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Capítulo 5

A madrugada parecia mais fria, em sua calma escuridão, Alexander virou para o outro lado da cama e recordou dos bons momentos que viveu ao lado de Sophie.

Levantou da cama na forma como veio ao mundo e foi direto para o banheiro. Abriu o chuveiro e entrou debaixo da água morna.

Os braços estavam apoiados na parede do box e a cabeça baixa, a água se misturava às lágrimas.

Colocou um terno microfibra italiano, após o banho. Fechou os dois botões do blazer que sobrepunha uma camisa social preta e em seguida calçou o sapato de couro sintético.

Os óculos não disfarçavam a dor no olhar fundo, mas ele pareceu não se importar com o reflexo no espelho. Alexander saiu do quarto e caminhou pelo amplo corredor com carpete vermelho até a escada. Em cada degrau que pisava, a mente trabalhava. O pelo do braço ouriçou ao imaginar o corpo de Nicole caindo do primeiro até o último degrau. Os músculos tensos do braço recuaram ao sentir um toque.

― Doutor Alexander! Está tudo bem?

A governanta segurou o braço torneado por músculos.

― Oi, Rosa! Eu estava distraído.

― Meus sentimentos, doutor! Se precisar de alguma coisa, estarei à disposição.

― Obrigada! O meu pai já desceu? ― Cortou a conversa.

― Ele está no escritório.

Ricardo falava ao telefone quando a porta do escritório se abriu, meneou a cabeça para Alexander e continuou ao telefone.

― Enviei os documentos por e-mail. ― Passou a mão na pele entre o ombro e o pescoço. ― Sim! Às 9 da manhã! Ótimo, eu agradeço!

Desligou o telefone e olhou para Alexander.

― Como você está, filho?

― Não muito bem, passei a noite acordado.

― Eu também não preguei os olhos.

― Nem me fale! Minha avó fará muita falta.

― Sua avó está em um bom lugar, meu filho!

Ricardo tirou alguns papéis da gaveta e colocou numa pasta de couro preta.

― Conversei com a Nicole e conheci o meu filho! Por que vocês não me avisaram sobre a gravidez e o acidente? Eu teria largado tudo e voltado para ajudar a Nicky ― disse Alexander, em tom firme.

― Agora não é o momento de falarmos sobre isso! Conversaremos depois do velório.

Alexander olhou para o enorme quadro na parede atrás de Ricardo. A foto da matriarca com belos olhos de safira parecia lhe encarar.

― O Alex costuma vir aqui?

Alexander mudou o rumo da conversa

― Às vezes! ― Ricardo deu um sorriso de lábios fechados. ― Ele adora brincar naquele balanço, mas Alex prefere subir na casa da árvore para ler. O meu neto é um aficionado por super-heróis.

Atrás da porta, Louise ouviu quando o esposo comentou sobre a criança. Entrou sem bater. Empinou o nariz afilado e sentou na poltrona.

― Que neto, Ricardo? Você está louco? A única neta que tenho está na França. ― Louise o provocou com ar de arrogância. ― Nicole é uma aproveitadora, você sabe disso!

Alexander levantou da cadeira e bateu na mesa com os punhos cerrados. Saiu do escritório apressado e fechou a porta com força. Na sala de estar, pegou um dos vasos de porcelana e jogou contra a parede sem olhar para a governanta que entrava na sala.

― Dr. Alexander. ― Rosa foi para o lado. ― A Nicole e o filho dela estão aqui.

As pupilas da criança dilataram ao ver o avô entrar na sala, o menino saiu de trás da perna da mãe e foi correndo para o colo de Ricardo.

― Vovô, estou triste hoje, minha mãe falou que a bisavó agora é um anjo no céu.

― Verdade! Agora ela está lá em cima. ― Ricardo apontou para o alto. ― Está cuidando de nós.

Alexander removeu os óculos e limpou as lentes com o lenço xadrez azul que tirou do bolso do paletó. Ajeitou a armação no rosto ao erguer os olhos.

― Nicky, podemos conversar?

― Talvez mais tarde! O Dr. Ricardo vai me dar uma carona.

― Eu vou pegar o blazer . ― Ricardo abraçou forte o neto e o colocou no chão. ― Já volto!

― O Alex pode te acompanhar? ― indagou a voz serena de Nicole

― Claro! ― Ricardo segurou a mão do neto. ― Vamos!

Nicole jogou os cabelos castanhos para trás, acomodou-se no enorme sofá curvo e se remexeu no estofado forrado por um tecido branco. Ficar naquele ambiente causava arrepios.

― Meus sentimentos, Alexander! Você deve estar arrasado.

― Não é fácil! ― Ele baixou o olhar. ― Como você está?

― Tentando! ― Entrelaçou os dedos das mãos.

― Não consegui descansar essa noite, Nicky!

Alexander fechou os olhos e passou os dedos na testa.

― As omissões ainda me incomodam e muito. Eu não quero discutir sobre o passado, só quero conhecer melhor o meu filho.

O olhar de Alexander passeou pelo rosto com bolsas em volta dos olhos amendoados, apesar da pele jovem e os traços dignos de uma bela miscigenação, o rosto dela estava abatido. Ele notou uma pequena cicatriz esbranquiçada ao lado da testa quando Nicole colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha com o dedo mindinho. Resistiu ao impulso de abraçá-la.

― Nicky, ele sabe quem eu sou?

― Não! ― Nicole ajeitou-se no sofá e puxou o vestido preto na altura do joelho ―, ou melhor, sim! Ele viu algumas fotos antigas. Você mudou muito!

Uma infinidade de sensações cruzou-lhe o rosto ao reparar no muro de músculos sentado ao seu lado. Ele estava bem diferente da última vez que estiveram juntos, há mais de cinco anos. Nicole virou o rosto para o lado ao ouvir os ruídos dos passos do filho.

― Ele mora aqui, mãe?

Alex olhou para o homem alto e sentou ao lado de Nicole.

― Sim, meu anjo! ― Ela fitou o olhar curioso do filho com uma fisionomia cuidadosa. ― Vem, docinho! Vamos esperar no carro.

― Espera, Nicky!

Alexander retirou o blazer e abriu a abotoadura no pulso direito. Dobrou a manga e exibiu a tatuagem do Homem-Morcego que cobria parte dos músculos do tríceps.

― Que legal! ― A criança se afastou da mãe e correu ao ver o desenho na pele de Alexander. ― Posso tocar?

― Claro!

― Isso sai com água? ― Alex passou o dedo sobre a tatuagem.

― Não! ― O sorriso se alargou ao ver a inocência do menino.

― Você também é médico como meu vovô e minha bisavó?

― Sim, eu sou!

Alexander se limitava a dar respostas curtas à criança curiosa, não sabia como o menino reagiria à recente descoberta.

― Meu pai também é médico, mas ele trabalha muito longe daqui. Tenho o nome igual ao dele, ― falou sem dar pausa ― Alexander Bittencourt Júnior.

O rosto do jovem cirurgião queimou ao encará-la.

Apesar dos acontecimentos nos últimos anos, ela se esforçou para manter a esperança no coração do filho.

― E por que te deram o nome do seu pai?

― Minha mãe estava dormindo quando nasci e minha bisavó me deu o nome do meu pai. ― A voz infantil e cheia de ternura continuou ― Todos me chamam de Alex, minha mãe não gosta que me chamem de Júnior ― cochichou.

― Gostei do seu apelido!

― Obrigado!

O sorriso tímido da criança parecia dissolver o receio de falar a verdade. Era um belo sorriso mágico e acolhedor.

― Você conhece o meu pai?

Nicole olhou em volta, não tinha escapatória. Levantou do sofá e ajeitou o vestido ao encarar a expressão suave no rosto de Alexander. Negou com a cabeça na esperança que ele não contasse nada.

― Alex, eu sou seu pai!

Os olhos do menino se moveram de Alexander para Nicole, estava confuso. A imagem que ele tinha do pai era bem diferente. Todas as fotos do álbum de Nicole eram antigas e diferiam daquele homem com o porte físico ameaçador.

― Você é meu pai?!

― Sim! ― Pegou Alex no colo.

― Você é forte! ― Coçou o alto da cabeça. ― Eu também quero ficar forte quando crescer.

― É só você comer bem! ― Alexander explicou.

― Você vai trabalhar longe de novo? ― Os braços pequenos envolveram o pescoço de Alexander. ― Se você for, podemos ir com você?

― Alex! ― Nicole ergueu a sobrancelha.

― Quero passar algum tempo com você.

Alexander afagou os cabelos castanhos do filho.

― Vamos ao parque, jogar videogame, futebol…

― Pode me buscar na escola? ― A voz infantil o interrompeu.

― Vou sim!

― Mamãe, meus amigos vão conhecer o meu pai.

Os dentinhos de leite exibiam a animação no rosto do menino, Alex sempre sonhou com o dia em que conheceria o pai.

Na Capela, a despedida foi inexplicável. Sophie era uma pessoa benquista pela família e pelos amigos. Uma singela prece encerrou as homenagens e aos poucos as pessoas se dispersaram.

Logo após confortar os amigos, Jenny os convidou para almoçar em sua casa; contudo, Nicole resistiu ao convite.

― Por favor, Nicole, só hoje! ― Alexander insistiu. ― Me deixe passar algum tempo com meu filho.

― Vamos, então! O Alex não desgruda de você.

O automóvel vermelho se aproximou, Ricardo parou ao lado dele no estacionamento.

― Alexander, a leitura do testamento será às 9 da manhã. Os advogados de sua avó solicitaram a presença de Nicole.

― Certo!

Louise se inclinou e gesticulou com as mãos para o esposo, esperava que Ricardo interviesse na aproximação dos dois. Nicole era como uma ameaça a todos os seus planos.

― Ficará o dia todo com esse menino no colo? ― Louise levantou o queixo.

Alexander estreitou os olhos ao encarar Louise, não deu nenhuma satisfação à mãe. Daquele dia em diante, prometeu a si mesmo que nada e nem ninguém entraria em seu caminho.

Jenny apertou a buzina duas vezes. Alexander se despediu e seguiu ao encontro das amigas que o aguardavam.

Copyright © 2.021 por Ana Paula P. Silva

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