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Capítulo 5

*Sienna*

Estou ferrada. Muito ferrada.

Depois que estive no matadouro de Nicholas Russel, alguma coisa parece ... diferente. Em vez atacá-lo, sempre que nos esbarramos no corredor do edifício, eu só desvio os olhos e sigo o meu caminho, rápido, como se estivesse com o corpo em chamas.

Por algum motivo, não quero que ele note a minha existência.

Só que, por algum outro motivo, eu também quero o contrário. Com a mesma intensidade.

Esse conflito de interesses está me deixando maluca.

Hoje é sábado e London decidiu que não vai me deixar em paz se eu não arrastar minha bunda para fora do sofá, tirar o pijama quentinho e me tornar uma versão mais interessante e glamourosa de mim mesma. Mas não sou do tipo de garota toda sensual e feminina, não tenho a menor ideia do que fazer com um estojo de maquiagem e, definitivamente, não sei flertar com caras em um bar.

Por isso, a ideia é mais do que ridícula. É uma perda de tempo.

Ainda assim, algumas horas depois, lá estou eu no The Punky, o pequeno pub subterrâneo com acesso por uma escadaria de madeira circular. É tão escuro e tem tanta fumaça lá dentro, que mal consigo enxergar London acenando para mim, atrás do balcão.

Minha amiga London é uma deusa. Seu cabelo longo e dourado e os olhos azuis, cobertos por maquiagem escura, chamam a atenção de onze entre dez caras em qualquer lugar. Sobre botas pretas de vinil e cano longo, e jaqueta jeans rasgada, ela sacode coqueteleiras como se sua vida dependesse disso. E depende. London é uma dos três baristas do Punky. Na verdade, ela é a melhor deles, só que não fica se gabando por aí.

- Ei, Bunny - ela me chama pelo apelido ridículo que me deu quando nos conhecemos. Bunny, como um coelhinho assustado. - Então você veio. Pensei que ia ter que fazer uma pausa e te arrastar pelas orelhas.

- Imagina só se eu ia dar todo esse trabalho - faço o possível para ela me escutar apesar da música berrando no último volume. - Onde está Amberly?

- Trepando como coelho só Deus sabe onde.

- Acho que Deus prefere não ter conhecimento desse tipo de coisa - eu digo e sua voz rouca e sensual estronda em uma gargalhada. - Soube que vai ter uma banda aqui, essa noite.

- Tem uma banda toda noite, Sienna.

- Ah, é? - eu batuco os dedos sobre a superfície de maneira polida, o que chama a atenção de London para mim.

- Está atrás de qual deles? - ela sorri, com curiosidade. - Vocal, guitarra, bateria ou contrabaixo?

- Você está equivocada - bato os cílios de maneira inocente. Então suspiro. - Guitarra. Você viu ele?

London escancara a boca. Um dos clientes grita, perguntando pela bebida, mas ela faz um gesto para que ele cale a boca.

Ela levanta os olhos para mim, impressionada.

- Uau, Nick Russel? Achei que você quisesse arrancar as tripas dele fora.

- E eu quero.

- O que não quer dizer que não possam dar uma rapidinha antes, não é? - ela pisca um olho, servindo doses gêmeas de uísque para um grupo de caras do meu lado.

- Mais ou menos. Eles já chegaram?

- Estão se preparando. Vão subir em meia hora - London aponta com o queixo na direção do palco que ocupa a metade do lugar. A outra metade ficou  reservada para o bar e um espaço irrisório, onde as pessoas se espremem para beber e assistir o show. - Se prepara que, hoje, ele está um gostoso.

Eu reviro os olhos, mas meu estômago se aperta dolorosamente.

- Vou procurar Amberly - aviso, me afastando do balcão.

- Quem procura o que quer, encontra o que não quer - ela grita por cima da música alta, voltando a atenção de novo para os seus clientes.

Eu poderia ter ficado e tomado uma bebida. Só que eu não bebo, o que me torna obviamente ainda mais deslocada na multidão de pessoas rindo e se divertindo.

Odeio lugares assim. Tenho a impressão de que ninguém aqui é o que diz ser, como se estivessem camuflados por máscaras. Todo mundo aqui parece misterioso e sensual, mas aposto que se eu arrancar as máscaras e olhar por baixo delas, vou ver os mesmos nerds aborrecidos que encontro, todos os dias, no hospital.

Para minha surpresa, à minha direita, perto do palco, eu vejo a última pessoa que esperava ver nesse lugar. Cage. O cara que partiu meu coração, semanas atrás. Eu engulo em seco, sem saber o que fazer com as mãos, nem com o resto do corpo. É uma sensação horrível, como aqueles sonhos onde estamos andando peladas na rua.

Tento me esconder atrás de um grupo, mas para o meu completo horror, Cage me nota antes disso. Ele abre um sorriso charmoso que faz minhas entranhas derreterem.

Droga.

Fico dizendo a London e Amberly que eu já superei o término, mas aquilo é uma total mentira, visto que estou perto de me aproximar dele e pedir que, por favor, por favorzinho, me beije. Não há nenhuma mulher perto de Cage, então, talvez, só talvez, não fique estranho se eu me aproximar e...

As luzes se apagam totalmente. Estou prestes a gritar de susto, mas o palco se ilumina, cheio de refletores e, de repente, vejo que a banda já está posicionada sobre ele.

Meus olhos localizam Nick ao lado esquerdo do vocalista. London tinha razão. Ele está um gostoso, com o cabelo meio comprido caindo sobre a testa, a expressão profundamente concentrada e aquela boca que só poderia ter sido esculpida por Eros, o deus do amor.

Os acordes da guitarra de Nick são o prelúdio da música. Sweet Child O'Mine, Guns and Roses. Não tenho nenhuma ligação especial com o mundo do rock n roll, mas quando o som alto e torturado reverbera pelas paredes apertadas, o meu coração se agita e desce direto para o estômago. Minha pulsação acelera. Estou nervosa de um jeito que beira o humilhante.

Mas por que mesmo, hein? Eu nem ligo para Nicholas Russel. Alguns dias atrás, eu queria que ele fosse despejado. E agora...

Agora, eu quero provar a teoria de London. Aquela sobre os caras com barba.

Assisto, hipnotizada, Nick dedilhar as cordas com habilidade e maestria. A testa franzida, o olhar vidrado. Tudo nele é sexy, intenso e tão selvagem que...

Dou um pulo para o lado quando alguém esbarra em mim e um copo cheio de alguma bebida alcóolica nojenta simplesmente detona o jeans e a camiseta que peguei emprestados com London. A calça dela nova e a camiseta branca e preta do Ramones, que parece pequena demais para mim e quase não cobre minha comissão de frente.

Os olhos da garota estão sobre mim, despejando arrogância.

Ela fez de propósito.

- Opa, foi mal - é tudo o que ela diz antes de sair rebolando para longe, mostrando que não dá a mínima.

Trinco o maxilar, fervendo de raiva.

Quem essa idiota pensa que é?

Não sou de armar barraco, odeio chamar a atenção, mas sinto que essa garota ficou me devendo alguma coisa. Por isso, vou atrás dela, para exigir satisfações. Mas acabo perdendo ela de vista, no meio da quantidade exorbitante de gente, e me deparo com Amberly atracada com um cara na porta do banheiro feminino.

- Sienna? - ela fica na ponta dos pés para me olhar por cima do ombro dele, tentando decifrar se eu sou só uma miragem provocada pelo excesso de álcool e hormônios sexuais em fúria. - Sienna, você veio!

Eu abro um sorrisinho, mas os olhos de Amberly escorregam para baixo, na direção da blusa de London e ela abre a boca, soltando um gemido de compaixão.

- O que foi que aconteceu?

- Uma garota jogou bebida em mim.

- Jogou? Você quer dizer, de propósito?

É difícil ignorar o cara com os braços ao redor da cintura da minha amiga, enquanto tento manter uma conversa decente com ela. Especialmente, quando a boca dele está colada no seu pescoço. E seu quadril apertando o dela contra a parede com tanta... paixão.

- A gente se fala depois. Divirta-se.

- Não, Sienna...

- Vou voltar para ver o show - aviso, porque, de onde estou, só consigo ver o mar de cabeças que me separa do palco.

- Sienna, volta aqui...

- Até mais.

- Ei, como era essa cadela estúpida que jogou bebida em você? - Amberly tem uma boca suja que só perde para London.

Penso um pouco antes de responder.

- Morena, cabelo castanho chanel, mais baixa do que eu.

- Como ela está vestida?

- Um vestido verde curto - dou de ombros, sem interesse. - Por que?

Amberly abre um sorriso lento.

- Até logo, Sienna. Vejo você daqui a pouco.

Eu deixo para trás, Amberly se divertindo, e me aperto entre as pessoas para voltar ao mesmo lugar de antes. De lá, tenho uma visão privilegiada do show. E de Nick. Mas o que seria a primeira fila já está preenchida, então tenho que me conformar com uma visão periférica do palco, lá no bar.

Por sorte, a banda está saindo para um intervalo.

Com a inversão de prioridades, as pessoas tendem a fazer uma pausa para matar a sede e aí, talvez, eu consiga um um lugar melhor para ver o restante do show.

London sorri quando nos encontramos de novo.

Pego o único lugar vazio, escorregando para cima da banqueta alta, e me debruço no balcão com cara de cachorro pidão.

- O que foi? - ela pergunta, distraída, secando o balcão.

- Derramaram bebida na sua roupa. 

- Na sua, você quer dizer. 

Eu levanto as sobrancelhas, me afastando o suficiente para ela ver o estrago.

- Puta merda - há um lampejo de fúria nos olhos de London, quando ela vê a camiseta branca manchada. - Quem foi?

Fico agradecida por ela não me perguntar por que peguei sua roupa sem pedir. Mas acho que somos aquele tipo de amigas que pega as coisas uma da outra emprestadas. Eu só nunca havia tentado. 

- Uma garota. Eu compro outra para você, depois. 

- Esquece. Achou Amberly?

- Sim.

- Rezando ou trepando?

Aperto os lábios, rindo, e nem me dou ao trabalho de responder porque ela já sabe.

Minhas amigas são o meu extremo oposto. Quando aluguei o apartamento, eu sabia que, mesmo sendo uma espelunca, eu nunca poderia pagar pelo aluguel inteiro sozinha. Então, a primeira coisa que fiz foi colocar um anúncio na internet a procura de alguém para dividir o apartamento.

London e Amberly responderam no mesmo dia. As duas cumpriam todos os requisitos: sexo feminino, solteiras, sem filhos, com emprego fixo e desesperadas.

E, desde então, somos um trio.

- Ai cacete, olha quem está vindo aí - London sorri, se virando para atender um cliente.

Eu me atrevo a olhar para trás, por cima do ombro, e o meu coração entala no meio da minha garganta.

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