Uma proposta
Sophia POV
Acordei sentindo meu corpo latejar um pouco, uma dor incômoda, mas não insuportável. Olhei ao redor vendo que estava em um dos quartos de descanso, a luz estava apagada, mas ainda assim conseguia enxergar alguma coisa pela luz que passava pela cortina da janela e pela luz debaixo da porta.
Minha bolsa estava ali do lado, em cima da mesinha de cabeceira, abri e peguei meu celular. Já eram 17h, eu havia dormido por 14h, quase um recorde, mas somando o cansaço dos turnos e tudo o que havia acontecido, talvez tenha dormido pouco. Vi a notificação de Mirian pedindo para que eu fosse ver ela quando acordasse. Levantei e me espreguicei, peguei minha bolsa, fui até o banheiro, lavei o rosto e escovei os dentes, penteei meus cabelos e finalmente vi meu rosto como eu sou, arrumada e descansada. Sorri de canto.
“Vai ficar tudo bem…”
Falei para mim mesma, tomei meu remédio e passei desodorante e finalmente sai do quarto. Sei que preciso tomar um banho, mas isso era o suficiente por enquanto, até chegar em casa. Cumprimentei as pessoas enquanto passava e logo estava no andar do escritório de Mirian. Não peguei um tablet para ver as informações de meus pacientes, não precisava disso agora.
Levei a mão a boca e bocejei enquanto saia do elevador e caminhava em direção ao escritório, acenei para alguns dos médicos que estavam ali e logo me vi parada em frente a porta de Miriam, dei três batidas.
“Entre.”
Ao entrar, a primeira coisa que percebi era a presença de Hiperion, sentada a frente da mesa de Miriam, os dois pareciam que estavam conversando sobre algo sério. Inclinei a cabeça para o lado esquerdo.
“Sente-se que vou explicar a situação.”
Miriam apontou a cadeira ao lado da de Hiperion, ela conhecia esse movimento meu, sempre quando eu queria analisar alguma coisa, entender algo, eu fazia isso, inclinar minha cabeça. Fechei a porta atrás de mim e me sentei no lugar indicado.
“É bom ver que já está recuperada.”
Miriam começou querendo interagir comigo e ver se conseguia aliviar a tensão dentro do escritório, mas eu não respondi. Aquela visita não era entre duas amigas e sim outra coisa.
“Hum… Hoje de manhã o senhor Perseu Houroux acordou, está fora de perigo, em duas horas será transferido para o hospital particular da família.” Miriam e Hiperion trocaram olhares.
“Sei que esses últimos dias estão sendo pesados para você, senhorita Sophia. Sinto muito que isso seja por causa da minha família, mas gostaria de pedir que você fique responsável pela transferência. Sei que é pedir muito, mas eu realmente gostaria que você fosse com a equipe médica e cuidasse de tudo, tanto aqui quanto no hospital familiar.”
A voz de Hipérion era profunda, talvez Miriam não percebesse o que eu percebia, mas havia um sobre tom nela, de uma urgência, de um pedido quase desesperado para que eu aceitasse o pedido.
‘Por quê? Por quê eu?’
Perguntei-me em minha mente e levei a mão à minha cintura, um gesto de auto proteção. Não podia voltar a esse mundo, não podia me envolver com essas pessoas. Essa é minha parte racional me falando para me proteger, para negar, para correr o mais longe possível, enquanto meu lado irracional grita para eu aceitar, porque assim eu ficaria mais perto de Aquiles e até mesmo de Perseu.
“É apenas por alguns dias, até que meu filho esteja totalmente recuperado.”
Hiperion completou, provavelmente percebendo que eu estava em conflito.
Essas palavras não me traziam conforto, ao contrário, me mostrava mais que eles queriam que eu fosse com eles. Eu estava sendo paranoica? Não podia ser só minha imaginação, eles haviam pedido exclusivamente por mim, até mesmo colocaram um guarda costas para me seguir, um deles estava lá quando eu tive minha crise.
Desde que chegaram praticamente me engolfaram, minhas ações e até mesmo meus pensamentos estavam voltados para eles. Imaginar me afastar fazia meu estômago revirar, uma pontada de dor se espalhar com meu coração no centro.
“Eu…”
Levantei e balancei a cabeça levemente, dei as costas a eles, saindo do escritório. Escutei Miriam me chamando, mas eu preciso pensar, preciso de espaço e ficar aqui não me ajudaria em nada, sequer esperei pelo elevador e entrei pela saida de emergência que dava acesso as escadas. Olhei para cima e lembrei do meu lugar e comecei a subir as escadas.
‘Não, não… Não posso ir com eles… É loucura, meus amigos, minha casa, minha vida está aqui…’
‘Mas eu estou sendo paranoica… Eles não são ele. Nada vai acontecer…’
‘E se acontecer? Não vou ter ninguém para me ajudar…’
‘Claire iria comigo, se eu pedisse… Não… Não… seria mais alguém para usarem contra mim.’
‘Por quê eles me machucariam? Não sei! Por que ele me machucou?’
‘Ele não era bom, ele é um psicopata!’
‘Não no começo… Como eu vou saber que não é a mesma coisa?’
‘Não vai, por isso que o Marcos fala para dar um salto de fé.’
‘Fé! Hahahah, claro, vou ter fé em pessoas que podem me machucar e sair ilesas.’
‘O mundo não é cheio de monstros… Eu sei disso… eu sei… mas eu não quero, não vou aguentar se acontecer de novo.’
‘Como vou saber se vai acontecer ou não? Não tenho bola de cristal… Aqui eu estou segura, aqui eu tenho meus amigos, tenho minha casa, minha vida.’
Não demorou muito para chegar onde eu queria, era um dos andares de serviços, três passos da porta de emergência tinha uma porta de metal que dava acesso a parte da tubulação e também dos ventiladores, comecei a andar para o canto que era o meu canto, o barulho das máquinas não me incomodava, ao contrário, ajudava a abafar meus pensamentos. Sei que quando entro em uma espiral assim é difícil de sair.Parei apenas quando cheguei em uma grade metálica no chão e fiquei no centro, apenas esperando, respirei fundo varias vezes até sentir a lufada de ar vindo de baixo.
O mundo parou por alguns segundos enquanto sentia o ar passar por mim, sem me machucar, mas forte o suficiente para levantar meus cabelos, parte do meu jaleco e a sensação de que poderia voar a qualquer momento e parte daquele peso que sentia a pouco tempo atras desapareceu. Sai do centro da grade e me encostei na parede, passando as mãos pelos cabelos, me arrumando.
‘Será que vale a pena deixar de viver pelo que aconteceu há vários anos? Vale a pena deixar que ele me afete por tanto tempo? Pesar meus atos por medo da possibilidade de encontrá-lo?’
‘E se acontecer? O que vai mudar? Será mesmo que eles não vão poder me proteger?’
‘Eu sei que eles vieram parar aqui por causa de um atentado, mas ninguém morreu, pelo menos não deles. Mas eu não faço parte da família deles, mas vou ser contratada por eles.’
‘Mas por quê? Por quê eles me querem? Sem essa resposta eu não vou aceitar.’
Agora eu sei o que fazer, consigo visualizar minhas opções e as ramificações das respostas que podem vir. Peguei o celular e mandei uma mensagem para Miriam.
[Hey, então eu preciso conversar com Hiperion, preciso de algumas respostas antes de decidir.] Eu
Esperei a resposta que estava demorando mais do que imaginei.
[Ele está no escritório dele, falou para você ir lá que ele vai estar esperando.] Mi
[Não, informa ele que vou esperar ele no meu escritório, chego lá em 10 minutos.] Eu
[Tudo bem, você também não deixa as coisas fáceis hein.] Mi
[Também te amo, Mi] Eu
[Sei, sei…] Mi
O bom do andar em que estava era porque estava apenas um andar abaixo do meu, em que ficava o meu escritório. Não demorou muito e já estava a frente da porta do meu escritório e talvez fosse a última vez que estaria ali. Algo me dizia que se eu aceitasse o serviço eu não voltaria tão cedo para o Hospital Gillians, mas ao contrário do que muitas fariam que seria ficar atrás da mesa de vidro, apenas sentei no sofá que tinha no canto esquerdo, peguei o celular e fiquei olhando as postagens do Instagram.
“Pode entrar.”
Falei quando senti a presença de Hiperion na frente da porta, guardei o celular e apontei para o outro sofá. Ele não perdeu tempo e fechou a porta e se sentou no lugar indicado.
“Por que? Não venha me dizer que é porque eu sou boa, ou qualquer coisa do género… Eu sei que tem mais água por debaixo dessa ponte.” Perguntei sem enrolação.
“Sim tem, a princípio sim foi porque você é a chefe da enfermagem do hospital número um dos Estados Unidos, tendo apenas 26 anos. Então, não importava o quanto as outras pessoas se encolhiam por estarem perto da gente, você parece simplesmente imune.”
Hiperion então se levantou, não para me intimidar, mas como se ficar sentado não seria o suficiente para ajudar ele a expressar o que queria dizer, o vi andar de uma lado para o outro algumas vezes.
“Olha, eu já conheci muitas pessoas, já vi muita coisa e consigo perceber certas coisas que para muitos é imperceptível.”
Arqueei a sobrancelha esquerda quando ele se aproximou e se ajoelhou, pegando minha mão, podia sentir uma onda de poder passando pelas mãos dele para o meu corpo, era estranho, mas não era intimidador, apenas diferente.
“Para alguém ter sua resolução, ter essa barreira em volta de si, conseguir olhar dentro dos olhos de outros e ver a alma do outro, entre outra coisa… Eu só vi isso em pouquíssimos seres, alguns nasceram naturalmente e outros foram criados.”
Respirei fundo e tentei puxar a minha mão da dele, mas ele segurou com mais força.
“Não, não precisa ter medo… Eu sou velho, Senhorita Turner, muito mais do que aparento, então eu já vi muita coisa e já passei por muitas outras. Não sei os detalhes específicos e cabe a você apenas querer contar ou não, mas sei o que você passou, mas isto é o que te trouxe até aqui, sua vontade de seguir em frente e de viver, mas não deixe o passado te cegar para o que o futuro possa trazer.”
Hiperion então soltou minha mão.
“Esse é um dos motivos que quero que você aceite minha proposta, existem outros, não vou negar, mas são coisas que não posso falar aqui, mas peço, confie em mim. Perseu é o chefe da familia, agora que ele está acordado, você vai perceber que as pessoas vão pedir a autorização dele para quase tudo.” Inclinei a cabeça levemente para a esquerda e o vi sorrir. “Posso explicar melhor tudo isso depois… Mas o que quero dizer é o seguinte, eu ainda tenho influência e muita, não costumo usar o meu poder para sobrepujar o do meu filho, mas eu te prometo que no momento em que quiser voltar estará livre. Não posso prometer segurança eterna, mas prometo que te protegerei como se fosse minha filha.”
“Por quê não pode falar todos os motivos aqui?” Eu sei que ele não está mentindo, eu sei que a palavra não é algo a ser jogado fora, ainda mais quando se tratava de uma promessa como essa, mas eu ainda precisava me assegurar de algumas coisas.
“Hum… Eu poderia, mas seriam palavras que você não acreditaria, então seriam palavras inúteis.” Hiperion se levantou e o vi se afastar em direção a porta. “Você precisa ver para acreditar, eu sei que não é o ideal, pelo pouco que te conheço eu sei que apenas as minhas palavras não vão bastar, por isso te peço, venha conosco.”
Levantei-me antes que ele saísse do escritório.
“Eu acredito em você, em tudo o que você me falou agora…” Respirei fundo, antes de continuar, virei o rosto de leve para olhar pela janela, observando a paisagem por alguns segundos. “Você realmente pode garantir que eu posso ir embora? Se em algum momento eu quiser voltar eu vou poder.”
“Sim, isso eu te prometo. Você não vai ser forçada a ficar ou fazer algo que não queira. Pelo menos não no que depender de mim.”
“Tudo bem, então eu vou”