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3

O PASSADO ME ATORMENTA.

(…)

— Val, onde você está menina? — Escuto minha mãe me chamar e imediatamente corro para as escadas, antes que ela se aborreça e me bata. Mariana bebeu a noite toda e quando voltou para casa, já era madrugada e como sempre, estava acompanhada de um "amigo".

Desde que o meu pai morreu, há cinco anos e meio, ela tem vivido de farras e sempre volta com uma companhia diferente. Desde os meus treze anos, tenho que aguentar suas bebedeiras e a violência contra mim.

Toda essa raiva é por que Mariana me culpa pela morte do meu pai.

— Valquíria, onde você se meteu? Se não aparecer aqui agora, já sabe o que vai receber! — grita.

Abro a porta do porão e a vejo em pé na sala. Seus olhos avermelhados indicam que se drogou. Respiro fundo, porque sei que não será nada fácil li dar conta da sua bebedeira es efeitos da drogada ao mesmo tempo.

— Estou aqui mamãe. — Forço-me a responder e apareço em seu campo de visão.

Ela me olha irritada e anda em minha direção com passos vacilantes e quando se aproxima, segura firme os meus cabelos, puxando-os com força.

— Onde está o meu café da manhã, sua vadiazinha de merda? — pergunta bem próximo do meu rosto. O cheiro forte da bebida me sufoca no mesmo instante. Meus olhos queimam com as lágrimas querendo se formar devido à dor em minha cabeça. — Estou com fome, vá fazer a minha comida agora!

Mariana me empurra com força, e caio no chão, o impacto me faz bater a cabeça no pé da mesa de centro. Um homem entra na sala segundos depois. Inevitavelmente observo a sua barba espeça, os cabelos compridos e cacheados. Ele é alto e tem uma barriga protuberante. Seus olhos azuis também estão vermelhos como os da minha mãe.

Atordoada, forço a levantar-me do chão e sigo apressada para cozinha.

— Sua filha é uma delícia Mariana! — Escuto-o dizer e sinto um arrepio na minha espinha dorsal.

(…)

— Val? Val, acorda! — Sobressalto ao escutar a voz da Sil me chamando e respirando com dificuldade, me sento na cama. No mesmo instante sinto os seus braços me envolver e uma mão desliza suavemente pelas minhas costas.

Sil é minha amiga de quarto faz um bom tem. Dividimos um pequeno apartamento de um quarto, bem próximo ao centro do Rio de Janeiro. Quando cheguei aqui no Rio, a família de Sil me ajudou bastante. Eles pagaram alguns cursos e supletivos para eu terminar meus estudos, para que eu não precisasse da minha mãe para nada.

— Acordei você outra vez? — indago assim que me sinto mais calma. — Eu gritei muito?

— Não. Na verdade, eu estava indo beber água quando percebi que você estava tendo mais um pesadelo. Solto um suspiro.

— Obrigada, Sil! — digo e engulo em seco. — Que horas são? Ela olha o relógio em seu pulso.

— Falta uma hora e meia para seu horário de trabalho. — Merda! Xingo mentalmente, sentindo-me frustrada.

— Nesse caso, vou tomar um banho e preparar algo para comermos. Está de folga hoje?

— Estou. Acho que vou aproveitar para fazer umas compras de roupas para mim, estou precisando. Quer que eu traga algo pra você? — Forço um sorriso para a minha amiga.

— Não, obrigada!

Vou até uma cômoda, no canto do quarto e tiro o meu uniforme e o arrumo com cuidado em cima da minha cama e em seguida, entro no banheiro. Tomo um banho rápido e me arrumo sem muita pressa. Em meia hora irei para empresa de exportação Village. Sou assistente do senhor Alberto Village. Um emprego maravilho que o pai de Sil conseguiu para mim. Eu tinha dezoito anos quando comecei a trabalhar na empresa e já tem quatro anos que trabalho para o grupo Village. Alberto é um ótimo patrão! Ele me ensinou tudo o que sei sobre exportação e contratos. E não posso negar que é um homem muito bonito, além de sério e focado em seu trabalho. Admiro a sua dedicação e tudo que faz com muita excelência.

Apesar de o seu trabalho ser algo muito sério, ele ainda exigir muito si, mas sem se desfazer do seu humor extraordinário. E se tem algo me deixa fascinada é o fato de Alberto Village trata bem os seus funcionários. Deu para perceber que sou sua fã número um, não é?

Como ainda é muito cedo, abro o meu notebook e a minha caixa de e-mails em seguida, encontrando inúmeras mensagens de clientes da empresa, da tia Júlia, a mãe da Sil e uma do meu chefe. Curiosa, clico para abrir sua mensagem.

Alberto Village, CEO da Village Exportation Ltda.

Bom dia Val!

Estou saindo de viagem para França,

e não tenho dia para voltar.

Meu irmão, Alexander assumirá o meu lugar.

Por favor, ajude-o no que precisar.

Respiro fundo. Alex é um bom rapaz, mas estou me perguntando como ele dará cabo daquilo tudo? A final a Village é um monstro da exportação e para domá-lo exige esforço e tempo. Espero saber lidar com ele. Penso. Saio do meu quarto e encontro Sil na cozinha.

— Já está de pé? — pergunto. Ela dá de ombros e me abre um meio sorriso.

— Perdi o sono, então preparei alguns sanduíches naturais e suco de laranja para nós duas. — Sorrio abraçando apertado a minha amiga.

— Obrigada, Sil! Se eu tivesse uma irmã, gostaria que fosse igual a você! — falo assim que me afasto. Seu sorriso se amplia e ela vem para mais perto, para outro abraço carinhoso.

— Faz tempo que não tem pesadelos como o de hoje. O que houve? — questiona preocupada. Dou de ombros.

— Não sei. Ontem no centro, vi uma mulher muito parecida com a Mariana. Talvez tenha desencadeado algo em mim.

— É, talvez. Amanhã é o aniversário de Alisson, quer ir comigo?

— Acho que não, Sil. — Ela revira os olhos.

— Val, você precisa sair um pouco. Como vai arrumar um namorado trancada nesse apartamento? _ Solto o ar de modo audível.

— Não sei se quero arrumar um namorado agora.

— Vamos, você pode dançar um pouco, beber algo, se distrair. — Ela insiste.

— Prometo que pensarei no seu convite.

— Você sempre diz isso e nunca vai — resmunga. Termino o meu café da manhã e me levanto da cadeira, levando o prato e o copo para pia.

— Se já sabe, não sei porque insiste — ralho.

— Por minha meta é fazê-la se divertir e encontrar alguém para chamar de seu. — Minha amiga cantarola e eu solto uma lufada de ar. Termino de lavar a louça e ponho para escorrer.

— Já parou para pensar que pode não ser isso que quero no momento?

— Claro que você quer! Toda garota quer isso para a sua vida, Val.

Quando conheci a Sil, havia acabado de fazer dezoito anos. Eu fugi de casa e estava nervosa, com fome, suja e perdida, sem saber para aonde ir e nem o que fazer.

Sil apareceu no lugar certo e na hora certa. Tia Júlia e tio Paulo faziam projetos sociais para ajudar crianças carentes que viviam nas ruas e aos poucos, foram se aproximando de mim e me ajudaram. Sua primeira atitude, foi me incentivar a terminar os meus estudos, a fazer alguns cursos e o resto vocês já sabem…

— Estou saindo — aviso, enquanto seco as minhas mãos.

— Você ainda tem uma hora. Não é muito cedo?

— Doutor Alberto Village vai se ausentar da empresa por tempo indeterminado e seu irmão mais novo ficará no seu lugar. Tenho que ir mais cedo para ajudá-lo no que precisar — explico, enquanto pego as minhas coisas e as ponho na bolsa.

— Aquele Alberto Village é um gato! Lindo não, é a molesta! Imagino como seria o irmão daquela perdição. — Ela comenta sonhadora, abrindo um par de olhos pidões, me fazendo rir e menear a cabeça negativamente. — O quê? Vai me dizer que você nunca olhou para o seu chefe como eu olhei?

— Ele é um homem muito bonito mesmo, seria cega se não reparasse — retruco.

— Bonito? Bonito? — Sil ralha exasperada. — Ah! Val, por favor! O homem é um tesão de lindo!

— É você quem está dizendo! — retruco, levando a minha bolsa ao ombro e sigo para a saída.

— Sério, Val, você é lésbica? — indaga com sarcasmo e com humor, lhe mostro o meu dedo do meio.

— Não me espere para almoçar. Não sei como será o meu dia hoje no escritório — aviso e fecho a porta atrás de mim.

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