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Capítulo 3

Tanto Kora quanto eu trabalhávamos, obviamente em duas áreas diferentes: ela trabalhava como balconista e à noite era garçonete em um restaurante supercaro na grande metrópole para onde havíamos nos mudado. Eu, por outro lado, trabalhava em um barzinho, não como garçonete, mas como contadora para colocar em prática o que meu pai havia me ensinado.

Já estávamos há um ano a viver na FILOPUDA e a nossa vida corria bem: conseguíamos dividir facilmente as despesas de casa, a Kora reservou algum dinheiro para um dia abrir um ginásio, porque se esse era o seu grande sonho, eu, por outro lado, estava a estudar Medicina há mais de um ano, mais um compromisso que tinha de assumir, e limitei-me a viver o presente, deixando os sonhos de lado.

Eram oito horas e nós dois saímos de casa para trabalhar. FILOPUDA era uma cidade grande, enorme em comparação com a cidade pequena em que crescemos. As ruas eram largas, havia trânsito todas as manhãs, havia gente andando em passo acelerado, completamente vestida, com uma hora de antecedência, na direção dos grandes prédios que dominavam a cidade. Depois havia os vendedores ambulantes que vendiam brioches em cada esquina, enchendo o ar com o cheiro fantástico de doces acabados de sair do forno. Depois, havia as babás empurrando os carrinhos das crianças que gritavam ou segurando suas mãos para acompanhá-las ao parquinho. Em suma, todos seguiram suas vidas, independentemente do que aconteceu com os outros: algo que eles amavam.

Na pequena cidade onde cresci todo mundo se conhecia, todo mundo falava de todo mundo, e ninguém fazia nada sem que todo mundo soubesse. Muitos, inclusive meus pais, gostavam disso, adoravam se chamar de uma grande família, uma definição que sempre me pareceu ofensiva, porque nenhuma família real julgava os outros como eles, nenhuma família odiava como eles os odiavam.

Felizmente Kora me tirou daquele turbilhão de pensamentos; de vez em quando acontecia que eu me afastava do mundo e me lembrava de Denville. Kora sempre percebeu, como de fato eu fiz com ela, e sempre foi o trabalho do outro nos trazer de volta à terra.

-Obrigado.- Eu disse a ela e ela sabia o quão profundamente grato eu estava com ela, raramente tive que recorrer à sua ajuda quando estava doente, estava acostumado a me virar sozinho. Sempre tive, nunca pude contar com ninguém, ela era a única com quem eu podia me abrir e falar alguma coisa, mas infelizmente ainda não podia dividir com ela meus momentos de dor, não podia.

“Porém, vi que um cara lindo entrou em contato comigo, dizendo que eu estava fabulosa na noite da festa!” Ele mudou de assunto imediatamente, eu a adorei.

Como você está?, perguntei curiosa.

-Pela foto do perfil, ele parece bronzeado com olhos verdes, muito legal!- Eu ri da descrição dele, os caras que eu namorei sempre tiveram a combinação certa de cabelos escuros e olhos rigorosamente verdes.

Percebi que havia chegado ao pub quando ela deveria ter percorrido outro quarteirão.

"Bem, cheguei ao meu destino, vejo vocês na hora do almoço!", eu disse, acenando com a mão e atravessando a rua para entrar no bar que me acolheu como uma segunda casa.

Encontrar um emprego na FILOPUDA foi uma tarefa e tanto, na verdade, ela conheceu --El Infierno-- apenas por acaso. Uma tarde, Kora e eu estávamos voltando para casa depois de um turno em um restaurante e estávamos exaustos, tinha começado a chover e não tínhamos dinheiro para chamar um táxi, então paramos em um bar no caminho.

Lembro que estávamos encharcados da cabeça aos pés, e o proprietário, um certo Garreth, nos ofereceu uma refeição quente e abrigo até que a tempestade passasse. Eu havia resistido em aceitar porque não entendia o motivo de sua gentileza, mas talvez estivesse cansado demais para resistir e sob pressão de Kora, aceitei.

Ele e os dois garçons, Isabel e Francis, foram muito gentis, contaram-nos anedotas engraçadas e a própria Kora contou-lhes sobre a situação desastrosa em que nos encontrávamos, as dificuldades para encontrar trabalho e as péssimas condições em que trabalhávamos naquele restaurante. Lembro que eles ficaram impressionados com o fato de eu estar cursando medicina e talvez por isso Garreth tenha me oferecido um emprego de garçonete com eles.

Ainda me lembro de suas palavras: -No --Inferno-- todos são bem-vindos... principalmente se forem especiais, como você...-

Eu sabia que, se não fosse por meu primo, provavelmente nunca teria conhecido pessoas assim.

-Bom dia Isabel e olá para você também Francis!- Cumprimentei os dois rapazes no balcão.

Entrei no escritório de Garreth ao lado do meu: -Ei Garreth, verifiquei todas as contas... ainda melhor que no mês passado!-

“Crédito ao seu trabalho!” Garreth era um homem na casa dos cinquenta anos, muito alto e robusto com olhos azuis tão claros que pareciam brancos. Pelo que eu sabia dele, era um ex-soldado das Forças Especiais, que havia recebido alta e abrira uma boate em sua cidade natal, FILOPUDA.

Talvez fosse por causa do antigo ofício que todos tinham pavor dele: ninguém lutava por ele, nenhum freguês maltratava as garçonetes e nenhum guarda-costas controlava as entradas.

Lembro-me de achar um pouco suspeito no começo, mas Isabel me disse que sempre foi assim, que --Inferno-- era um lugar mágico onde todos tinham que se submeter à autoridade de Garreth.

-Eu não tenho nada a ver com isso, é você e os meninos que trabalham, eu só olho os números!- respondi lembrando da conversa que estávamos tendo.

-Sente-se- apontou para a cadeira a sua frente- Nunca entendi de onde vem sua paixão por números se você estuda Medicina?-

-É uma longa história...- Ele não queria falar; Ele parecia um cara legal para mim, mas eu sabia que na maioria das vezes as aparências enganam.

-Riley, você trabalha aqui há mais de um ano e nunca disse nada sobre você, nem para mim, nem para os meninos!-

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