Capítulo 4 - Sobre Valquíria e Nicolas
No dia seguinte eu e Val nos falamos normalmente, como se nada tivesse acontecido. Éramos assim mesmo... Dizíamos o que queríamos e às vezes magoávamos umas às outras. Mas no fim, sempre nos perdoávamos... Porque éramos amigas. Eu deixava elas me falarem verdades que jamais admiti que outras pessoas o fizessem, especialmente minha mãe e meu padrasto.
Mas quando acabou a aula, novamente Nicolas estava lá, esperando por Valquíria. Desta vez fizemos menos alarde. Se quiséssemos que ela continuasse com ele, precisávamos nos comportar.
Ele estava no mesmo lugar e parado do mesmo jeito. A única coisa que mudava era sua camiseta, que agora era azul, combinando com seus olhos.
Val atravessou e ele a recebeu com um beijo na boca, não tão longo, nem tão breve. Acho que ele realmente estava gostando dela, ou não estaria ali esperando por ela dois dias seguidos. Eu sabia que ela não estava muito interessada em continuar aquele relacionamento, mas ainda assim não disse “não” para ele. Então ainda havia alguma chance de continuarem juntos um tempo.
Havíamos combinado de ir ao shopping fazer um happy hour depois da aula naquele final de tarde. E foi o que fizemos. Impressionou-me que Val levou Nicolas junto. Caminhamos até o Shopping, que era próximo do colégio onde estudávamos. Nicolas e Val iam mais atrás. Eles conversavam o tempo todo, mas não era possível ouvir com precisão o que diziam.
Encontramos uma mesa grande na praça de alimentação e sentamos ali. Eles demoraram um pouco para se juntarem a nós e estavam de mãos dadas.
- Meninas, este é Nicolas. – disse Valquíria. – Lembram dele?
- Oi, Nicolas. – disse Dani.
- Já conhecemos Nicolas. – disse Alissa chamando o garçom.
- Oi... – me limitei a dizer, acenando com minha mão.
- Oi, meninas. – ele cumprimentou.
Quando meus olhos encontraram o de Nicolas, me senti um pouco constrangida. Nós trocamos olhares naquela noite antes de ele ter escolhido Valquíria. Ou talvez eu só tivesse imaginado algo a mais da parte dele naquela noite. Enfim, eu não poderia ter vergonha de algo que não aconteceu.
Eu pedi um suco. Não beberia nada alcoólico, como minhas amigas, por dois motivos: primeiro, eu era fraca para qualquer coisa com álcool, muitas vezes ficando fora de mim. Segundo, chegar em casa com hálito alcoólico poderia gerar desconfiança de minha mãe e eu ter problemas, especialmente com meu padrasto.
Enquanto conversávamos repassando os acontecimentos do dia, Val disse:
- Juliet, Nicolas conhece Cadu.
Senti meu coração bater intensamente, querendo pular para fora do meu peito. Enfim, alguém que conhecia o “meu amor” desaparecido de seis meses atrás.
- Conhece? – perguntei querendo sentar ao lado dele e enchê-lo de perguntas, mas não o fazendo.
- Só de vista. – ele completou. – Trocamos algumas palavras certa vez, mas nada importante.
- Será que você não pode ser mais chegado a ele? – perguntei.
Todos riram. Ele disse:
- Não acho que eu conseguiria me aproximar dele sem ter nenhum motivo.
- Vocês, homens, são estranhos.
- Acho exatamente o contrário. – ele observou.
- Juliet é meio apaixonada por Cadu. – disse Alissa.
- “Meio”? Isso é possível? – ele perguntou tomando um gole de seu chopp que havia chegado, me encarando.
- Não é possível não. – garanti. – Eu amo ele... Esta é a verdade. – confessei na esperança de ele querer me ajudar, nem que fosse por dó.
Ele riu novamente, mostrando seus dentes brancos e perfeitos contrastando com os lábios carnudos. O que Valquíria queria mais que aquele homem? Ele era umas mil vezes mais bonito que Adriano.
- Não dê importância... Ela ama todo mundo. – disse Dani.
- Não... O que eu sinto por ele é verdadeiro... Eu juro. – tentei convencê-lo da verdade.
- Se você diz, eu acredito. – ele falou.
- Não deve acreditar nela... Nunca. – disse Val. – Especialmente se ela tiver bebido qualquer coisa que contenha álcool.
- E em você, Val, posso acreditar? – ele perguntou encarando-a.
Mas eu não prestei atenção no que ela falou. Eu só queria saber sobre Cadu. Ao mesmo tempo não queria monopolizar a conversa para mim, afinal, eles estavam ainda se conhecendo. E isso infelizmente implicava conhecer também as amigas loucas dela.
Esperei uns dez minutos e não me segurei mais:
- Nicolas, Cadu estuda na mesma série que você?
- Carlos está também no terceiro ano. Forma-se comigo em dezembro.
- Ele vai sempre na aula?
- Sim... – ele disse estreitando os olhos, confuso.
- Ele tem namorada?
- Sinceramente eu não sei responder esta pergunta, Juliet. O conheço muito pouco para saber sobre a vida pessoal dele.
- Já viu ele com alguma garota na escola?
- Não.
Ele vai ao banheiro? Ele respira quantas vezes por segundo? Qual roupa ele mais usa? Ele falta? Ele é popular? Conte-me qualquer coisa que você saiba sobre ele... Mas eu não poderia fazer todas aquelas perguntas invasivas, que certamente ele diria que não saberia responder. Minha única chance era ele continuar com Val e nos vermos com mais frequência. Então eu poderia perguntar tudo que eu queria.
Acabamos conversando sobre outros assuntos sem importância, combinando sobre um próximo final de semana no Manhattan Bar e logo o tempo passou.
Nos despedimos e eu fui embora com Val, como sempre. No caminho, ela me explicou:
- Não vou mais ficar com ele.
- Como assim? Achei que estava tudo bem com vocês.
- Eu não quero alguém me esperando na saída da escola como se fosse meu namorado. Eu não quero namorar... Muito menos ser vista com ele por Adriano.
Esta parte eu entendia. Eu só ficava com outros garotos na noite depois que tinha certeza de que Cadu não apareceria. Antes disso não. Porque não queria que corresse o risco de ele chegar e me ver com outro. Certamente ela também se culparia pelo resto da vida se Adriano a visse com Nicolas e achasse que estavam namorando. Suas chances acabariam. Mas, afinal, algum dia ela teve chance com Adriano?
- Então nunca mais veremos Nicolas? – perguntei sentindo uma dor dentro do meu peito. Lá se ia minha chance de ficar mais próxima de Cadu.
- Eu expliquei a ele que talvez possamos ficar juntos no Manhattan. Mas sem compromisso.
- Entendo...
- Ele é legal. – ela admitiu. – Mas eu jamais vou gostar de outra pessoa como gosto de Adriano.
- Isso é tão estranho, não acha? Como podemos gostar tanto de pessoas que nunca sequer falamos?
- Por ele ser absolutamente perfeito? – ela perguntou.
Eu ri:
- Talvez.
- Nadiny conhece ele. Já se falaram várias vezes. Acho que ela pode sim me ajudar, assim como com você e Cadu.
- Val, você sabe que não confio nela. Acho que Nadiny mente.
- Eu não acho. Já vi Adriano conversando com ela.
Suspirei. Realmente eu não acreditava em Nadiny e sua suposta boa relação com qualquer garoto que cruzasse nossas vidas. Mas Alissa e Valquíria definitivamente gostavam dela e acreditavam, especialmente Val. Dani não tinha opinião formada quanto a isso. Ela era um pouco diferente de nós. Acho que Dani sempre foi mais madura. E embora sempre estivesse junto, não se envolvia muito em alguns assuntos. Mas ela era boa em falar com garotos e arrumar pares para meninas solteiras. Ela sim conhecia muita gente... Mas infelizmente nenhum dos garotos que nós queríamos.
Na próxima semana o Instituto decidiu fazer uma festa num sábado, final de tarde, para angariar fundos. Isso foi suficiente para literalmente surtarmos. Por estarmos no último ano, queríamos viver tudo que podíamos em pouco tempo. Sabíamos que logo nos separaríamos e nunca mais nada seria igual... Ao menos não com tanta intensidade.
Os próximos quinze dias foram para organizar a tal festa. Teria DJ, venda de bebidas e comidas e óbvio que convidaríamos todos os garotos que queríamos lá, pois a festa permitiria pessoas de qualquer lugar e não só do Instituto.
Não fomos ao Manhattan Bar naqueles dias, pois estávamos muito empolgadas pela festa da escola. Se estávamos empenhadas em angariar fundos? Óbvio que não... Eu pelo menos só queria ver Cadu e beijá-lo por toda uma noite.
Eu não sabia exatamente por qual motivo eu fiquei tão ligada àquele garoto. Se ele tinha algo de especial além do que eu via nele? Acho que não. Não é que minhas amigas gostavam ou não gostavam dele. Elas simplesmente não o conheciam, por isso não podia opinar. Aquela noite passamos juntos, só nós dois, sem conversar com mais ninguém à nossa volta.
Se eu amava ele? Eu achava que sim. Se ele foi meu primeiro amor? Não. Meu primeiro amor foi um homem dez anos mais velho, surfista, tatuado, musculoso, com cabelos compridos lisos dourados e olhos cor de mel... Ele era perfeito. Se eu me envolvi com ele? Fiquei com o melhor amigo dele, cinco anos mais novo. Então estraguei qualquer possibilidade de um dia me relacionar com ele. Foi um amor platônico. Nunca nos tocamos e só nos falamos porque ele era amigo do meu ex. Depois que terminei com o amigo dele, sequer nos cumprimentamos novamente. Fui tão corajosa que um dia pedi para minha prima Lorraine ir até a casa dele e perguntar o que o impedia de ficar comigo. E ele respondeu com todas as letras: “ela é uma criança para mim”. Aquilo acabou comigo. Então eu decidi que era hora de amar outro. Coincidentemente Cadu apareceu alguns meses depois, apagando completamente o surfista calhorda que tanto tempo tomou conta da minha mente e meu coração. Sim, quando eu tinha 15 e ele 25 talvez eu fosse a criança que ele pensava. Mas quando eu tivesse 20 seria a idade perfeita para ficarmos juntos. Mas não cheguei a esperar pelos 20... Apaixonei-me por Cadu com 17. E ele havia feito o amor platônico desaparecer da minha mente. Hoje eu passava por ele e não sentia absolutamente nada. Agora eu precisava achar outro para tirar Cadu de dentro de mim... E será que seria assim sucessivamente? Esta vida de adolescente não era muito fácil... Sentimentos intensos e confusos. Algum dia eu saberia lidar com tudo de forma mais madura? Ou seria sempre assim... Intensa.
Lembro que minha mãe sempre dizia que tudo passaria. Ela sabia do meu amor pelo “surfista” e não aprovava em nada. Ela não me achava muito nova para ele. Achava ele muito velho para mim. Eu não entendia muito bem quando ela enfatizava que era o contrário do que ele dizia. E quando meu amor por ele acabou ela disse que ficava feliz. Que morria de medo de eu agarrá-lo a força um dia. Se eu seria capaz de fazer aquilo? Acho que só não fiz por falta de oportunidade. Se eu era louca, como minhas amigas diziam? Não... Eu acho que só era corajosa. Minha mãe dizia que conforme eu fosse crescendo, eu não teria mais tanta coragem. Que o tempo me faria amadurecer e ficar covarde com relação aos homens. Ela também dizia que eu não havia conhecido o verdadeiro amor ainda, porque ele não podia ser com alguém que nunca falei, muito menos com um garoto que só fiquei uma vez. Eu sempre contestava. Ainda achava que era e sempre foi amor, tanto com o surfista, quanto com Cadu... E alguns outros que surgiram antes disso.
Na sexta-feira, antes da tão esperada festa, Nadiny me procurou na sala e disse:
- Convidei Cadu para a festa do Instituto.
- Sério? – fingi lhe dar credibilidade.
- Sim. Ele disse que fará o possível para vir.
- Então vou esperar por ele. – disse pouco confiante.
- Vai que ele te surpreenda.
- Vou torcer por isso.
Eu saí. Realmente eu não acreditava em Nadiny. E não era só pelo fato de ela conhecer todos os garotos que gostávamos, ou os parentes deles, ou os amigos mais próximos, ou os amigos dos amigos... Eu não acreditava porque nenhuma das vezes que ela prometeu levar Carlos Eduardo em algum lugar ela levou. Esperei por ele tantos sábados no Manhattan Bar... E a resposta dela quando ele não vinha, no dia seguinte, era sempre a mesma: ele foi para o Lounge 191, ele foi viajar, ele não conseguiu sair... Seis meses depois eu literalmente não acreditava mais nela. Esperança de encontrar Cadu em qualquer lugar? Isso eu sempre tinha.
Então o sábado finalmente chegou. Vesti-me com um jeans claro e uma blusa justa preta sem detalhes. Uma sandália alta dava um ar sofisticado, mesmo eu não sabendo andar perfeitamente com ela.
Trabalhei na venda de bebidas, que angariava fundos para a nossa turma. Fazíamos revezamento para que todos pudessem aproveitar a festa e trabalhar ao mesmo tempo. Alissa e Val ficaram em dupla e eu fiquei com um pouco de inveja por ficar com uma colega com a qual eu não tinha muita intimidade. Tudo isso porque Dani não foi naquela noite. Ela tinha um encontro com um dos homens que ela havia conhecido nas noites de sábado que saia sem nós.
Quando eu sai do meu turno, Alissa e Val vieram me cobrir. Val começou a pular quando me viu:
- Adivinha quem eu encontrei na festa?
- Nicolas? – perguntei confusa.
Ela fez careta:
- Claro que não... Muito melhor.
- Adriano?
Ela riu:
- O “seu” Cadu, Juliet.
- O “meu Cadu”? – perguntei sentindo meu coração batendo intensamente.
Se fosse Nadiny que me contasse eu não acreditaria. Mas era Val, minha amiga da vida toda. Então eu acreditei. E se Carlos Eduardo realmente estivesse no mesmo ambiente que eu naquela noite, ele não escaparia de mim de forma alguma.