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Cinco

A brisa fria de fim de tarde acariciava meus cabelos com doçura e eu relaxava o corpo com cada toque da natureza. Ainda que o sol estivesse forte, os ventos dos campos deixavam o ar totalmente ameno e a grama-fina, — bem aparada — se tornava a melhor cama embaixo de mim. Eu poderia passar horas observando as nuvens brancas dançando no céu, ou até mesmo com os olhos fechados sentindo tudo ao meu redor.

Era realmente minha parte favorita do dia. O momento que tirava para apreciar a natureza calma e serena, com todo isolamento e tranquilidade do castelo. Isso só era possível dentro do labirinto extenso, quando chegasse ao centro de tudo, onde a campina se enchia de margaridas. Depois de muitos anos caminhando por aquela área confusa, você começa a entender e decorar os caminhos, o que torna muito mais fácil se recluir quando chegavam visitas em casa. Dificilmente as pessoas se arriscam a se perder em labirintos, então era meu melhor refúgio de tudo aquilo que acontecia.

As palavras de Tadaki, maltratavam meus pensamentos e desde seu bilhete eu decidi não participar das refeições em família para não precisar encará-lo. Acreditei que assim ele esqueceria do desconforto de ser ignorado, então eu pedia às serventes que sempre dissessem que eu não estava muito disposta. Considerando que as mulheres, geralmente, tinham esse privilégio de passar alguns dias longe de seus deveres por conta de nosso estar "emocional", todos pareciam ter compreendido, pois não aconteceram visitas para saber sobre mim. O que me tranquilizava por completo.

O ar ainda me acariciava, enquanto eu quase pegava no sono e de olhos fechados, sentia o banho de sol me dourar. Contudo, em um momento durante minha paz, a nuvem cobriu o sol fazendo sombra em meu rosto. Aquilo me arrancou grunhidos preguiçosos e o bufar de um sorriso próximo de mim, me despertou. Meus olhos se abriram para se depararem com as orbes escuras em meio ao rosto jovem com a pele sendo acariciada docemente pelos raios do sol. Um arrepio me percorreu com o susto daquela presença em pé, me encarando. O sorriso discreto do rapaz se apresentou para mim de maneira amigável ao ver-me completamente acordada.

— Imperador… — sussurrei sem graça e o homem tentou conter um sorriso maior.

— Parece que se acostumou rapidamente com a formalidade — disse ele ao me recordar de minha má educação em seu primeiro dia. — Princesa.

— Você me assustou…

— Sinto muito. Mas a princesa tem me evitado esses dias e não respondeu meu bilhete — tentei iniciar uma desculpa, mas ele continuou para que isso não fosse necessário. — Poderia ter escrito algo e pedido que uma de suas damas me entregasse. Sinto incomodá-la, mas preciso conhecê-la também…

— Sim… Claro…Desculpe-me.

— Está doente? — perguntou por fim. Ele se arrumou abaixando-se no gramado para que eu pudesse me sentar também. Estávamos de frente um para o outro naquele instante.

— Em dias ruins — esclareci e o homem me deu seu olhar de compreensão. Analisei em volta, certificando-me de que estávamos a sós. — Como chegou até aqui?

— Sou uma pessoa curiosa.

O silêncio pairou no ar por longos instantes e observamos as nuvens em sua dança no azul. Ainda que tentássemos esconder, era óbvia nossa inquietação.

— Por que precisa conhecer nós três? — decidi tomar a iniciativa da conversa, mas ele deu de ombros para minha pergunta. Seus olhos pequenos vieram de encontro a mim para que pudesse ouvi-lo enquanto lhe olhava fixo.

— Eu gostaria muito de ser respondido primeiro e se possível da forma como iniciei o assunto. — Então eu assenti, entendendo sua intenção. Aquele seria um dos momentos constrangedores de um possível encontro inusitado.

Coloquei meus olhos na direção da montanha próxima ao castelo, onde o imperador observava com uma expressão tranquila. Parecia que havia fugido do desconforto da nossa situação para viajar pelas árvores da ilha. Ele suspirou depois de um tempo de silêncio e disse:

— Acho esse lugar muito bonito — o sotaque do imperador era quase imperceptível. Ele usava muitas palavras de meu vocabulário que a maioria dos estrangeiros não conseguiria dizer corretamente, também sabia esconder a própria origem de sua língua e isso era intrigante. Viajar pelo mundo deveria dar esse privilégio às pessoas.

— Também gosto da ilha, mesmo não tendo visto muitas outras. — Sorri lembrando das histórias de Perrie sobre os países e ilhas do mundo.

— Creio que esse seja meu lugar favorito. A paisagem é incrível e eu nem conheço a história de Gogh, mas acredito que seja magnífica também.

— É uma bela história — afirmei. Percebi que ele estava tentando dar um rumo bom à nossa conversa. Pareceu realmente interessado, pois aprumou os ouvidos com minhas palavras e esperou que eu iniciasse.

Não consegui conter o riso envergonhado que se mesclou a empolgação, pois todo oglineo amava falar da ilha. Arrumei-me melhor para seguir.

— Está vendo aquela montanha?

Ele assentiu ainda observando o local indicado. Suspirei, o que fez sua atenção se voltar para mim.

— Há muitos anos, um homem morava em seu topo com seis cachorros como companhia. Quando as primeiras famílias chegaram, encontraram algumas casas construídas no porto e descobriram que o homem descia as montanhas todos os dias para construir mais — o imperador sorriu e seus dedos acariciaram a grama durante minha história. Ele se mantinha atento enquanto eu continuava. — Algumas pessoas passaram a ajudá-lo nas construções e fizeram isso durante anos, até que tivessem formado vilas pequenas.

Observei Tadaki naquele instante, ele retorcia um pedaço de grama que havia puxado da terra. Brincando com as linhas escuras da folha em seus dedos finos. Parecia perdido dentro de sua mente, imaginando a história. Segui contando a origem de tudo, afinal eu gostava muito daquela lenda.

— Dizem que em todos os anos de trabalho o homem não dirigiu a palavra a ninguém e apenas acenava quando lhe cumprimentavam. Mas um dia, seus cães desceram as montanhas sozinhos enquanto uivavam e os moradores da cidade não sabiam o que havia acontecido — puxei o ar ainda analisando o rapaz. Tive a impressão de que ele já havia ouvido aquela história, pois seu sutil sorriso estava desenhando o rosto jovem criando a expressão de familiaridade. Pigarreei — Bom, os moradores seguiram os animais, montanha acima, para entenderem o desespero. Quando chegaram na casa do construtor, encontraram o homem morto em sua cama.

— Morto? — a confusão tomou o rosto de Tadaki, fazendo-o me olhar com indignação e eu sorri por tê-lo confundido.

— Ele havia ficado velho e o tempo resolveu levá-lo. — Então seu pequeno sorriso surgiu no canto de seus lábios novamente, mostrando seu entendimento. Era realmente uma história empolgante. Então me prontifiquei a terminá-la. — Um morador encontrou o bilhete do homem, onde dizia que nunca havia conversado com alguém por ter problemas na fala. Pedia desculpas por aquilo e deixava registrado no papel como um último desejo, que todos continuassem o trabalho para abrigar quem precisasse de um lar. Todos da época aceitaram isso de bom grado.

— Afinal, só tinham um teto por conta dele.

Disse o rapaz e eu assenti. O imperador se deitou no gramado para continuar ouvindo. Fiz o mesmo, deitando-me ao seu lado enquanto sentia as carícias da relva em minhas costas. Tadaki direcionou seu olhar ao meu.

— Bom, naquela época haviam construído três pequenas cidades. Portube: o porto. Lonth: onde nos encontramos agora e Néflis ao pé da montanha. As três cidades resolveram coexistir em harmonia para homenagear o homem. Chamaram esse acordo de “O Selo De Gogh”, pois Gogh era o sobrenome que estava assinado em todas as cartas escritas pelo homem da montanha.

O imperador apoiou o cotovelo no gramado e ergueu ligeiramente o corpo em minha direção, podendo ver melhor meu rosto e me dando o mesmo privilégio do seu.

— Você realmente parece gostar dessa história. — Pisquei algumas vezes limpando a animação que havia sido contar aquilo e sorri para o homem.

— Acho fascinante — ele franziu as sobrancelhas. Deveria se questionar internamente sobre minhas palavras, então expliquei. — Imagine você largar tudo, ir morar em uma ilha deserta, construir casas simplesmente para doá-las e morrer em paz. Quão evoluída essa pessoa foi para chegar a isso?

— Creio que tão evoluída quanto a princesa, pois você me parece muito mais instruída do que as outras mulheres. — Ele disse por fim, seu olhar tinha uma certa admiração.

— Talvez porque eu seja mais curiosa do que elas — respondi e ele me deu seu costumeiro sorriso sutil. O rosto jovem do homem ainda estava sobre o meu. Sua posição poderia estar desconfortável, mas não pareceu incomodá-lo naquele instante. Na verdade, ele estava tão perdido em sua análise sobre mim que julguei nem estar com a mente ali.

— Desculpe, imperador. Eu preciso ir… — disse para que ele arrumasse sua postura e me deixasse levantar às pressas. Tentei ser rápida naquele momento e arrumei minhas vestes quando já estava de pé, podendo correr em direção ao castelo.

— Norman… — ele interrompeu minha fuga ao me chamar e olhei o rapaz sentado com seus olhos ainda admirados. Torcendo para não ser um convite o que viria de sua boca a seguir. — Quero uma resposta.

Meu coração não soube reagir aquela intimação. Também implorei para que ele não se lembrasse do bilhete durante nossa conversa, mas não foi possível dar a volta como eu queria. Suspirei derrotada.

— Vou pedir para uma dama entregar ao imperador antes do jantar.

— Ao Tadaki — ele tomou-me as palavras. — Diga: Tadaki.

Talvez ele estivesse testando minha lealdade ao império. Talvez estivesse me alfinetando por minha má conduta. Talvez fosse tão brincalhão quanto eu, ou talvez ele só queria ver a vergonha me dominando. Sua expressão não me parecia com nenhuma que eu já havia visto, não me dizia nada. Ainda assim, não fui capaz de contrariar o imperador que poderia acabar com minha pequena ilha em apenas um estalar de dedos.

— Ela levará… Tadaki.

Eu disse por fim e segui para fora da campina, antes que outra eventualidade estranha ocorresse.

Horas mais tarde eu estava deitada no chão do quarto, pensando no que escrever ao dono de um império. Tudo o que se passava em minha cabeça parecia grosseiro demais e eu não queria ser, não depois da tarde estranha e, ao mesmo tempo, agradável que tivemos.

Em um momento decidi não me preocupar tanto com o que poderia sair no bilhete e sentei-me à escrivaninha deixando fluir qualquer coisa para o papel. Quando a dama veio buscá-lo, depois do jantar, eu hesitei em não o enviar. Mas recordei da persuasão do imperador e deixei que as palavras viajassem pelo castelo até suas mãos.

Querido Imperador;

Sinto pelo inconveniente. Jamais tive a intenção de lhe ignorar. Na verdade, tenho tido muitos afazeres em minha rotina e acabei sem tempo para me apresentar da forma correta.

Também entendi que minhas irmãs poderiam lhe mostrar melhores dotes do que os meus e por essa razão não achei necessária minha presença.

Sinto tê-lo ofendido dessa forma.

Norman Fleur.

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