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Capítulo 02

As outras meninas que trabalhavam na boate não eram como eu. Algumas delas já eram prostitutas no seu país, outras eram sem-teto — como eu —, e por não terem escolhas acabaram se acostumando com essa vida, apesar das constantes humilhações o dinheiro era gordo, então elas teriam bastante quando voltassem. Uma pequena parcela delas eram naturais daqui o resto era de outros países. Maria era do Uruguai, Gisele era norte-americana, Viviane e Marta ambas eram da Colômbia, no geral havia meninas de todas as partes do mundo.

O que tínhamos em comum era ter sido enganas pela mesma pessoa: May.

Não havia escolhas para nós. Éramos o resto da sociedade.

May ficou com raiva de mim pelo meu segundo cliente me rejeitar. Ela disse que não iria me bater por que eu era carga preciosa, enquanto meu corpo cicatrizava subiria ainda mais meu valor, me dando tempo para pensar em uma forma de escapar desse lugar.

Às vezes, após as apresentações eu costumava subir no terraço, antes meus pensamentos não existiam, mas agora eu pensava em Heitor, sua promessa ainda me fazia sonhar, por mais que fosse impossível.

Suspiro.

Eu nunca mais o veria, nem sabia que ele era, mas depois de Ethan ele se tornou o homem mais bonito que conheci.

— Não deveria estar aqui. — Ouço a voz de Ethan atrás de mim.

Viro para encará-lo.

— Você muito menos. Tem que limpar os vômitos daqueles bêbados.

Limpo o local ao meu lado, em cima de um caixote de cervejas que eu usava como banco. Ethan senta olhando para a paisagem, o amanhecer daqui era perfeito.

Meu coração acelerava quando Ethan ficava perto de mim, desde que ele chegou aqui e conversou comigo pela primeira vez. Os olhos azuis dele me encantavam, assim como seus cabelos loiros e o rosto sem um pelo sequer. Parecíamos ter a mesma idade, embora ele fosse anos mais velho.

— Acho que May e Vicent não irão se importar. — Ele torce o nariz — se trancaram no escritório dela.

Reviro os olhos.

— Pelo menos ela fica de bom humor quando isso acontece.

Ele dá de ombros.

— Não percebo. May parece sempre estar prestes a matar alguém.

Ambos rimos. Só depois fui perceber que estávamos olhando um para o outro. Desci meu olhar para meus pés, as unhas sujas e os dedos marcados, nenhum parte do meu corpo escapava da ira de May.

Ethan passa seu braço ao meu redor me puxando para mais perto.

— Ainda dói quando toco você? — Perguntou.

Balanço a cabeça.

Me sentia confortável com seu toque, era meu único amigo naquele lugar.

— Já está cicatrizando. Estou com medo, Ethan. — Deito minha cabeça sobre seu peito — às vezes penso em fazer algo perigoso de novo só pra ela me punir.

Vejo sua respiração ressaltar.

— Não imagino pelo que você deva estar passando, mas peço que não faça novamente, da última vez foi preciso o Vicent interromper. — Ethan sempre ficava sensível quando falávamos sobre isso, acredito que ele se sentia tao impotente quanto eu. 

Saio de seus braços levanto e vou até parapeito.

Olho para calçada, fazia meses que eu não colocava os pés lá. Logo quando cheguei, May pagou um hotel para mim, eu cantava no bordel durante as noites e de manhã estava livre, mas depois ela mostrou sua verdadeira face e me mantém trancada nessa prisão desde então. A polícia na daqui não se importa, uma vez tentei pedir socorro a um policial, ele me deu uma tapa. Esse mesmo policial era cliente fiel da Gisele.

Sinto a respiração de Ethan na minha nuca, meu corpo inteiro vibrou.

— Não tenho mais para onde correr, Ethan.

— Não sabe como me senti quando Vicent disse que você iria se jogar daqui. — Sussurrou.

Fecho meus olhos controlando meus sentimentos.

— Prometi que não vou deixar nada de ruim te acontecer... — ele segura minha mão que estava ao lado do meu corpo.

— Ethan — interrompo —, não me entenda mal, estamos no mesmo barco. Vicent pode acabar conosco dois como se fossemos baratas.

Viro de frente para ele, estávamos próximos demais, a polegadas de distância. A respiração dele batia na minha face, e a minha era levada pelo vento.

Ethan segura meus braços levemente. Estremeci.

— Vou dar um jeito. Eu juro pela minha vida. — Rosnou.

— Eu acredito em você. — Disse com convicção.

Meus olhos encheram-se, uma lágrima escorreu pela minha bochecha, Ethan enxugou com o polegar.

— Não chore. — Umedeceu os lábios rosados — estou aqui, sempre estarei.

Me puxou para um abraço, tive medo que ele sentisse o quanto meu coração pulsava forte, tive medo que ele percebesse quanto eu gostava dele.

Quando ele me soltou, estávamos tao próximos e nos aproximando cada vez mais, meus lábios entreabriram sozinhos buscando os dele, mas não foi o que aconteceu. Ethan soltou meus braços afastando-se.

— Não vai se jogar daí, vai? — Perguntou de costas para mim.

— Não.

— Tenho que limpar os vômitos lá embaixo. Não demore muito para dormir, já está amanhecendo.

Depois ele foi embora.

Levei as mãos até meu rosto, meu corpo inteiro estava quente, Ethan me deixava assim, acho que ele percebia, pois, sempre fugia nesses momentos. Talvez eu não o agradasse dessa forma, Ethan podia ter outra pessoa lá fora.

Observei o sol nascer e desci. No quarto, algumas meninas dormiam nos colchões velhos mofados, enquanto outras ainda estavam com os clientes. Nosso quarto era pequeno, úmido e sujo, May não se importava com as condições que vivíamos.

Pelo menos agora eu podia dormir nos panos no chão.

• • •

Acordamos com Vicent invadindo o quarto, era costume ele invadir dessa maneira, mas hoje havia algo estranho. Todas fomos convocados a ir para o salão da boate, lá May conversava algo com Vicent. Fiquei próxima à Ethan que arrumava as cadeiras em cima das mesas, até May começar a falar.

— É com grande pesar que venho hoje dizer a vocês que Amanda não está mais entre nós.

As meninas começam a cochichar. Vejo Gisele descruzar os braços.

May leva os dedos até as têmporas e olha para Vicent.

— Silêncio! — Berrou Vicent.

Nos cálamos sem pestanejar.

— Obrigada, querido. — Voltou-se para nós — Amanda teve um caso com um de nossos seguranças, então acabou engravidando. Ela morreu durante um aborto.

Gisele era a mais próxima da Amanda, elas eram melhores amigas aqui dentro. Era difícil vê-la abalada, ela parecia uma muralha, mas hoje vimos seus olhos ficarem vermelhos e a mesma saiu em disparada para longe.

May não se importou. Ela nunca se importaria.

Não era a primeira vez que isso acontecia, as meninas grávidas sempre sumiam, essa era a forma deles controlarem seus meios contraceptivos.

— Mais uma vez reforço a importância de tomarem todos os seus medicamentos! Agora, voltem ao trabalho.

Nenhuma das meninas foram atrás da Gisele, penso que a maioria tinha medo por conta de sua pose firme.

Olho para Ethan que limpava uma mesa com um pano imundo. Ele olhou-me e balançou a cabeça.

— Nem pense nisso. — Protestou ele.

— Não viu a maneira que ela saiu daqui?

Ele espreitou os olhos azuis para mim.

— Gisele não é sua amiga, Jade.

Olhei para a direção que ela fora.

— Ela pode te ferrar mais ainda aqui dentro. — Afirmou.

Mesmo que fosse a coisa certa a fazer, Gisele me odiava, desde que cantei aqui pela primeira vez. Nunca demonstrou nenhum remorso pela vez que disse a May sobre meu telefone escondido.

De qualquer modo, eu também fiquei arrasada quando meus pais morreram, assim como meus pais eram meus únicos amigos, Amanda também deveria ser para ela.

Continuei meus serviços do dia.

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