurante (ser uma chef), mas descobrir que isso foi só uma utopia criada por você mesma e que, na verdade, você é uma pobretona mesmo que não tem dinheiro nem para levantar uma parede e que precisa de dinheiro urgente para pagar o aluguel e que isso é muito mais importante do que se preocupar com o seu próprio restaurante.

Mas claro, ela não precisa dizer isso tudo. Só cozinheira já é suficiente.

Há outras coisas a mais que ela podia dizer. Como eu conseguir morar sozinha num apartamento só meu, ou o fato de eu conseguir me sustentar sem o auxílio de ninguém. Como eu ser uma pessoa muito dedicada ao meu trabalho e por isso não me preocupar muito com a minha vida social. Isso, por exemplo, seria uma maneira muito mais polida de dizer que não sou sociável, do que a maneira direta que ela usa.

Que é completamente verdadeira, mas não vem ao caso.

Aprendi desde cedo que para conseguirmos algumas coisas, temos que abrir mão de outras. Se eu queria ser a melhor aluna da classe, deveria abrir mão de horas brincando, coisa que meus antigos coleguinhas faziam. Se eu queria comprar o meu próprio laptop, tinha que me alimentar em locais mais baratos do que os amigos do técnico costumavam comer, para economizar dinheiro.

E, agora, se eu queria um dia pensar em ser uma chef renomada, eu devia deixar de lado o tempo que eu poderia me socializar para testar novas receitas e aprender mais conhecimentos culinários a fim de me tornar a melhor.

Era a simples lei da troca equivalente.

Mas, aparentemente, minha mãe não conseguia entender isso. Então tudo se resumia a: “Você não tem tempo para nada menina, ou arruma para não ter. Isso é falta de um homem na sua vida. ”

– Prato da mesa cinco, já está pronto, Sá? – Perguntou Chef Carlos na corrida cozinha na qual eu me encontrava naquele dia de fatídico domingo.

– Já sim. Saindo um Parmentier de canard. – Disse enquanto entregava o prato rapidamente na mão do chefe que já o limpava para ser entregue ao garçom.

Uma coisa que simplesmente não havia na cozinha era paz.

Era sempre muita correria, muitos pratos ao mesmo tempo, um atrás do outro, mas mesmo assim, era a minha paixão, a minha alegria.

Eu trabalhava numa rede de restaurantes que se chamava Le Monde Falcão. O último nome fazendo referência a família dona de todos os restaurantes da rede. Claramente uma família ricaça, que nunca dava as caras, mas que, mesmo assim, fazia jus às estrelas ganhas com o renomado restaurante que cuidavam. Afinal, não podia negar, tentávamos o tornar o mais impecável possível.

E era ali que eu passava de terça a domingo, todas as noites, principalmente, fazendo o meu melhor na cozinha para servir aos meus clientes.

– Conseguimos hoje, pessoal! – Disse Chef Carlos animado. Ele era um bom chefe, era inegável. Não havia o que reclamar dele. Exceto que eu queria me tornar alguém como ele.

– Isso ai!

– Uhu!

Foram respondendo outros chefes que estavam ali comigo. Era exaustivo, já quase duas da manhã, terminar o serviço e ir embora para casa, desgastada e a espera de outro dia de trabalho. A única coisa que animava um pouco era que o outro dia era segunda, o que significava que não haveria trabalho e eu poderia ficar em casa assistindo netflix e vivendo a minha vida isolada socialmente como eu realmente gostava de fazer.

Quer dizer, não há nada de ruim em querer ficar sozinha, no seu próprio canto, não é mesmo? Isso é pecado?

É fato que a minha profissão me afastou de muitos amigos, já que digamos que o momento que eles querem sair e aproveitar o fim do expediente, é o momento que o meu está começando. E eu não tenho espaço em outros momentos para sair com eles. Tenho foco e sei o que quero para os próximos anos. E isso acabou que me deixou um pouco.... Isolada e acabo usando o meu tempo quando não quero fazer nada, para realmente não fazer nada. Em casa. Sozinha.

Às vezes é bom. Outros, nem tanto assim. Gosto de ficar sozinha, mas as vezes sinto vontade de conversar com alguém e contar aos outros o meu dia. E adivinhe? Não tenho ninguém próximo para isso.

Exceto minha mãe. E minha vó. Ultimamente é a elas que recorro nesses momentos, de solidão temerária.

E é quando descubro que sou chamada de insociável também, claro.

– Bem, só um último aviso, pessoal, antes de vocês irem. – Disse Carlos enquanto chamava nossas atenções. Continuamos o olhando, esperando que ele dissesse o que quisesse, quando olhando no rosto de cada um, por longos segundos, Carlos já começou a deixar claro de que o assunto era sério.

– Os Senhores Falcões vão vir jantar aqui na terça. – Ele disse enfatizando que eram os senhores donos dos restaurantes. – Estão para abrir outra unidade aqui no Bela Vista, e acharam que antes de chamar outro chefe renomado para tomar conta da outra unidade, eles deveriam dar essa chance para um dos chefes que estão aqui, afinal, todos são excelentes e merecem, de verdade, ganhar essa honra. Infelizmente, a chance é apenas para um. Como todos vocês sabem. – Meus olhos se arregalaram com a notícia. Não conseguia deixar de pensar na notícia bombástica que estava ganhando. Não podia ser verdade! Essa era a minha chance, então? Esse era o momento que eu conseguiria, finalmente, mostrar do que era capaz? Esse era o segundo, o estalar que eu precisava?

– Então eles vão provar apenas um prato, e nada mais que isso, de cada um de vocês. Pode ser algum que vocês estejam acostumados a fazer aqui, pode ser um original. Fica a critério de vocês. O melhor prato, o escolhido, será o chefe responsável pela outra unidade. Conseguem compreender? – Assenti junto dos outros chefes, percebendo o que isso significava. Olhei para os lados.

Era bem verdade que parecíamos agora numa competição. Um olhando para o outro com cara fechada, e concentrada, compelidos a dar o seu melhor, dignos de um masterchef Brasil. Mas mais do que isso, era o nosso futuro em cheque que estava ali. Era uma chance que nunca mais existiria. E eu sabia o peso disso. Sabia o que isso significava e sabia o quanto eu precisava disso.

– Vai ser uma competição bem difícil, mas acredito que vocês vão ser capazes. Eu confio em todos vocês. Agora, vão para casa e se preparem. Na terça, exclusivamente, fecharemos o restaurante para isso. Nos vemos, pessoal. Boa sorte. – Anunciou Carlos despedindo-se de nós. Como num estalar de dedos, o grupo de chefes se desfez, retirando uniformes, guardando suas coisas, se retirando para ir embora.

E eu fiquei algum tempo parada, num delete mental, tentando compreender tudo o que tinham me dito, por que era muito para eu assimilar. Mais do que isso, era muito para se fazer em pouco tempo, já que só haveria uma segunda de testes para todas as possíveis receitas originais, das todas que eu ainda estava em fase de teste e que teria que aperfeiçoar em pouco mais de vinte e quatro horas para que conseguisse ter chance de vencer e realizar os meus sonhos.

Tão simples assim.

Que os jogos começassem, porque eu não tinha tempo agora para respirar. Eu precisava, mas não conseguiria. A minha chance tinha chegado e eu não desperdiçaria ela nem em um milhão de anos.

Le Monde Falcão. Que vocês me esperem. Por que eu não vou facilitar nem um pouco para os outros chefes que estão competindo comigo. Eu vou até o final. Essa é a minha palavra final.

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