7
— Olá, Vivian.
A voz dele estava enganadoramente suave e o rosto perfeito, sem expressão. Ainda assim, senti a fúria queimando silenciosamente nele.
Por um segundo, eu só o encarei, paralisada pelo terror. Não conseguia ouvir nada além do meu próprio coração. Comecei a recuar, ainda mantendo os olhos no rosto dele. Ergui as mãos à frente defensivamente, ainda segurando a pedra e a faca.
Naquele momento, mãos de aço agarraram meus braços por trás, apertando dolorosamente os pulsos. Gritei, lutando, mas Liam era forte demais. A faca foi torcida para trás, quase acertando meu ombro.
Em uma fração de segundo, Rael estava sobre mim e arrancou a faca e a pedra das minhas mãos. Liam me soltou e Rael me segurou, me apertando firmemente enquanto eu gritava e contorcia-me em seus braços.
Quanto mais eu lutava, mais os braços dele me apertavam até que quase desmaiei por falta de ar.
Em seguida, ele me pegou no colo e carregou-me para fora do quarto de Liam.
Para minha surpresa, ele me levou para o andar térreo e parou na frente da porta que levava ao escritório dele. Um painel minúsculo se abriu ao lado da porta e vi uma luz vermelha se movendo sobre o rosto de Rael, como um laser em um caixa de supermercado.
Logo depois, a porta se abriu.
Reprimi uma exclamação de surpresa. A porta do escritório se abria com varredura da retina, algo que eu só vira em filmes de espionagem.
Quando ele me carregou para dentro, tentei lutar novamente, mas foi inútil.Era impossível mover os braços dele, que me seguravam firmemente.
Mais uma vez, eu estava indefesa no abraço dele.
Lágrimas de frustração amarga escorreram pelo meu rosto. Eu detestava ser tão fraca. Ele não parecia nem um pouco abalado fisicamente pela luta.
Eu não sabia o que esperar dele. Talvez ele me batesse ou decidisse me possuir brutalmente.
Mas ele simplesmente me colocou no chão quando estávamos dentro do escritório.
Assim que ele me soltou, dei alguns passos para trás, precisando colocar pelo menos um pouco de distância entre nós.
Ele sorriu para mim e havia algo perturbador na beleza daquele sorriso.
— Relaxe, meu bichinho. Não vou machucar você. Pelo menos, não agora.
E, enquanto eu o observava, ele andou até uma mesa grande, abriu a gaveta e tirou um controle remoto. Em seguida, apontou o controle para uma parede atrás de mim.
Me virei apreensiva e olhei para duas televisões grandes de tela plana.
Pareciam ser muito modernas, bem diferentes do que eu tinha em casa.
A tela esquerda foi ligada. A imagem foi estranha por ser tão inesperada.
Parecia uma floresta, dado ao tanto verde que havia ao redor. Sem dúvida era uma floresta, um pouco fechada, quase não se via o sol ali, muito menos os topos das árvores, o quê de certo modo poderia até desnortear uma pessoa que não conhecesse a região tão bem. Havia mais de uma pessoa, talvez meia dúzia, tudo vestido apropriadamente para a ocasião.
— Você reconhece esse lugar? — Rael pergunta.
Balancei a cabeça negativamente.
— Tem certeza? — diz ele. — Pensa melhor?.
— O quê estão procurando? — pergunto, sentindo um nó no estômago.
— Não consegue adivinhar?
Eu o encarei, sentindo um frio cada vez maior.
— Anton?
— Sim, Vivian. Anton.
Comecei a tremer.
— Por que você está fazendo isso?
— Você se lembra de que eu lhe disse que queria a localização dele e é por isso que está aqui?
Parei de respirar por um segundo.
— Sim... — Meu sussurro foi quase inaudível.
Na verdade, eu me esquecera da ameaça inicial dele a Anton, pois estivera envolvida demais com o fato de estar em cativeiro. Achei que a ameaça não fora séria, especialmente depois de descobrir que estávamos em uma ilha a milhares de quilômetros da minha cidade natal. Em algum lugar da minha mente, eu me convencera de que Rael não poderia ferir Anton. Pelo menos, não
à distância.
— Ótimo — disse Rael. — Então você entenderá por que estou fazendo isso. Não quero mantê-la presa, incapaz de ir a qualquer lugar ou de fazer alguma coisa. Esta ilha é seu novo lar temporário e quero que seja feliz aqui... - Feliz ali? Eu estava mais convencida do que nunca de que ele era louco — ... mas não posso deixar que tente machucar Liam em tentativas inúteis de fuga. Você precisa aprender que há consequências para seus atos...
A sensação de terror se espalhou pelo meu corpo inteiro.
— Desculpe! Não vou mais fazer isso! Não vou, prometo! —
Minhas palavras saíram apressadamente. Eu não sabia se poderia
impedir o que estava prestes a acontecer, mas precisava tentar. —
Não vou machucar Liam e não vou tentar fugir. Por favor, Rael, eu
aprendi a lição...
Rael olhou para mim quase com tristeza.
— Não, Nora. Não aprendeu. Tive que voltar hoje, interromper minha viagem de negócios por causa do que você fez. Liam não está aqui para ser seu carcereiro. Não é a função dele. Ele está aqui para cuidar de você, para garantir que esteja confortável e contente.
Não vou aceitar que retribua a bondade dele tentando matá-lo...
— Eu não estava querendo matá-lo! Eu só queria... — Parei de falar, sem querer revelar meu plano para ele.
— Achou que poderia usá-lo como refém? — Rael pareceu divertido. — Para fazer o quê? Com que ele a tirasse da ilha? Que a ajudasse a falar com o mundo exterior?
Olhei para ele, sem negar nem admitir nada.
— Bem, Vivian, me deixe explicar uma coisa a você. Mesmo se seu ataque tivesse dado certo, o que não teria acontecido, pois Liam é mais do que capaz de lidar com uma garota como você, ele não poderia ajudá-la. Quando eu saio daqui, o avião vai comigo. Não há barcos nem nenhum outro jeito de sair da ilha.
As palavras dele confirmaram o que eu já suspeitava depois das explorações que fizera. Mas eu ainda tinha esperança de que...
— E sou o único que tem acesso ao meu escritório. Não existem
computadores nem equipamentos de comunicação em outro lugar da casa. A única coisa que Liam pode fazer é me mandar uma mensagem direta em uma linha especial que temos. Portanto, veja bem, meu bichinho, ele teria sido inútil como refém.
Lá se foi minha esperança. Cada frase parecia um prego em meu caixão. Se ele não estava mentindo, minha situação era muito, muito pior do que eu temera.
A não ser que Rael resolvesse me deixar ir embora, eu ficaria presa na ilha dele para sempre.
Eu queria gritar, chorar e jogar coisas, mas não podia desmoronar naquele momento. Em vez disso, assenti e fingi estar calma e racional.
— Eu entendo. Desculpe, Rael. Eu não sabia de nada disso antes. Não vou tentar escapar de novo e não vou machucar Liam. Por favor, acredite em mim...
— Eu gostaria de acreditar, Vivian. — Ele pareceu quase pesaroso. — Mas não posso. Você ainda não me conhece e não tem certeza se pode acreditar em mim. Preciso mostrar a você que sou um homem de palavra. Quanto mais cedo aceitar o inevitável, será melhor pra você.
Em seguida, ele colocou a mão no bolso e tirou algo parecido com um telefone. Apertando um botão, ele esperou alguns segundos.
— Pode
prosseguir.
Ele voltou a atenção para a tela.
Fiz o mesmo, com uma sensação de terror.
A TV ainda mostrava o quarto vazio, mas, alguns segundos depois, chegaram em uma clareira, aonde claramente havia alguém acampado.
Meu coração disparou enquanto começavam a vasculhar o local, olhando tudo, inclusive a barraca que, estava vazia. Mesmo com tudo indicando que ele não estava ali, meu coração continuou pulsando cada vez mais forte dentro do meu peito. Eles continuaram vasculhando o perímetro em busca do meu irmão como se fosse um maldito criminoso.
— Por favor, não... — Nem percebi que me mexi, mas minhas mãos estavam no braço de Rael, puxando-o em desespero.
— Assista, Vivian. — Não havia emoção no rosto de Rael quando ele me puxou para seus braços, me segurando para que eu ficasse virada para a TV.
— Quero que aprenda de uma vez por todas que ações têm consequências.
— Não! Por favor, não! — Solucei e lutei para sair dos braços de Rael, com os olhos colados na cena violenta que acontecia a milhares de quilômetros de distância. Por favor, Rael — sussurrei derrotada, desabando nos braços dele. — Por favor — Eu sabia que estava implorando misericórdia de um homem que não a tinha.
Caí no chão e enterrei o rosto nas mãos.
Rael vencera.
Eu sabia que minha vida nunca mais seria minha.
Rael saiu do cômodo sem que eu percebesse, talvez não querendo me ver chorar ou satisfeito o suficiente por conseguir por hora o quê queria de mim. Nas televisões em minha frente, já haviam se afastado da clareira e seguido por outro caminho, conversando entre códigos.
Liam aparece de repente ao meu lado, me erguendo sem nenhuma cerimônia e me colocando para fora do escritório. Dou alguns passos pelo corredor, abraçada com o próprio corpo.
Virando-se para mim, ele estende a mão.
— Vamos nadar?
Eu o encaro. Ele estava falando sério? Esperava que eu fosse nadar com ele como se fôssemos amigos ou algo assim?
— Não, obrigada — respondi, recuando um passo.
Ele franzi a testa ligeiramente.
— Por que não, Vivian? Você sabe nada até onde eu lembro.
— É claro que sei nadar — respondi indignada. — Só não quero nadar com você.
Ele ergue as sobrancelhas.
— Por que não?
— Ahm... talvez porque eu odeie você? — Eu não sabia por que me sentia tão corajosa naquele dia, mas parecia que um pouco de tempo longe dele me fazia ter menos medo. Ou talvez porque ele parecesse estar de bom humor e um pouco menos assustador.
Ele sorri novamente.
— Você não sabe o que é ódio. Talvez não goste das minhas ações, mas não me odeia. Não consegue. Não faz parte da sua natureza.
— O que você sabe sobre a minha natureza? — Por algum motivo, eu fiquei ofendida. Como ele ousava dizer que eu não conseguia odiar meu sequestrador? Quem ele achava que era, dizendo o que eu conseguia e o que não conseguia sentir?
Ele olha para mim com aquele sorriso no rosto.
— Eu sei que você teve o que chamam de criação normal, Vivian — diz ele em tom suave. — Sei que você foi criada com muito amor, que tinha bons amigos e namorados decentes. Como pode achar que sabe o que é o ódio de verdade?
Eu o encarei.
— E você sabe? Sabe o que é ódio de verdade?
A expressão dele ficou dura.
— Infelizmente, sim — respondeu ele. Notei que estava falando a verdade.
Senti um aperto no estômago.
— E sou eu quem você odeia? — pergunto desafiadora. — É por isso que está fazendo isso comigo?
Para meu grande alívio, ele pareceu surpreso.
— Odiar você? Claro que não odeio você, não me deu motivos suficientes ainda.
— Então por quê? — perguntei novamente, determinada a obter algumas respostas. — Por que está ajudando o Rael a me manter aqui, se não fiz nada pra você?!
Ele olha para mim. Os olhos dele pareciam impossivelmente castanhos contra a pele bronzeada.
— Só estou fazendo meu trabalho, Vivian. Já lhe disse isso. E porque não sou um homem muito bacana. Mas você já percebeu isso, não é?
Engoli em seco e olhei para a areia. Ele não sentia um pingo de vergonha das próprias ações. Liam sabia que o que fazia estava errado e simplesmente não se importava.
— Você é um psicopata? — Não sei o que me levou a perguntar aquilo.
Não queria deixá-lo bravo, mas queria muito entender. Prendendo a respiração, olhei novamente para ele.
Por sorte, ele não pareceu ofendido pela pergunta. Pareceu pensativo ao se sentar na cadeira na varanda.
— Talvez — diz ele depois de alguns segundos. — Um médico achou que talvez eu fosse um sociopata. Não cumpri todos os requisitos e não há um diagnóstico definitivo.
— Você foi a um médico? — Não sei por que fiquei tão chocada. Talvez porque ele não parecesse ser o tipo de pessoa que consultaria um terapeuta.
Ele sorri para mim.
— Sim, por algum tempo.
— Por quê?
Ele dá de ombros.
— Porque achei que poderia ajudar.
— Ajudar ser menos psicopata?
— Não, Vivian. — Ele me olha ironicamente. — Se eu fosse um psicopata de verdade, nada poderia me ajudar.
— Para quê, então? — Eu sabia que estava xeretando em assuntos muito pessoais, mas achava que ele me devia algumas respostas. Além do mais, o homem acabara de trepar comigo na praia e eu poderia muito bem ser pessoal.
— Você é uma gatinha muito curiosa, hein? — disse ele baixo,
colocando a mão na minha coxa. — Tem certeza de que quer mesmo saber?
Assinto, tentando me manter esperançosa em meio de tudo que estava acontecendo. Meus pais nunca nos ensinaram como deveríamos reagir em situações como aquela, como agir ou o quê falar, parecia que o dinheiro ali não tinha nenhum peso, nenhum significado.
— Fui a um terapeuta depois de matar os homens que assassinaram minha família — respondeu ele, olhando para mim. — Achei que me ajudaria a aceitar.
Eu o encarei fixamente.
— Aceitar o fato de que você os matou?
— Não — respondeu ele. — Aceitar o fato de que eu queria matar mais.
Senti uma onda de náusea e os dedos de Julian pareciam um bicho rastejando na minha pele. Ele acabara de admitir algo tão horrível que eu nem sabia como reagir.
Ouvi minha voz, como se estivesse longe, perguntando.
— E ajudou a aceitar? — Eu soei calma, como se estivéssemos conversando sobre o tempo.
Ele ri.
— Não, gatinha curiosa, não ajudou. Os médicos são inúteis.
— Você matou mais? — A dormência que me envolvia começou a
desaparecer e senti o corpo começar a tremer.
— Sim — diz ele, com um sorriso sombrio nos lábios. — Não está feliz por ter perguntado?
Meu sangue virou gelo. Eu sabia que deveria parar de falar, mas não consegui.
— Você vai me matar?
— Não, Vivian. — Ele pareceu exasperado por um momento. — E decidir isso não cabe à mim e sim à Rael. É à ele que tem que perguntar isso e não eu.
Passei a língua pelos lábios secos.
— Certo. Só vai me machucar quando tiver vontade.
Ele não negou, apenas se levantou e olhou para mim.
— Vou nadar. Pode ir comigo, se quiser.
— Não, obrigada — respondi. — Não estou com vontade de nadar.
— Como quiser — diz ele, afastando-se e entrando na água.
Ainda em estado de choque, observei os ombros largos à medida que ele entrava mais fundo no oceano. Os cabelos escuros brilhavam sob o sol. Não tinha mais ideia do que era necessário fazer, talvez fosse melhor eu cancelar todos os planos que havia criado em minha cabeça e só... aceitar que eu estava numa situação, onde duas pessoas decidiam minha vida e a vida do meu irmão. Estava em uma ilha deserta, sem qualquer meio de transporte a não ser por um avião e o avião naquele momento não estava ali e, mesmo que tivesse, as probabilidade de eu conseguir chegar até ele, eram bem nulas, nunca conseguiria nem entrar, o quê dirá levantar voo.
Eu só queria que tudo terminasse logo.
Aquele demônio realmente tinha uma bela máscara.
