Capítulo 5
No dia seguinte, Nicole ajeitou as ondas que se formavam nas pontas dos cabelos, avaliou o look no espelho, ajeitou a blusa sem manga, mais solta, na cor verde, combinando com a calça social preta e seguiu para a mesa do café da manhã.
Jenny sentou-se à mesa, tomou uma aspirina e o café expresso que Lana serviu. Nicole beijou o filho na testa e estudou o rosto da amiga que levava a mão ao topo da cabeça.
― Que dia lindo! ― falou um pouco mais alto. ― Não é mesmo?
― Não precisa gritar! ― Jenny apertou os olhos.
― Dormiu bem no sofá?
― Nicky, vai ver se eu estou na esquina.
Lana se aproximou e colocou o prato com dois ovos estrelados e alguns pedaços de bacon sem dirigir a palavra a Jenny. Saiu de perto e voltou para a cozinha
― Ela ainda está zangada. ― Jenny falou baixo.
― A culpa é sua! ― Os lábios delineados pelo batom nude exibiram um belo sorriso. ― Agora você vai pensar duas vezes antes de contar alguma coisa para o Alexander! ― Nicole zombou.
― Você não sabe como aquele homem fica quando está de mau-humor.
― Acredite, eu sei!
Nicole passou geleia de cereja em uma das torradas e mordeu um pedaço. Tomou um gole do suco de manga e notou a mensagem inesperada na tela do smartphone.
― Ele não desiste ― bufou ao ler a mensagem.
― É o passarinho verde?
― Sim, é ele!
― Como o passarinho verde tem o seu número de telefone?
― O doutor Ricardo deve ter passado o meu contato.
Alex comeu o cereal que estava na tigela e bebeu o copo de leite. Olhou para mãe e notou quando Nicole franziu a testa.
― Mamãe, por que você está zangada?
― Por nada, meu anjo! ― Forçou um sorriso. ― Vai lá e arruma as suas coisas, está quase na hora de ir para escola.
O alarme despertou às oito da manhã. Nicole terminou de beber o suco, tocou no display e desligou o ringtone.
― Eu preciso ir! Está na hora.
― Espere, Nicky! Nós te damos uma carona. ― Insistiu Lana ao se aproximar com uma xícara de café.
― Então vamos, estamos atrasadas!
― Alguém já te falou que essa sua síndrome do coelho branco é chata? ― Jenny desdenhou ao fitar Nicole.
― Eu apenas sou organizada e pontual.
― Jenny, onde está a chave do carro? ― Lana tentou apressá-la.
― Agora você fala comigo. ― Os olhos puxados encaravam a companheira. ― Olha na mesa do corredor.
― Eu já olhei, não está lá. Você só não perde a cabeça porque está grudada no pescoço!
― Prefiro não comentar!
― Achei, tia Jenny! ― Alex levantou o chaveiro e, em seguida, entregou na mão da madrinha.
― Pegue a mochila.
Enquanto o afilhado correu em direção ao quarto, Jenny abriu a gaveta da mesa onde ficava o computador e retirou um envelope. Depois de pegar as bolsas e a chave, todos seguiram para o automóvel e se acomodaram.
No trajeto, Nicole ajeitava o filho e algumas vezes checava as mensagens do celular. Ao chegar na escola, ela desceu com Alex e deu um beijo na testa antes que ele passasse pelo portão.
― Você está bonita, mamãe!
― E você é mais bonito! ― Olhou nos olhos do filho e apertou-lhe a bochecha.
― Nós vamos voltar para a casa do meu pai?
― Meu anjo, depois nós conversamos sobre isso. ― Os dedos finos atravessaram os cabelos de Alex. ― Sua aula começa em cinco minutos. Agora vai, filho! Boa aula!
Impaciente com a demora, Jenny apertou a buzina mais de uma vez e apontou para o relógio prateado no pulso esquerdo. Nicole a ignorou, esperou até que o filho atravessasse o portão. Voltou para o carro, mas não entrou.
― Eu vou ficar por aqui e pegar um ônibus, preciso resolver algumas coisas antes de voltar para a minha casa.
― Pode ficar no meu apartamento o tempo que você precisar.
― Obrigada, Lana! Eu realmente agradeço, mas eu preciso voltar para minha casa.
― Você vai voltar para a mansão com o Alexander? ― Lana indagou em um tom hesitante.
― Não! Eu tenho algumas economias e vou ver se consigo um profissional que faça alguns reparos na minha casa.
― A decisão é sua! ― Jenny estendeu a mão na direção do volante. ― Estamos atrasadas, coelha branca. Até mais!
― Tchau!
Nicole tomou distância do carro e seguiu para o ponto de ônibus. Olhou para a tela do smartphone, mais uma ligação do número desconhecido, rejeitou a chamada. Precisava manter distância dele.
Eram quase nove da manhã quando Alexander saiu da suíte da suntuosa mansão em São Conrado e desceu as escadas. Em passos largos, seguiu até o escritório, abriu a porta de madeira envernizada e meneou a cabeça para Ricardo que se despedia de alguém no telefone.
― Como você está? ― Ricardo sentou na cadeira no estilo Luiz XV em capitonê.
― Passei a noite acordado, não consigo parar de pensar na Nicky e nos meus filhos.
― Ontem foi aniversário do Alex, mas eu passei horas na sala de cirurgia. ― Limpou a garganta e evitou falar do paciente que não resistiu ao procedimento cirúrgico. ― Prometi buscá-lo na escola e levá-lo ao cinema hoje.
Alexander colocou as mãos no bolso da calça de linho preta e seguiu até a janela. Vislumbrou o balanço próximo à casa da árvore.
― Se eu estivesse aqui, meu outro filho estaria vivo ― resmungou, a voz grave de Alexander. ― Vocês podiam ter me contado. Eu teria voltado para cuidar da Nicole e dos meus filhos.
― Tudo o que fizemos foi para um bem maior.
― É mesmo? ― Ele se virou em direção ao pai e estreitou o olhar. ― Quando a Sophie empurrou a minha esposa da escada, foi para um bem maior?
A sobrancelha castanha de Alexander se juntou formando um V um pouco acima do nariz enquanto ele ajeitava os óculos.
― Agora não é o momento de falarmos sobre isso.
― Vocês não tinham esse direito! Eu acreditava que vocês cuidariam da Nicole enquanto eu estivesse no exterior. Ao invés disso, me fizeram de bobo e deixaram que a Sophie machucasse a minha mulher.
― Fale baixo, Alexander! ― Ricardo engrossou a voz. ― Você quer que os empregados escutem? ― Se ajeitou na cadeira revestida por um estofado vermelho. ― Eu não imaginava que a sua avó fosse capaz... ― a voz falhou.
― Eu perdi os primeiros cinco anos do meu filho. Eu abandonei a Nicky no momento em que ela mais precisou. Eu deveria ter ficado e cuidado deles.
― E quanto à sua carreira? Você não tinha uma vida estruturada. ― Ricardo falava sem dar uma pausa. ― Você e a Nicky tomaram decisões precipitadas. Nós só queríamos o melhor para você.
― Nada disso vai trazer meu outro filho de volta.
Ricardo sentiu um nó no estômago ao lembrar do neto na UTI neonatal do hospital. Revirar o baú da memória não foi uma experiência agradável. Rodolpho nasceu alguns segundos antes de Alex, tinha cabelos arrepiados e loiros. Podia ver os pequenos olhos cor de esmeralda, quando o bebê abria os olhos.
― Ele parecia com seu avô ― confessou Ricardo.
Esticou o braço e entregou o celular para Alexander. A tela exibia a foto do bebê franzino na incubadora.
― Eu fui tão covarde! ― murmurou Alexander. ― Se eu tivesse fugido com ela, meu outro filho estaria vivo.
Não havia possibilidades de voltar no tempo, nada do que Ricardo falasse poderia redimi-lo da culpa.
Após devolver o celular, Alexander passou a mão no canto dos olhos ao levantar os óculos.
― Eu preciso ver a minha esposa!
― Alexander, dê um tempo para ela.
― Não! ― Caminhou a passos largos até a porta. ― Eu tenho que cuidar dela e dos meus filhos. ― Saiu do escritório a passos largos e bateu a porta com toda a força.
Pegou o BlackBerry e tocou no display, já não sabia quantas vezes ligou para o número que o rejeitava. O coração disparou ao ouvir a voz baixa e hostil.
― Por favor, não desligue! ― sussurrou ao telefone. ― Leu a minha mensagem? ― Olhou em volta enquanto andava pelo assoalho de madeira até a sala de estar. ― Eu preciso fazer isso! ― Atravessou os dedos pelos fios lisos jogados para trás. ― Certo, te encontro lá!
Copyright © 2.021 por Ana Paula P. Silva