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Capítulo 4 - Amores inimigos

Enfim, precisamos compreender que o amor está sempre acima do bem ou do mal. O amor é um sentimento à parte em que cada pessoa enxerga e sente de maneiras diferentes as suas manifestações. Amor não é propriedade. O amor é posse. Estejam todos com Deus e vão em paz.

Sob muitos aplausos e os olhares compenetrados dos presentes, Alfredo encerrou sua palestra no encontro de casais promovido pela paróquia da cidade, a pequena, embora, próspera, Feliz, situada no planalto central do Brasil, em pleno cerrado do interior de Goiás.

Alfredo e Gisele, um jovem casal, de formação e convicções cristãs, bastante ligados às atividades da igreja foram os coordenadores daquele encontro, um dos primeiros eventos ocorridos na igreja, após o fim das restrições da pandemia.

Estavam todos muito ansiosos e felizes pelos temas que seriam apresentados e debatidos durante o fim de semana em que ocorreu o evento, apesar do clima seco, característico da estação de inverno na região, ter deixado seca a paisagem interiorana da pequena cidade, tingida pelo tom sépia de suas matas, contrastadas com o céu límpido de extremo azul, sobretudo, nas manhãs, com o tempo ainda ameno, cuja temperatura vai se elevando ao longo do dia, até esfriar novamente lá pelas madrugadas de céu estrelado.

Alfredo e Gisele já estavam casados há cerca de dez anos e desfrutavam de uma vida confortável na capital goiana, fruto do sucesso empreendedor de Alfredo que começara a trabalhar ainda menino para ajudar o pai nos trabalhos da roça, ali mesmo na cidade de Feliz, onde nascera, enquanto sua mãe cuidava dos afazeres da casa, tal qual ocorria com Gisele, dona de casa, com alguns sonhos reprimidos, aos quais tivera de renunciar em razão do casamento.

Ainda rapaz solteiro, Alfredo herdara do pai um bom pedaço de terra, ao qual com seu espírito empreendedor e trabalhador, fez transformar num grande empreendimento empresarial ligado ao agronegócio. Bastante religioso, conhecera Gisele em uma das festividades da paróquia de Feliz, por quem se sentiu atraído. Algum tempo depois, após sua mudança para Goiânia, por força do destino e a vontade de Deus, ele dizia, voltariam a se encontrar.

Gisele, até então, sem muitas perspectivas, ficara órfã de pai e mãe ainda menina, ali pelos seus doze anos de idade e passou a ser criada pelos tios paternos, humildes lavradores. Com eles, aprendeu a executar tarefas domésticas, embora, isso lhe custasse um de seus maiores sonhos.

O sonho de estudar e de ser professora. Contudo, tinha a proteção, sobretudo, do tio Zeca, que lhe dava bastante carinho, carinho excessivo até, ao ponto de muitas vezes amedrontar a menina moça, já adolescente, quase mulher, anos depois.

Apesar dos quase dez anos de casados e com boa estabilidade financeira, ainda não tinham filhos, fato que muito incomodava Alfredo, logo ele, um palestrante para casais. Todavia, o incômodo era sempre atenuado pela enorme crença nos desígnios de Deus, em razão de ainda não ser da vontade divina, assim, ele justificava aos amigos e irmãos da igreja, pelo menos não até aquela altura da vida, o fato de ainda não terem filhos.

Essa tênue aceitação do fato de não terem filhos, porém, muitas vezes se perdia ou descompensava na relação entre os dois, no convívio íntimo do casal, que não necessariamente se entendiam, como faziam demonstrar no convívio público, junto aos fiéis irmãos da igreja.

O jogo de aparências conveniente é que transmitia a credibilidade das experiências de vida conjugal narradas pelo casal nos encontros que presidiam e que se desfaziam no dia a dia íntimo dos dois.

Alfredo sempre cobrava de Gisele a responsabilidade por não ter filhos, a qual atribuía o desinteresse dela pelo sexo, o sexo necessário à procriação, tal qual previsto nos ensinamentos bíblicos e na assertiva de que a esposa deveria servir ao esposo.

“O Sagrado Magistério da Igreja ensina que não há problema algum em os esposos desejarem prazer no ato sexual e o gozarem, desde que isso seja vivido nos justos limites. O próprio Criador estabeleceu que nesta função os esposos sentissem prazer e satisfação no corpo e no espírito. Portanto, os esposos não fazem nada de mal em procurar este prazer e em gozá-lo.”

Esse era o argumento de Alfredo para justificar suas investidas junto à Gisele em busca do sexo que lhe traria o prazer permitido e geraria filhos.

Gisele por vezes cedia e aceitava as investidas do marido, contudo, não era prazeroso e, ao contrário, remetia a terríveis lembranças do passado.

Eram lembranças de violência e de abuso, nada condizentes com algo que possa ser no mínimo considerado sagrado ou divino. Algo que somente ela sabia, somente ela sentia e guardava para si, sob a forma de um pesadelo sem fim, que se repetia a cada investida do marido.

Eram lembranças do tio Zeca, com seu amor paternal, com seus presentes, seus agrados, seus doces, suas guloseimas, mas, também, com suas carícias sexuais, seus abusos e sua violência repugnante em forma de carinho, que ela não entendia bem.

As lembranças sempre vinham durante o sexo com o marido. Era como ver o tio Zeca sobre ela, tirando-lhe a roupa, tocando seus seios, suas pernas e sua genitália em troca de doces e presentes. Com o marido a sensação era a mesma, a de ser abusada em cada ato sexual, em troca de dar-lhe um filho.

—Não quero! hoje não. Não estou passando bem!

—Puta que pariu Gisele! A desculpa é sempre a mesma. Você nunca está afim. O que está acontecendo? Por acaso você está me traindo? Nem pense numa coisa dessas. Se eu descobrir algo assim eu te mato.

—Trair que jeito, Alfredo? Mal saio de casa. Passei a sair depois que eu voltei a estudar e começar o curso de pedagogia, por causa de meu sonho de ser professora e que você criou um caso danado, pois não queria que eu estudasse.

—Eu não queria mesmo. Aliás, eu não quero. Você está fazendo esse curso contra a minha vontade. Maldita a hora em que eu concordei. E concordei somente porque a Adriana, sua amiga da igreja te convidou e me convenceu a concordar. Eu te dou tudo do bom e do melhor aqui. Não deixo te faltar nada. Qual a finalidade de fazer pedagogia e ser professora? Além do mais você fica o dia inteiro no computador e boa coisa você não deve estar vendo pela internet. Volto a dizer, se eu te pegar com sem-vergonhice eu te mato. Quem avisa amigo é.

—Meu sonho é ser professora, trabalhar com crianças.

—Ah tá, muito engraçado isso. Você não quer ser mãe, evita de fazer sexo comigo e quando faz eu tenho que bater uma punheta para gozar porque você dá chilique. Não me venha com essa história de trabalhar com criança, sua vagabunda. Me conte outra.

Invariavelmente as discussões entre os dois tinham basicamente o mesmo enredo, as mesmas cobranças, as mesmas lamentações e as mesmas ofensas desferidas por Alfredo.

Gisele por mais que argumentava, acabava se sentindo culpada e se rendia às ameaças do marido, muitas vezes seguidas de pequenas agressões e violência sexual, as quais, dias depois eram atenuadas com pedidos de desculpas feitas por Alfredo e a promessa, nunca cumprida, de que tais coisas não iriam mais acontecer.

Os sentimentos de culpa e sonhos reprimidos eram coisas que povoavam os sentimentos de Gisele desde a adolescência, sobretudo, relacionadas aos abusos cometidos pelo tio Zeca, abusos que aumentaram de intensidade, assim que ele ficara viúvo da tia Maria que falecera precocemente vítima de câncer no útero.

Em sua última investida contra Gisele, ela, já com seus dezesseis anos, foi a causadora de uma tragédia envolvendo o tio Zeca. E ela o fez para se defender de uma violência, a qual não aguentava mais.

Ainda era manhã no pequeno sítio em que o tio Zeca vivia e trabalhava como lavrador. Gisele se preparava para começar o almoço em um fogão à lenha, cuja madeira ela mesma havia cortado para produzir o carvão que serviria para cozinhar, ferver a roupa suja e depois engomar num precário e antigo ferro à brasa, algo típico nas pequenas propriedades da região daquele interior de Goiás, meio perdida no tempo.

Era verão e o tempo estava chuvoso, apropriado para o plantio na pequena lavoura que seu tio Zeca produzia para o auto sustento e venda do pequeno excedente a atravessadores da região.

Um riacho aos fundos da propriedade era usado para irrigar a pequena lavoura e fornecer a água necessária para beber e fazer a higiene pessoal e demais atividades domésticas da rústica propriedade.

Tio Zeca, apesar de ter pouco mais de quarenta anos, tinha aparência envelhecida, algo próximo dos sessenta anos ou mais, cabelos e barba sempre por fazer já grisalhos em razão do vício em tabaco, álcool e o trabalho braçal na lavoura, muitas vezes debaixo de sol a pino, além de algumas complicações cardíacas e de visão, em razão do diabetes não tratado.

Como de costume, sempre chegava bufando de fome da lida na terra e exigia a comida pronta, sem antes importunar a filha adotiva, então companhia feminina para as atividades domésticas, após o falecimento da esposa.

Suas investidas aconteciam com frequência, onde na maioria das vezes embriagado, a tocava em suas partes íntimas e a obrigava tocá-lo, beijá-lo e fazer sexo oral até que ele gozasse, para depois se acalmar e servir-se do almoço sem pronunciar uma só palavra. Apenas comia, comia, comia e bebia cachaça, para depois deitar-se numa rede e dormir.

Gisele notou quando o tio se aproximou aos berros, com uma garrafa de cachaça na mão, se dizendo faminto e xingando-a de vagabunda.

Ela estava envolvida com as roupas para passar, outras fervendo em uma lata cheia de água num dos fogareiros do enorme fogão a lenha e o ferro de passar em brasa, engomando algumas roupas, quando o tio Zeca se aproximou raivoso, com os seus olhos castanhos esbugalhados e avermelhados pelo consumo de cachaça.

—Estou com fome, sua desgraçada. Cadê a comida; ainda não está pronta, vagabunda? Hoje eu vou beber, comer e dormir. Hoje não vou mais para a lavoura. Está chovendo muito.

Gisele nada disse. Apenas observou a aproximação do tio que investiu sobre ela, apalpando suas nádegas, por dentro do vestido de chita e colocando a mão entre suas pernas.

Gisele sentiu seu corpo estremecer, sua boca secou e seu coração disparou, não de excitação, mas, sim, de raiva e ódio. Com suas mãos trêmulas, empunhando o ferro em brasa, apenas sentiu um arrepio atravessando a sua espinha.

Foi quando percebeu o pênis do tio roçar a sua perna. Ele estava nu e dizia que iria penetrá-la por trás.

—Hoje eu quero você vagabunda. Hoje eu quero sua bunda vaga, puta desgraçada.

Gisele explodiu em ódio, virando-se rapidamente com o ferro de passar em suas mãos e empurrou-o na direção do órgão genital do tio que deu um salto para trás e caiu no chão aos berros, com o ferro grudado em seu pênis e testículos.

O cheiro de pele e pelos queimados exalaram imediatamente em meio aos urros de muita dor e agonia sentidas pelo tio, estendido ao chão, indefeso, agora invalidado, cozido, assado, frito, moído de dor mortal pelo colapso cardíaco que sofrera, imediatamente ao ataque da filha adotiva.

Tio Zeca estava morrendo. Assim ela o deixou, agonizante até a morte e fugiu levando algumas economias, enquanto via a pequena casa se incendiar pelo fogo que se espalhou com a cachaça derramada.

E foi após essa tragédia que um ano depois conheceu Alfredo, quando fora trabalhar para ele, como doméstica, em um apartamento que ele acabara de comprar em Goiânia, fruto do seu sucesso empresarial, após herdar propriedades do pai e transformar tudo num grande e lucrativo empreendimento ligado ao agronegócio.

Alfredo, sempre muito trabalhador, com um excelente tino para negócios, em pouco tempo viu seus empreendimentos prosperarem. Jovem, solteiro e com boa condição financeira, acabou se apaixonando por Gisele poucos meses depois que a contratara como doméstica.

Daí até o casamento fora apenas uma questão de pouco tempo; o que para Gisele representava a possibilidade de novas perspectivas de vida. Afinal, estava sozinha. Não tinha quem a protegesse.

A sensação de estar protegida, contudo, vinha sendo cada vez mais abalada pelas agressões que sofria do marido pelas suspeitas de que ela o traía, algo que o levara a persegui- la e vigiá-la em razão de um ciúme doentio e pelo fato de se sentir rejeitado por ela.

Desde que começara o curso de pedagogia não tivera mais sossego e as crises de ciúme eram constantes, piorando sempre que ela ousava em pedir a separação.

Afinal, Gisele sabia que se havia alguma traição, essa traição partia exatamente do marido que mantinha às escondidas um relacionamento com a amiga Adriana. Isso ela soube por acaso e preferiu não fazer nenhum alarde. De uma certa forma, o fato dele ter uma amante possibilitaria a ela não sofrer as investidas do marido. Enganava-se. Não era isso que ocorria.

—Eu já pedi desculpas Gisele, te dei um carro novo de presente, troquei toda a mobília da casa e já comprei as passagens para aquela viagem que você sempre sonhou em fazer para a Europa. Eu morro de medo de viagem de avião, mas, vamos fazer essa viagem para te agradar. E você fica com essa frescura, todo dia um problema diferente; essa dor de cabeça que não acaba nunca. Mas, fique sabendo, vou dizer novamente, se eu descobrir traição eu te mato.

—Alfredo, eu não te pedi presente nenhum, não pedi carro novo e nem entendi porque você me deu esse carro se eu apenas saio para ir à faculdade com a Adriana. Pergunte a ela, ela vai dizer o que você quer saber. Você fala nela o tempo todo.

—Filha da puta, o que você quer insinuar com isso?

—Não estou insinuando nada. Se você está me escondendo alguma coisa é problema seu. Eu estou tranquila. Mas, eu já disse que quero a separação.

—Eu vou é te meter uma porrada. Não aceito a separação. Somos casados com comunhão de bens. Você quer separar para ficar com a metade de tudo o que eu construí, trabalhando a vida toda. Vadia!

E não demorou um segundo para Alfredo dar-lhe um soco no rosto, empurrando- a para a cama e caindo sobre ela, obrigando-a a beijá-lo.

Forçosamente ele a imobilizou, arrancando-lhe a roupa com força a ponto de machucá-la. Gisele tentava se desvencilhar da agressão, mas, Alfredo, com seu corpanzil pesado e musculoso a impedia.

Ele, com seus quase quarenta anos de idade, alta estatura e bastante forte, adorava se apresentar como uma pessoa rude, violenta, sempre disposto a briga e exibindo suas armas que colecionava, sob o pretexto de garantir a segurança da família.

Bem diferente da esposa, ainda jovem e bela, menos de trinta anos de idade, de corpo meigo e frágil, apesar de algumas marcas do tempo potencializadas pelas atividades domésticas que sempre realizou e as agressões também domésticas que sempre sofreu, desde a infância, zelando dos pais adotivos, sobretudo, o tio Zeca, a quem ela abandonara, ferido, numa casa se incendiando. Ainda pagaria por isso, ela pensava.

Gisele, apesar da fragilidade, debatia-se tentando se safar das agressões e da tentativa de estupro por parte do marido ensandecido. Foi quando conseguiu num golpe de pernas, afastar o corpanzil do marido com um chute nos testículos.

Alfredo caiu no chão se contorcendo de dor prometendo matá-la, aos gritos, com o olhar cheio de ódio, tremendo e transpirando de raiva. Levantou-se e mesmo com muita dor saltou novamente sobre ela e dessa vez com as mãos grudadas no pescoço da esposa, com a intenção de lhe asfixiar.

Gisele voltou a se debater, porém, já sem fôlego, praticamente asfixiada, quase desfalecendo, enquanto seu pescoço era apertado com as fortes mãos de Alfredo. Bastou para que ela perdesse os sentidos.

Alfredo levantou-se, desesperado. Acabara de cometer um crime.

Havia assassinado a esposa, a mulher a quem tanto amava e protegia.

O mundo desabou sobre sua cabeça ao vê-la, desfalecida, completamente machucada. Sua ira aumentou ainda mais, em total descontrole psicológico.

Ele precisaria acabar com todo aquele inferno de uma vez por todas. Afinal, o diabo havia se apoderado de sua mulher e agora o estava rondando, desejoso de possuir o seu corpo e sua alma; toda a vida dedicada a cumprir os desígnios de Deus, sempre temeroso aos mandamentos divinos, fiel aos preceitos da igreja e cumpridor do papel de esposo que desejava apenas realizar a sua necessidade de ter prazer, assim como estava permitido e assim como ele sempre se reportava relembrando em seus pensamentos uma afirmação de caráter religioso.

“O Sagrado Magistério da Igreja ensina que não há problema algum em os esposos desejarem prazer no ato sexual e o gozarem, desde que isso seja vivido nos justos limites. O próprio Criador estabeleceu que nesta função os esposos sentissem prazer e satisfação no corpo e no espírito. Portanto, os esposos não fazem nada de mal em procurar este prazer e em gozá-lo.”

O pecado não estava nele e sim em Gisele que o seduzia com sua beleza e ternura, a sua fidelidade e lealdade e depois se esquivava, como numa provocação demoníaca.

—Vadia, você acabou com minha vida.

Alfredo, completamente transtornado e fora de si foi até um pequeno armário no quarto e abriu uma das gavetas. Apossou-se de uma arma, uma pistola 765 já carregada.

Olhou fixamente para o objeto, como se fitasse uma imagem sagrada, algo que lhe desse proteção, capaz de solucionar os seus conflitos. Abraçou a arma, apertando-a sobre o peito. Abraçado com a arma, virou-se e olhou para o corpo de Gisele estendido na cama.

Apontou a arma para a esposa, enxergando nela a figura do próprio demônio, fosse Lúcifer, fosse Lilith, fosse o diabo travestido naquela figura de mulher, agora desejando sua própria alma.

Alfredo chorou e sorriu ao mesmo tempo, tentando zombar do demônio que estava ali à sua espreita, desejando seu corpo, sua mente e sua alma.

Alfredo não iria permitir tal sacrilégio. Abraçou novamente a arma e bruscamente apontou-a para o seu próprio queixo, pressionando o cano da pistola em posição vertical e acionou o gatilho.

Um estampido seco ecoou pelo quarto no memento em que seu corpo desmoronava já morto, porém, convulsivo, com parte da cabeça estourada, fazendo jorrar sangue por todo o quarto.

Com o barulho Gisele despertou, meio inconsciente, ofegante, com dificuldade para respirar e tossindo muito. Havia tido uma pequena parada cardíaca em razão da asfixia, mas, que por alguma razão, tornou-a à vida.

Gisele observou o corpo do marido estatelado ao chão, os miolos estourados e uma pistola na mão. Alfredo estava morto. Imediatamente, ela ligou para a polícia e pediu socorro.

Alguns minutos mais tarde as autoridades policiais, legistas e socorristas, além da imprensa, chegaram em sua residência.

Gisele foi encontrada sentada à beira da cama, tremendo muito e em completo estado de choque, olhando o corpo do marido.

Os socorristas lhe prestaram os primeiros atendimentos e a colocaram em uma ambulância.

Alguns dias depois, ainda hospitalizada, recebera a visita de Adriana, a amiga, que havia lhe levado flores e lhe dera todo o apoio de que precisava para a sua recuperação.

Enquanto conversavam sobre todas as coisas que aconteceram, Gisele foi informada por uma auxiliar de enfermagem do hospital que um oficial de justiça a estava procurando e desejava lhe fazer um comunicado.

—Senhora Gisele, eu sou oficial de justiça e sinto lhe informar que há um processo criminal contra seu nome, considerando-a inclusive foragida da justiça, em razão de uma suspeita de assassinato que lhe recai relacionada à morte do seu tio Zeca. Há também, uma outra investigação para apurar o grau de envolvimento da senhora na morte de seu marido. Sinto dizer que a senhora, tão logo receba alta, será conduzida à delegacia para prestar esclarecimentos, bem como lhe será expedido um auto de prisão preventiva. Assine aqui, por favor.

Eles são brancos, negros, jovens, adultos, coroas, ricos, pobres, remediados, assalariados, pais de família, cidadãos ‘de bem’. A grande maioria sem antecedentes criminais, pouquíssimos com histórico de doença mental. Os agressores de mulheres não são monstros, não são loucos. São homens comuns. E é aí que mora o perigo.

“O perfil do agressor é uma amostra do homem brasileiro, é o cara normalzão”, garante Tales Furtado Mistura, principal coordenador do grupo Masculinidade, criado em 2006, ano da aprovação da Lei Maria da Penha, para promover encontros para ressocialização de homens acusados de violência doméstica ou de gênero.

A maioria não enxerga a agressão que comete como crime. “Acham que só é violência quando sai sangue, dizem que a lei avalia o ato, não o contexto, têm uma visão pobre de masculinidade. Para eles, ser homem é ser dominador, esse é o homem que ele foi ensinado a ser. Quando sente seu poder ameaçado, reage com violência”, explica Mistura.

Trecho extraído da matéria “Matadores de mulheres” disponível em: MATADORES DE MULHERES - R7 Estúdio - R7 R7 Estúdio.

Que todas as Mulheres, não só hoje, mas todos os dias, sejam livres de qualquer violência e que não lhe sejam negados direitos à vida. Que sejam associadas a respeito e dignidade.

Maria Simão Torres

Os dados aqui apresentados têm como fonte os boletins de ocorrência das Polícias Civis das 27 Unidades da Federação e indicam um leve recuo nos registros de feminicídio em 2021, ao mesmo tempo que apontam o aumento dos registros de estupro e estupro de vulnerável no mesmo ano. Os dados preliminares de violência letal contabilizam

1.319 mulheres vítimas de feminicídio no último ano, decréscimo de 2,4% no número de vítimas; e 56.098 estupros (incluindo vulneráveis), apenas do gênero feminino, crescimento de 3,7% em relação ao ano anterior. Os números de registros de crimes contra meninas e mulheres aqui apresentados visibilizam o quadro de violência vivenciado por elas durante a pandemia. Apenas entre março de 2020, mês que marca o início da pandemia de covid-19 no país, e dezembro de 2021, último mês com dados disponíveis, foram

2.451 feminicídios e 100.398 casos de estupro e estupro de vulnerável de vítimas do gênero feminino.

Fonte: violencia-contra-mulher-2021-v5.pdf (forumseguranca.org.br)

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