Regra número 6
Despertei com o cheiro de waffle e mel vindo da cozinha. Um friozinho bom tentava invadir o edredom querendo me impedir de levar para seguir o cheiro do café da manhã.
Eu estava repousada em minha cama no pequeno quarto do meu duplex com paredes brancas com flores coloridas espalhadas por toda parte. Esses adesivos eu havia comprado em uma loja de bugigangas no meio da cidade. Havia ficado tão fofo que eu admirava os desenhos todas as manhãs.
Recordei-me do dia anterior e do ocorrido entre mim e meu professor de Artes Musicais. Meu coração palpitou ao retornar da busca em minha mente. Olhei em volta procurando vestígios de mais algo, pois eu não me recordava de muita coisa que ocorreu depois do beijo e vi o casaco de Dylan pousado sobre a cadeira do meu computador. Seus sapatos estavam alinhados próximos da porta junto dos meus tênis. Vendo aqueles objetos espalhados pelo quanto me fez questionar o que havia acontecido depois do beijo e o porquê de eu ter me perdido nas lembranças.
Tudo indicava que ele ainda estava lá e que preparava o café. Isso me fez estremecer um pouco com receio de saber algo sobre antes. Também me questionei o porquê de estar tão nervosa. Afinal, éramos adultos e se ocorreu algo à mais sabíamos perfeitamente o que seria.
— Será que eu transei com ele? — Perguntei sentando-me na cama.
O edredom rosa claro envolvia meu corpo até minha cintura e ao abri-lo olhei minha camisola de renda e puxei o tecido para cobrir meu corpo. Não me recordava de ter trocado de roupa, ainda que pequenas lembranças viessem em minha mente horas depois do nosso beijo, a parte de me trocar não estava chegando em mim.
Respirei profundamente tentando relaxar.
Ouvi o destranque da porta durante meus devaneios e a vi ser aberta lentamente. Dylan surgiu segurando uma bandeja de madeira branca com as duas mãos. Vestido apenas com um short fino e curto e uma regata de alça fina que fazia par com o tecido de baixo, ambos da cor branca. Sua pele clara cintilava com a luz do sol batendo no quarto e isso o deixava mais charmoso. Ele sorriu de uma forma tão sedutora que me fez pressionar o pano com tanta força que pude sentir minhas unhas contra a palma de minha mão.
— Bom dia. — Ele sussurrou se aproximando. Meu professor colocou a bandeja próxima de mim e se sentou à beirada da cama. Eu sussurrei um bom dia tão baixo que som nenhum saira de minha boca e seus olhos esmeraldas me fitaram confuso. — Você está bem?
— Aconteceu algo entre… nós? — gaguejei em cada letra e ele sorriu, quando meu nós saiu também sem som.
Dykan aproximou seu nariz para tocá-lo no meu alisando-os docemente. Um arrepio percorreu meu corpo e se fixou em minha nuca. Era uma sensação de frio e êxtase. Cerrei os olhos quando seus lábios tocaram os meus, um beijo tão calmo que parecia estar em câmera lenta. Pressionei ainda mais o lençol, mas ele segurou minhas mãos com as suas, me motivando a soltar o pano e entrelaçar nossos dedos.
Aquilo era tão bom, posso dizer que era maravilhoso ser tocada por alguém que parecia sentir algo forte por você e com esse pensamento um lampejo veio em minha mente, me fazendo recordar do dia anterior.
— Não aconteceu nada — Disse ele me ajudando com as lembranças.
Sim, eu me lembrava agora. Dylan havia me tirado algumas dúvidas, havia me mostrado uma parte de seu desejo e depois acabamos enroscados no sofá entre beijos e carinhosos. Mas ele foi sempre cordial e paciente.
Em nenhum momento passou dos limites, mesmo que seus dedos escorregassem até minhas coxas, ele se detinha voltando para minha cintura ao tentar se controlar. Aquilo foi bom demais.
— Bem que eu quis, não vou mentir. — Ele confessou sem parar de me beijar. — Mas não vou abusar de você assim. Vou esperar você me desejar dessa forma.
— Professor? — Ele deixou um resmungando escapar me motivando a continuar. — Isso quer dizer que estamos juntos?
Seus esmeraldas se fixaram em meus castanhos de maneira confusa, talvez eu não tivesse deixado clara a pergunta que queria fazer. Porém, eu queria entender como aquilo funcionaria.
— Isso não depende só de mim — ele deitou-se na cama me puxando para o seu lado. — Depende do quê você vai querer. Você não parecia pronta para um novo relacionamento e eu não quero que se sinta pressionada.
— Eu só não quero ser magoada outra vez. — Ele me olhou perplexo, segurou sua cabeça com a mão, apoiando o cotovelo no travesseiro.
— Quando você se sentir bem, pode me falar sobre isso, tá bom? — Assenti lentamente, pois aquele era um assunto que eu queria manter comigo pelo maior tempo que pudesse. Não queria nem naquele traste por um longo tempo. Dylan percebeu que minha expressão era de incômodo, isso o fez pigarrear dando-me um sorriso amigável. — O que você sente quando toco você?
— Muito calor — confessei. — Você acha que vou gostar de sair pegando gente mais velha por aí?
— Eu espero de verdade que não — brincou ele seguindo minha gracinha, porém seu olhar se tornou mais intenso e firme. — Eu realmente espero ter você por muito tempo, mesmo que seja em segredo.
Dei um sorriso fraco, entendendo seu ponto e o envolvi um abraço apertado. Senti suas mãos deslizarem por meu corpo me puxando para cima do seu colo. Ele apertou nossos corpos com seus dedos no meio de minhas costas.
— Estou sendo sincero — ele pronunciou me deixando paralisada. Dylan dizia coisas intensas demais para alguém que me conhecia tão pouco e em tão pouco tempo. Devido à isso, além do meu histórico romântico, eu me sentia vulnerável demais e não queria transparecer isso. O professor observou meu olhar como se entendesse minha expressão: — Tudo bem eu posso esperar até que esteja pronta para dizer o que fazermos.
— O que quer dizer?
Eu estava novamente envolvida na sensação trêmula que percorreu quando recebi o primeiro toque de Dylan. As borbulhas voltaram a se remexer em meu estômago e isso me fazia acreditar que esse efeito era causado pelas mãos do professor que estavam sempre acariciando minha pele. Eu parecia uma pessoa velha que tentava entender as funções de um computador, mas no meu caso eu tentava entender minha própria vida.
— Eu não ficaria mal se não quisesse nada comigo depois, mas podemos tentar ter aos poucos. — Ele respirou fundo, parecia estar se preparando para dizer algo muito importante e eu sentia seu corpo tremer. — Quem sabe se formos nos conhecendo melhor nos tornemos muito mais do que um simples professor e aluna.
Ele falou finalmente, foi então que senti meu peito disparar loucamente. Meu coração foi de 60 para 1.000. Parecia o motor de um carro de corrida e isso me levou a ajoelhar na cama colocando a mão no peito em uma tentativa de fazê-lo se acalmar.
Dylan estreitou os olhos com o cenho franzido, se ele soubesse a loucura que se passava dentro de mim iria desistir de qualquer tentativa.
— Você quer dizer que podemos namorar futuramente?
— Se você quiser, sim. Como eu disse: não vou te forçar agora. — Explicou-me ele. — Mas, agora, tome seu café. Está reforçado para que se sinta bem e enquanto isso eu vou me arrumar para ir dar aula.
Me desesperei, pois ele não parava de falar enquanto se levantava e vestia a blusa que antes estava no móvel. Coloquei a bandeja no criado mudo e fitei a figura se mexendo pelo quarto enquanto uma adrenalina batia forte em meu peito.
— Espera, professor — eu disse, mas ele parecia que se preparava para ir embora e ao vê-lo pegar os sapatos do chão falei em alto e bom som. — Eu gosto da ideia.
Os sapatos que ele havia pego escorregaram de seus dedos. O professor me olhou meio surpreso, pois as palavras que haviam saltado de minha boca diziam que sim eu havia estava cogitando aquilo que ele sugeriu.
— Não quero que se sinta forçada.
— Não estou. Mas preciso confessar que não me sinto preparada para nada e isso pode atrapalhar sua vida. Eu sou muito indecisa. — Ele apoiou as mãos na cintura dando um sorriso singelo. Era tão bonito e terno que me deixava contagiada.
— Eu posso te ajudar com isso. — Dylan caminhou em passos lentos até mim jogou-se na cama e me puxando para perto.
— A decidir as coisas? — Perguntei-lhe e ele assentiu. Seus braços envolveram minha cintura e me pressionaram novamente contra seu corpo.
Lá estávamos nós em outro beijo enlouquecido, quente e desejoso. O melhor beijo da minha vida, o melhor beijo do mundo.
— Professor…
— Embora isso seja muito excitante, eu acho melhor você me chamar pelo meu nome quando estivermos longe da escola. — Seu nariz deslizou até meu pescoço, onde recebi milhares de mordidas que me fizeram rir.
— Dylan? — Falei e sorri com o som de seu nome. Seus olhos chegaram aos meus.
— Repito minhas palavras de ontem. Qualquer forma que me chame, me excita.
Sorri envergonhada, pois parecia saber como me deixar corada. Ele deu um leve sorriso com minha reação e deixou um beijo doce na ponta do meu nariz. Suas mãos me liberaram no fim para que eu pudesse tomar meu café e ele me acompanhou.
(..)
Entrei correndo pelos portões do campus, pois estava a meia hora atrasada e a aula de teatro acabaria em dez minutos.
“Droga Dylan porque tinha que beijar tão gostoso?”
Pensei irritada.
Corri um pouco mais rápido, já perdendo totalmente o ar dos meus pulmões. Cheguei ao auditório e abri as enormes portas de ferro com o máximo de cautela que pude, mas à tentativa de ser sorrateira foi em vão.
Lá estavam todos os alunos sentados nas cadeiras da plateia, de frente para o palco onde madame Graystone caminhava de um lado a outro. Para minha sorte ela não havia notado minha presença, pois discutia com Nathally pedindo que melhorasse sua atuação. Comemorei internamente enquanto me abaixava cautelosa para ir até minha mesa.
— Cadê o sentimento? A dor de Julieta ao saber que Romeu é seu rival ou a dor de Desdêmona quando seu amado Otelo a sufoca com o travesseiro. Mostre-me a dor querida. — Dizia a mulher. Caminhei em passos lentos até uma cadeira próxima ainda torcendo para que Graystone não tivesse notado que eu não estava ali antes. — Eu quero ver o horror em seus olhos, minha jovem. A dor, a angústia e a pontualidade da senhorita Chaves também seria muito bom de se ver.
Afundei-me na cadeira quando todos olharam para mim, recordando-me que estava descabelada de tanto correr até meu destino.
Já Natally, a loira de olhos verdes e cobiçada por todos da escola, deu uma risada que foi interrompida pela professora.
— Podemos saber o que pode ser tão importante a ponto de fazê-la perder toda nossa aula?
A voz de Graystone era madura assim como sua idade, o vestido laranja longo e largo mostrava que não havia mais silhuetas para serem mostradas, mas o rosto confundia um pouco sua velhice. Porém o que dedurava sua verdadeira idade eram os cabelos grisalhos que se misturavam ao vestido em uma longa trança.
Pigarreei e o sinal tocou para fazer minha alegria. Eu havia perdido toda a aula, mas não ficaria encrencada naquele momento.
Todos começaram a se retirar dali indo para suas próximas salas e ao me levantar vi Nathally sussurrar algo no ouvido de nossa mestre e logo ela me chamou. A loira passou por mim fazendo sua pior cara de nojo enquanto pisava firme com seus sapatos caros cor de ouro. Vi a saia do seu vestido prata girar enquanto ela fazia sinal para suas subalternas segui-la para fora dali.
“Se ela souber vai querer me matar de verdade” pensei, respirando lentamente.
— Senhora Graystone. — Falei ao sentir a presença em minhas costas e me lembrar de uma professora brava que ainda estava na sala. Virei então para à mulher, podendo vê-la claramente com seus braços cruzados e olhos dominados pelo desgosto. — Eu sinto muito! Acordei atrasada hoje depois de tomar vários remédios. Passei mal ontem e..
— Senhorita Chaves, como sabe além de professora sou reitora do campus — me interrompeu ela fazendo-me assenti e à professora puxou um pouco de ar para seguir. — A aluna Nathally Charlotte me fez uma denúncia séria e quero saber da senhorita se o assunto procede de fato e caso isso esteja ocorrendo terei que levar esse assunto à polícia.
Gelei ao perceber que algo estava indo longe demais do que deveria. Pensei que em meio a um surto eu ataquei e matei alguém sem saber e Nathally presenciou aquilo, mesmo que o pensamento não fizesse sentido, era algo nesse nível que eu acreditei que seria. Esperei até que a professora encontrasse as palavras para continuar.
— Camila, algum professor desta escola te molestou?
— O que? Não! Jamais. — Aquilo me pegou de surpresa. Pensei que Nathally fosse uma pessoa difícil de lidar, mas não que chegasse ao ponto de ser tão vingativa para acusar outra pessoa daquela forma.
— Me diga a verdade, menina. Se algo assim estiver acontecendo nessa universidade, eu preciso proteger meus alunos.
— Reitora — tomei suas palavras antes que aquilo fosse mais longe. — Os professores dessa escola são incríveis e eu me sinto grata por estudar com todos eles, jamais passaram outra impressão senão a de pessoas sérias e caso isso ocorra saiba que vou ser a primeira pessoa a denunciar.
— Entendo. Já que foi uma acusação maldosa, eu me sinto aliviada. Só peço desculpas, pois toda acusação deve ser investigada. Contudo, não vejo razão para agir extremamente com nenhum professor por hora. Mesmo assim me manterei alerta.
Meu coração se aliviou ao saber que Nathally não havia conseguido ir tão longe. Afinal, Dylan não havia me molestado, pois eu quem havia lhe pedido o beijo e agora eu quem estava tentando ter algo além com ele. Era o meu querer e estava tudo bem para mim.
Graystone fez sinal para que eu saísse e assim o fiz. Pude notar um certo olhar de desconfiança na mulher, mas deixei passar, pois ela havia dito que não iria levar aquilo adiante.
— Cami! — A voz de Nathally invadiu minha mente e deixei um longo suspiro escapar quando precisei parar para conversar com a garota. Olhei-a se aproximar de mim enquanto arrumava seus cabelos longos e me deixava inquieta. — Queridinha precisamos conversar.
— Precisamos? — Ela falava como se fosse minha amiga de décadas e isso era estranho, mas ainda por sua voz sair como a de uma patricinha que me deixou irritada.
— Claro fofa! Precisamos nos unir, sabe? — Franzi o cenho e ela girou meu corpo colocando minha mão em seu braço. — Ah! Você não estava aqui por isso não vai entender, mas vou te ajudar. — A garota começou a caminhar durante suas palavras, sempre falando baixo o suficiente para me fazer colar o ouvido em seus lábios. — Antes de mim havia uma outra garota na vida do nosso professorzinho, mas como parece que ocorre sempre, a aluna nova e bonitinha encantou aqueles olhos verdes e Dylan trocou a garota antiga por mim.
Aquelas palavras me fizeram fixar os olhos na garota e eu não sabia dizer se aquilo era a verdade que saia cuspida de seus lábios ou se era apenas seu veneno escorrendo.
— Agora surgiu outra coisa bonitinha e obvio que Dylan me trocaria por você. — Ela continuou voltando aos passos calmos. — O que estou tentando dizer é que Dylan gosta de carne nova, sabe? Ele usa e abusa até enjoar e quando encontra outra bobinha muda de jogadora facinho.
Paramos no meio do corredor e Nathally colocou as mãos em meus ombros. Olhou fixamente em meus olhos lançando-me um olhar terno.
— Eu sinto muito amorzinho, mas é a realidade.
— Isso não me importa, sabia? Eu não tenho nada com professor. — Me soltei de seus dedos e comecei a me distanciar da garota. Parei só no fim do corredor e a olhei uma vez mais. — E mesmo se tivesse não preciso que me ensinem a conhecer alguém.
— Ele te falou que não vai te forçar a nada, não é? Mas que você vai ficar bamba quando o quiser de verdade. — Meu coração sentiu uma pequena pontada como se fosse perfurado com uma faca de cortar pão. Ainda que eu suprisse um carinho gostoso por Dylan, aquilo me acertou. — Ele disse isso para o passado, para o presente e dirá para o futuro. Camz ele é um Dom Juan e você é a bola da vez, mas quero apenas te alertar para que não sofra como eu e todas as outras. Se não acredita em mim, pergunte a Gabi. Uma amiga de Joshua, porque ela sofre até hoje por ter sido trocada. Eu estou sofrendo agora e não quero que aconteça com você. Sinto muito Camz, esse é o Dylan verdadeiro.
Nathally não me deixou falar algo, apenas se foi me deixando sozinha naquele corredor.
Senti meus olhos pesarem e me recordei do meu passado quando algo semelhante me ocorreu. Aquilo me encheu de angústia e raiva mesmo que eu estivesse revestindo meu coração todos os dias para não me decepcionar outra vez, eu me senti terrível enganada.
Não acreditei que tudo fazia parte do joguinho de Dylan para me levar para cama. Não acreditei que havia caído em algo tão óbvio o qual tentei fugir o máximo que consegui. Saber que não importava o local que eu estivesse, pois sempre teria alguém desse tipo me deixou sem chão e com vontade de fugir novamente.
— Camila? — A voz do meu professor sussurrou em meu ouvido e as lágrimas me banharam como água de cachoeira. Olhei para seus esmeraldas que pareciam confusos, mas eu julguei ser um truque para tentar me manipular. — Camz, o que houve?
Ele tentou me tocar, mas o parei e me afastei deixando as lágrimas molharem minha face enquanto voltava no tempo e me afundava em lembranças horríveis.
Outra tentativa de Dylan me tocar me deixou ainda mais alerta e o parei novamente. Antes que ouvisse sua voz outra vez, antes que o sentisse outra vez e me inundasse de mentiras que já conhecia bem, eu corri. Corri o mais rápido que pude para longe o suficiente. Ainda ouvi passos atrás de mim que me fizeram correr muito mais.
Eu queria distância dele, da escola, de Nathally e de todo o resto do mundo para que eu pudesse pensar.
Ouvi Joshua me perguntar algo e bati em seu ombro quando passei por ele às pressas. Sai da escola indo o mais longe que eu poderia. Não para minha casa, mas para um lugar onde ninguém me encontraria. Um lugar só meu e eu não sabia onde ele estava, mas iria continuar correndo até que o encontrasse.