Capítulo 4
Rio de Janeiro, Brasil.
Onze de janeiro de 2015.
A luz do sol invadiu o quarto nas primeiras horas do dia. Às sete da manhã, Nicole esticou o braço e desligou o alarme do relógio digital. Sentou na cama e olhou para a parede em tons pastéis que se juntavam ao rosa numa versão bem clara.
Alex levantou-se um pouco mais cedo e arrumou o material na mochila para o primeiro dia de aula na escola. Organizou o quarto, vestiu a blusa do uniforme e pegou uma das revistas da coleção.
― Meu filho, o café da manhã está pronto! ― Nicole apareceu na porta.
― Já vou, mãe!
A cozinha tinha uma mesa com tampo de mármore e 4 cadeiras. Embora não houvesse muito espaço, tudo era limpo e organizado. Nicole secou e guardou a louça. Olhou para o relógio na parede da cozinha e então correu para pegar a bolsa que estava em cima do sofá.
― Vamos, estamos atrasados!
Alex foi até o quarto, colocou a mochila nas costas e voltou. Nicole pegou o molho de chaves e atravessou a porta quando o telefone tocou.
― Alô!
― Oi, Nicole! Aqui é o Ricardo.
― Bom dia! Posso ligar mais tarde? Alex e eu estamos atrasados.
― O estado de saúde da minha mãe piorou. ― A voz embargou. ― O oncologista deu menos de vinte e quatro horas, ela insiste em ver o Alex. Mandei o meu motorista buscar vocês.
― Estamos aguardando! ― Tinha lágrimas nos olhos castanhos.
― Por que está triste mamãe? ― Alex a abraçou.
― Não é nada, filho. Vamos esperar um pouco!
― Estamos atrasados!
― Não tem problema! Vamos visitar a Sophie, ela quer te ver.
Em frente ao portão um carro preto de luxo buzinou duas vezes. Nicole segurou a mão do filho e trancou a porta. Passou pelo pequeno portão branco descascado e foi ao encontro do motorista que segurava a porta do veículo preto.
Na sala de espera do hospital São Miguel, Louise andava de um lado a outro, estava aflita, pois a sogra não quis recebê-la.
― Acalme-se, Louise!
― Não fale comigo! ― Ergueu as mãos. ― Sophie está há mais de uma hora com o nosso filho.
― Minha mãe só quer se despedir do único neto.
― Como você é ingênuo, Ricardo! ― Espremeu os olhos ao fitar o esposo. ― Eu vou tomar um café, cansei de esperar.
Louise encaminhou-se até o quarto no fim do corredor. Vislumbrou duas enfermeiras paradas à porta e um enorme segurança de terno preto do outro lado. Uma das enfermeiras entrou na frente no instante em que notou a aproximação de Louise.
― Posso ajudar, senhora?
― Quero ver a minha sogra.
― A Dra. Sophie está com o neto e pediu para não ser incomodada. A senhora pode aguardar na sala de espera.
― Quem você pensa que é?
― Peço que aguarde, por favor! ― pediu o segurança, com uma voz imponente. ― Em breve a doutora Bittencourt vai recebê-la.
As enfermeiras sorriram quando Louise fez um muxoxo e saiu apressada. A equipe recebeu ordens para proibir a entrada de qualquer pessoa da família, com exceção de Nicole e Alex.
Nicole ajeitou a manga do vestido de malha com estampa de flores na altura do joelho assim que a porta do elevador abriu. Segurou a mão do filho e seguiu apressada pelo piso vinílico branco até o quarto onde Sophie estava internada. Desejou bom-dia para as enfermeiras e parou à porta como uma estátua, os batimentos estavam acelerados.
― Não quero atrapalhar! Não sabia que ela estava com visitas. ― Os ombros se contraíram. ― Vem filho!
Ela entrou no quarto e pegou Alex no colo.
― Daqui a pouco voltamos para ver a Sophie.
― Nicky, por favor, entre! ― A voz grave de Alexander foi firme. ― Você cuidou da minha avó enquanto eu estava fora, eu quero que você fique! ― Levantou-se da poltrona e ajeitou os óculos.
Nicole colocou a criança no chão e pediu ao filho que não fizesse barulho para não acordar Sophie. Elevou o olhar e se impressionou com a postura do homem à sua frente.
― Oi! Alexander, estou surpresa em te ver por aqui!
Ela foi o mais natural possível diante daquele muro de músculos e deu um passo involuntário para trás quando ele esticou o braço.
― Estou tão surpreso quanto você!
Segurou a mão delicada de Nicole e cumprimentou-a com um aperto de mão, diminuiu a força para não a machucar.
― Sente-se, por favor!
Ambos mantiveram uma conversa amigável, Alexander contou-lhe sobre os pontos turísticos que ele visitou no tempo em que residiu na França. Comentou sobre os passeios nos museus que visitou e as obras de artes em exposição no museu do Louvre, em Paris.
― Aproveitei para conhecer uma famosa livraria de Paris ― falava sobre a livraria Shakespeare and Company. ― Foi você que indicou. Lembra?
Nicole assentiu com a cabeça e abaixou o olhar. Lembrou-se do roteiro da viagem que planejaram logo após o casamento. Lamentou consigo mesma por não fazer parte dos planos de vida de Alexander.
O silêncio se estendeu entre eles, Alexander pensava com cautela no que contaria sobre os anos que morou na França.
Um detalhe chamou-lhe a atenção, ele franziu a testa enquanto examinava a forma como o menino tocava na armação dos óculos com design infantil.
― Eu também gosto do Homem-Morcego. ― Alexander reparou na capa da revista que a criança lia. Os olhos claros chamaram a atenção. ― Pelo visto você também gosta.
― Adoro! ― Alex tirou os óculos e coçou a vista. ― É meu herói favorito.
― Quantos anos você tem?
― Eu vou fazer cinco. ― Levantou a palma da mão e em seguida olhou para a mãe. ― Com licença, eu quero beber água!
― Além de ser inteligente, é educado! Seu filho é muito esperto, Nicky! ― Mostrou um sorriso aberto.
― Por que a bisa está tão quieta? ― indagou, Alex curioso.
― Ela está descansando um pouco. ― Nicole respondeu cautelosa quando percebeu o olhar de Alexander. ― Judith, você pode levar o Alex para tomar sorvete, por favor? ― Mirou a enfermeira.
― Claro!
Alexander sentou, apoiou o cotovelo no braço da poltrona e olhou para a mão esquerda de Nicole enquanto a enfermeira se retirava do quarto com a criança.
― Nicky, seu esposo não reclama quando você sai sem a aliança? ― Coçou o rosto com a barba por fazer. ― Fiquei sabendo que você estava casada. Seu esposo trabalha aqui no hospital?
Os lábios se moveram, mas a voz se recusou a sair. Desde que despertou do coma e recebeu alta do hospital, ela fez de tudo para reencontrar Alexander. Na última vez que tentou escapar com o filho para França, a família Bittencourt ameaçou tirar a guarda da criança caso ela insistisse na busca. O amor que ela sentia por Alex era bem maior do que qualquer outra coisa no mundo.
― Até onde eu soube, você arrumou um amante logo depois que eu viajei. ― Alexander engrossou a voz.
As palavras emergiram do abismo do coração, a mágoa era como um veneno que o destruía gradualmente.
― Sempre que eu ligava, o seu telefone estava desligado. O pior dia foi quando Marcello me contou que te viu com outro homem.
Ele a confrontou com uma expressão sisuda.
― Você me esqueceu rápido!
O olhar sem brilho demonstrava o que ele ainda sentia, era como mexer em uma ferida que nunca cicatrizou.
― Perdi meu celular.
― Se não queria mais, era só falar. ― Alexander ficou em pé e se empertigou. ― Só me responda uma coisa, esse menino é meu filho?
Alexander chegou mais perto e se inclinou na direção dela.
― Depois que você viajou, fiz o exame e descobri que eu estava com oito semanas de gestação.
― Por que você nunca atendeu as minhas ligações?
― Eu já disse, meu celular sumiu. ― Nicole olhou na direção da cama onde Sophie repousava. ― Perdi o seu contato.
― Isso não é desculpa ― replicou em tom áspero. ― Tinha outros meios de me contatar.
Alexander levou as mãos à cintura e caminhou até a avó que estava sedada. Mente e corpo estavam exaustos, uma miríade de emoções o deixava confuso. Por alguns minutos ficou calado, tinha receio de falar além do que deveria.
― Quando eu retornar, nós conversamos ― fitou Nicole.
Deu alguns passos até o canto do quarto, mas não encontrou os olhos amendoados.
Levantou-lhe o queixo com delicadeza quando se aproximou. Os lábios carnudos encostaram contra a pele lisa da testa e então, ele se afastou. Alexander encaminhou-se até a porta e saiu sem rumo pelos corredores da unidade de terapia intensiva.
Os pensamentos confusos misturavam dúvidas e decepção. Vagou pelos corredores e entrou no elevador, saiu no quarto andar. Sentou-se em uma das poltronas e assistiu a felicidade de um pai que recebeu a abençoada notícia.
― Parabéns! Seu filho nasceu com 3,700 kg e 51 cm. ― A obstetra com traços orientais removeu a touca verde. ― O senhor já pode ver sua esposa e seu filho.
― Obrigado, doutora Kim!
Jenny cumprimentou o marido da paciente com um aperto de mão e avistou o velho amigo sentado no canto, enquanto fitava os óculos na mão direita. A médica se despediu e foi até Alexander.
― Não acredito! Man, você está por aqui!
― Oi, Jenny!
― Você não está nada bem.
― É tão óbvio assim?
― Sua cara está péssima!
― Podemos tomar um café?
― Claro!
Na cafeteria do hospital, Jenny colocou adoçante no café expresso, bebeu um gole do líquido quente e reparou que algumas mulheres olharam para Alexander.
― Está fazendo sucesso!
― Essas moças pensam que somos um casal?
― Nem aqui e nem na Coréia do Norte. ― Bateu na mesa três vezes. ― Isola! Elas sabem que homens não são a minha praia. Estou namorando a enfermeira Lana Salvatori.
― Sério? Nunca passou pela minha cabeça que você fosse…
― Lésbica? ― Jenny completou. ― Eu sou!
― Não entendo! Marcello sempre dizia que você gostava de mim e que por isso contou aos meus pais que eu me casei com a Nicky.
― Não falei nada! Nunca tive interesse por homens.
― E quanto ao meu filho, por que você não me contou?
― Sua família me proibiu de falar qualquer coisa sobre isso. Nicky e eu assinamos um acordo depois que encontrei o seu endereço na França. Eu era apenas uma residente, tive medo da influência da sua avó. ― Jenny tomou um gole de café e elevou o queixo. ― Marcello também sabia. Ele foi o último a ver a Nicky antes do acidente.
― Que acidente? Ele nunca comentou sobre isso. Só me disse que viu a Nicky com outro homem.
― Nicky estava com 32 semanas de gestação quando deu entrada na emergência do hospital. Segundo a sua mãe, ela foi encontrada em volta de uma poça de sangue perto da escada.
― Ela caiu?
― Quando ela despertou do coma induzido, comentou que sentiu um impulso antes de cair. A única coisa que ela lembrou foi de um vulto no alto da escada antes do apagão.
Os músculos do maxilar enrijeceram ao ouvir o breve relato. Os punhos se fecharam em cima da mesa, os olhos claros de Alexander estavam fixos em Jenny.
― Logo após cirurgia para conter o coágulo causado pelo trauma, nós fizemos uma cesariana de emergência. Nicky teve uma grave hemorragia devido ao deslocamento da placenta, tínhamos que salvar os bebês.
― Eram dois? ― Arqueou as sobrancelhas castanhas.
― Sim, meu afilhado lutou bravamente pela vida! Infelizmente o seu outro filho não resistiu. ― A voz falhou. ― Ela conheceu o Alex depois que acordou do coma.
Alexander juntou as mãos e encostou na altura da testa. Abaixou a cabeça, o nó na garganta aumentou. Imaginou a cena do corpo inerte de Nicole no chão, a perda de um dos filhos e a luta pela vida.
― Alexander! Você está ouvindo? ― Jenny tocou o braço apoiado sobre a mesa.
― Oi! ― Ele voltou a si.
― Escuta!
“Doutor Alexander Bittencourt, compareça à UTI oncológica”
Ele levantou às pressas, saiu da cafeteria e pegou o elevador direto para o andar onde sua avó repousava. No corredor, próximo ao quarto, encontrou Ricardo chorando.
― O que houve, pai?
― A sua avó faleceu! ― Ricardo abraçou o filho.
Copyright © 2.021 por Ana Paula P. Silva