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6

Na manhã seguinte, depois de tomar banho um banho rápido, desci para tomar café da manhã.

Liam já estivera no meu quarto, pois havia outra pilha de roupas limpas lá. Um traje de banho, chinelos e outro vestido de verão.

Ele estava na cozinha, ao lado das panquecas cujo aroma eu sentira mas cedo.

Quando entrei, ele sorriu para mim. A tensão do dia anterior parecia ter sido esquecida.

— Bom dia — diz ele em tom alegre. — Como está se sentindo?

Eu olhei para ele incrédula. Como deveria estar me sentindo sequestrada?

— Ah, estou ótima — respondi sarcasticamente.

— Que bom. — Ela pareceu não notar meu sarcasmo. — Rael pediu que eu garantisse que ficasse bem e que tivesse tudo que precisasse.

— Como você vive consigo mesmo? — perguntei sinceramente curiosa.

Como um homem podia simplesmente observar uma mulher sendo abusada  daquele jeito? Como conseguia trabalhar para aquele homem cruel?

Em vez de responder, Liam colocou uma panqueca grande sobre um prato e levou-a para mim. Havia também fatias de manga sobre a mesa, ao lado de um pote de xarope de bordo.

— Coma, Vivian — diz ele em tom suave.

Lancei um olhar amargo a ele e comecei a comer. A panqueca estava deliciosa. Percebi que ele acrescentara bananas na massa, pois senti o gosto doce delas. Nem precisei do xarope de bordo, mas adicionei algumas fatias de manga.

Liam sorriu novamente e voltou às tarefas da cozinha.

Depois do café da manhã, saí da casa e explorei a ilha sozinha. Liam não me impediu. Eu ainda achava chocante que me deixassem andar pelo lugar daquele jeito. Deviam estar muito confiantes de que não havia como sair da ilha.

Bem, eu pretendia encontrar uma forma.

Andei incansavelmente por horas sob o sol quente até que os chinelos que usava causaram uma bolha. Fiquei perto da praia, torcendo para encontrar um barco amarrado em algum lugar, talvez em uma caverna ou lagoa.

Mas não encontrei nada.

Como eu chegara lá? Fora de avião ou de helicóptero? Rael mencionara no dia anterior que descobrira a ilha enquanto pilotava um avião. Talvez ele tivesse me levado para lá em um avião particular.

Isso não seria bom. Mesmo se eu encontrasse o avião, como eu o pilotaria? Deveria ser algo bem complicado.

Por outro lado, com incentivo suficiente, talvez eu conseguisse descobrir.

Eu não era burra e pilotar um avião não era tão complexo assim.

Mas também não encontrei o avião. Havia uma área plana no outro lado da ilha com uma estrutura na extremidade, mas não havia nada lá. Estava completamente vazia.

Cansada, com sede e com a bolha incomodando a cada passo, voltei para a casa.

— Rael saiu há algumas horas — diz Liam assim que entrei.

Atônita, olhei para ele.

— Como assim, ele partiu?

— Ele tinha que cuidar de alguns negócios urgentes. Se tudo der certo, ele voltará o mais rápido possível.

Assenti, tentando manter uma expressão neutra, e subi para o quarto.

Ele partira! Meu atormentador partira!

Estávamos apenas Liam e eu na ilha. Mais ninguém.

Minha mente estava repleta de possibilidades. Eu poderia roubar uma das facas da cozinha e ameaçar Liam até que ela me mostrasse como sair da ilha.

Provavelmente havia internet ali e eu poderia falar com o mundo externo.

Eu estava tão empolgada que quase gritei.

Eles achavam mesmo que eu era tão inofensiva? Meu comportamento obediente até o momento fizera com que pensassem que eu continuaria sendo uma prisioneira mansa?

Não podiam estar mais errados.

Era de Rael que eu tinha medo, não de Liam. Com os dois na ilha, atacar Liam teria sido inútil e perigoso.

Agora, no entanto, poderia fazer isso.

Uma hora depois, fui silenciosamente até a cozinha. Como esperava,Liam não estava lá. Era cedo demais para preparar o jantar e tarde demais para o almoço.

Eu estava descalça para não fazer barulho. Olhando cuidadosamente em volta, abri uma das gavetas e tirei um facão grande, testando-o com o dedo para ver se estava afiado.

Uma arma. Perfeito.

O vestido que eu usava tinha um cinto fino e usei-o para amarrar a faca nas costas. Era um suporte rudimentar, mas manteve a faca no lugar. Torci para não cortar o traseiro com a lâmina, mas, mesmo se isso acontecesse, era um risco que valia a pena correr.

A próxima aquisição foi um vaso de cerâmica grande. Era tão pesado que mal consegui erguê-lo sobre a cabeça com os dois braços. Imaginei que um crânio não seria páreo para algo como aquilo.Quando estava com as duas coisas, fui procurar Liam.

Eu o encontrei no pórtico, encolhida com um livro no colo em um sofá confortável, desfrutando do ar fresco e da bela vista do oceano. Ele não olhou quando espiei pela porta aberta e entrei rapidamente, tentando planejar o que fazer em seguida.

Meu plano era simples. Eu precisava pegar Liam desprevenida e bater na cabeça dela com o vaso. Talvez amarrá-lo com alguma coisa. Depois, poderia usar a faca para ameaçá-la e fazer com que me deixasse entrar em contato com o mundo externo. Assim, quando Rael voltasse, eu já poderia ter sido resgatada e prestado queixa.

Só precisava agora de um bom local para a emboscada.

Olhando em volta, percebi um pequeno recesso perto da entrada da cozinha. Quem estivesse saindo do pórtico, como imaginei que Liam faria, não veria nada naquele recesso. Não era o melhor lugar para me esconder, mas era melhor do que atacá-la abertamente. Fui até lá e encostei-me na parede, deixando o vaso no chão ao meu lado onde poderia pegá-lo facilmente.

Respirando fundo, tentei conter o tremor das mãos. Eu não era uma pessoa violenta, mas lá estava, pronta a bater com o vaso na cabeça de Liam. Eu não queria pensar nisso, mas não consegui evitar imaginar o crânio dela aberto, com sangue e pedaços de cérebro por toda parte, como em um filme de terror.

A imagem me deixou enjoada. Eu disse a mim mesma que não seria assim, que ele provavelmente acabaria apenas com um ferimento feio ou uma concussão

leve.

A espera pareceu interminável. Cada segundo parecia uma hora. Meu coração batia com força e eu suava, apesar de a temperatura dentro da casa ser menor do que o calor do lado de fora.

Finalmente, depois de esperar o que pareceram horas, ouvi os passos de Liam. Pegando o vaso, ergui-o cuidadosamente acima da cabeça e prendi a respiração quando ele entrou pela porta aberta.

Ao passar por mim, segurei o vaso firmemente e abaixei-o sobre a cabeça dele.

E errei. No último momento, Liam deve ter ouvido algum movimento, pois o vaso bateu em seu ombro.

Ele gritou de dor, colocando a mão no ombro.

— Sua vadia idiota!

Soltei uma exclamação e tentei erguer o vaso novamente, mas foi tarde demais. Ele agarrou o vaso, que caiu no chão, quebrando-se em uma dezena de pedaços entre nós.

Saltei para trás, colocando a mão direita nas costas tentando freneticamente pegar a faca. Merda, merda, merda. Consegui segurar o cabo e puxá-la. Mas, antes que conseguisse fazer alguma coisa, ela agarrou meu braço direito, movendo-se depressa como uma cobra. A mão dele parecia de aço em volta do meu pulso.

O rosto dele estava vermelho e os olhos brilhavam quando ele torceu meu braço dolorosamente para trás.

— Solte a faca, Vivian — ordenou ele rispidamente com a voz cheia de fúria.

Em pânico, tentei bater no rosto dele com a outra mão, mas ele segurou o braço esquerdo também. Claramente, ele sabia como lutar. E, obviamente, era mais forte que eu.

Meu braço direito estava doendo muito, mas tentei chutá-lo. Não podia perder aquela luta, era minha melhor chance de escapar.

Meu pé bateu na perna dela, mas, como eu estava descalça, o dano foi maior nos meus dedos do que na canela dele.

— Solte a faca, Vivian, ou vou quebrar seu braço — sibilou ele. Eu sabia que ele falava sério. Meu ombro parecia prestes a soltar da articulação e minha visão ficou escura quando ondas de dor desceram pelo braço.

Aguentei mais um segundo e acabei soltando a faca, que caiu no chão com um barulho alto.

Liam imediatamente me soltou e abaixou-se para pegar a faca.

Eu recuei, respirando pesadamente, com lágrimas de dor e frustração queimando os olhos. Eu não sabia o que ele faria comigo agora e não queria descobrir.

Portanto, corri.

Eu era rápida e estava em boa forma. Ouvi Liam me perseguindo e chamando meu nome, mas duvidava que ela tivesse feito aquilo antes.

Corri para fora da casa em direção à praia. Pedras, gravetos e cascalhos machucaram meus pés, mas mal senti.

Eu não sabia para onde estava correndo, mas não podia deixar que Liam me alcançasse. Não podia deixar que me prendesse no quarto ou coisa pior.

— Vivian!

Que merda, ele também era bom corredor. Eu acelerei, ignorando a dor nos pés.

— Vivian, não seja idiota! Não há para onde ir!

Eu sabia que era verdade, mas não poderia mais ser uma vítima passiva.

Não poderia mais ficar sentada dentro daquela casa, comendo a comida de Liam e esperando a volta de Rael.

Não poderia deixar que ele me machucasse de novo e, em seguida,que fizesse meu corpo desejá-lo.

Os músculos das pernas doíam e os pulmões não recebiam ar suficiente.

Desconectei-me do desconforto, fingindo que estava em uma corrida com a linha de chegada a cerca de cem metros à frente.

Pareceu que estava correndo havia muito tempo. Quando olhei para trás, vi que Liam ficava cada vez mais para trás.

Diminuí um pouco o ritmo. Não conseguiria sustentar aquela velocidade por muito mais tempo. Sem pensar muito, fui para o lado rochoso da ilha, onde poderia subir nas rochas e desaparecer no bosque sobre elas.

Levei mais dez minutos para chegar lá e não vi mais Liam atrás de mim.

Corri um pouco mais devagar ao subir as rochas. Agora que estava fora do perigo imediato, senti os cortes nos pés descalços.

Foi uma subida lenta e torturante. Minhas pernas estavam trêmulas por causa do esforço e senti uma dormência pós-adrenalina. Mesmo assim, consegui chegar ao topo da colina e ao bosque.

A vegetação tropical estava à minha volta, escondendo-me. Andei mais um pouco, procurando um bom lugar para descansar.     Não seria fácil me achar ali.

Pelo que eu me lembrava da exploração que fizera mais cedo, a floresta cobria uma parte grande daquele lado da ilha.

Eu estaria segura por enquanto.

Quando a noite começou a cair, encontrei abrigo sob uma árvore grande,

onde a vegetação era particularmente impenetrável. Limpei uma parte do chão, verificando se não havia algum formigueiro por perto nem nada mais que pudesse me picar. Em seguida, me deitei, ignorando a dor latejante nos pés feridos.

Não foi a primeira vez que agradeci meu pai por me levar para acampar quando eu era pequena. Graças às orientações dele, eu me sentia confortável com a natureza em toda sua glória. Insetos, cobras, lagartos, nada disso me incomodava. Eu sabia que deveria ter cuidado perto de certas espécies, mas não sentia medo.

Eu estava com muito mais medo das cobras que me levaram para aquela ilha.

Agora que estava longe de Liam, consegui pensar um pouco mais claramente.

Aquele corpo esbelto e em boa forma dela claramente não era devido a exercícios leves. Ele era forte, provavelmente tão forte quanto alguns homens, e certamente muito mais forte do que eu.

Ele também parecia ter tido algum treinamento especial, talvez em artes marciais. Eu cometera um erro ao tentar fazê-la prisioneira. Deveria ter enfiado a faca nas costas dele quando ele não estivesse olhando.

Mas não era tarde demais. Ainda poderia voltar silenciosamente para a casa e surpreendê-la. Eu precisava de acesso àquela internet e imediatamente, antes que Rael voltasse.

Eu não sabia o que ele faria comigo por atacar Liam... e não queria descobrir.

Uma estranha sensação me acordou depois de um bom tempo. Quase parecia...

— Ai, merda!

Eu saltei, tentando tirar a aranha de pernas longas que passeava pelo meu braço.

A aranha voou longe e passei as mãos freneticamente pelo rosto, pelos cabelos e pelo corpo, tentando me livrar de outros possíveis rastejadores.

Eu não tinha medo de aranhas, mas não gostava nem um pouco de tê-las em mim.

Não foi a forma mais agradável de acordar.

Meu coração gradualmente voltou ao normal e avaliei a situação. Eu estava com sede e o corpo inteiro doía de ter dormido no chão duro. Eu também me sentia suja e com dor nos pés. Erguendo uma das pernas, olhei para a sola do pé, achando que havia sangue seco nele.

Minha barriga roncou de fome. Eu não jantara na noite anterior e estava faminta.

Por outro lado, Liam ainda não me encontrara.

Eu não sabia o que faria em seguida. Talvez voltar para a casa e tentar emboscar Liam novamente.

Pensei no assunto e decidi que provavelmente era o melhor a fazer àquelas alturas. Cedo ou tarde, Liam ou Rael me encontraria.    A ilha não era tão grande assim e eu não conseguiria me esconder deles por muito tempo. E não podia arriscar perder tempo, caso Rael voltasse antes do esperado. Dois contra um não era algo muito bom.

Eu também ficava com mais fome a cada minuto e, quando não comia regularmente, tinha a tendência a ficar tonta.      Provavelmente conseguiria encontrar água fresca para beber, mas seria mais difícil encontrar comida. Eu não sabia de onde Liam pegava as mangas. Se eu tentasse me esconder por mais dois dias, talvez estivesse fraca demais para atacar alguém, muito menos

uma mulher que parecia uma maldito samurai guerreiro.

Além do mais, talvez ele não estivesse esperando que eu voltasse tão cedo e seria bom ter o elemento surpresa.

Portanto, respirei fundo e comecei a caminhar, ou melhor, a mancar de volta para a casa. Eu sabia que talvez as coisas não terminassem bem para mim, mas não tinha opção. Ou eu lutava agora ou seria uma vítima para sempre.

Demorei cerca de duas horas para voltar. Precisei parar e respirar fundo algumas vezes quando não tolerei mais a agonia nos pés.

Era um pouco irônico eu ter escapado por ter medo da dor e acabar ferindo-me tanto ao fazer isso. Rael provavelmente adoraria me ver daquele jeito. Aquele idiota pervertido.

Finalmente, cheguei à casa e abaixei-me atrás de alguns arbustos grandes perto da porta da frente. Eu não sabia se a porta estava trancada, mas não achei que poderia simplesmente usar a entrada principal. Até onde sabia, Liam poderia estar bem ali, na sala de estar.

Não, eu precisava ser um pouco mais estratégica.

Depois de alguns minutos, dei a volta cuidadosamente até a parte de trás, perto do pórtico grande onde atacara Liam no dia anterior.

Para meu alívio, não havia ninguém lá.

Tomando cuidado para não fazer barulho, abri a porta de tela e entrei no pórtico. Na mão, tinha uma pedra grande. Eu preferiria ter uma faca ou uma arma, mas a pedra teria que servir.

Andando agachada até uma das janelas, olhei para dentro e fiquei grata ao ver que a sala de estar estava vazia.

Endireitando o corpo, andei até a porta de vidro que levava à sala de estar, abri-a devagar e entrei.

A casa estava completamente silenciosa. Não havia ninguém na cozinha nem arrumando a mesa.

O relógio digital na sala de estar mostrava 07h12. Torci para que Liam ainda estivesse dormindo.

Ainda segurando a pedra, entrei na cozinha e encontrei outra faca.Segurando as duas, fui devagar para o segundo andar.

O quarto de Liam era o primeiro à esquerda. Eu sabia disso porque ele me dissera ao me mostrar a casa.

Prendendo a respiração, abri a porta silenciosamente... e congelei.

Sentada na cama, estava a pessoa que eu mais termia.

Rael.

Ele voltara mais cedo.

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