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ALGUNS ANOS ANTES...
Melissa Alpes Narrando
Após sair da clínica o primeiro lugar que eu fui, foi na casa de Joana e encontrei tudo fechado e vazio, era nítido que ninguém mais morava aqui fazia muito tempo. Eu nunca mais soube de Joana.
Eu tentei saber por alguns vizinhos sobre ela, mas ninguém soube me dizer nada. Antes de embarcar no trem que me levaria para Paris, eu fui até a casa de minha mãe e de longe eu a vi brigando com um homem que entra xingando-a dentro de um carro que está parado na frente da casa. Em um ano minha mãe nunca me visitou na clínica, enquanto todos os pacientes recebia visitas, eu não recebia ninguém, nos dias das cartas eu era a única que não recebia nada.
Antes dela entrar em casa, ela me ver e ela para na porta da casa me encarando e a gente se encara por alguns segundos, às vezes eu queria saber o que se passa na cabeça dela, em seu coração, o que ela sentia por mim. Minha mãe se tornou uma mulher seca, triste e procurando em diversos homens o que ela tinha em meu pai.
Ela fecha a porta e eu entendo que o nosso ciclo tinha se fechado também e o que me resta é ir para a estação do trem, levando apenas a minha mochila, algumas mudas de roupas, um caderno de desenho, alguns lápis e um pouco de dinheiro que ela tinha deixado para o dia da minha saída. Eu não tinha mais nada, além de mim mesmo.
- Boa tarde – um homem de terno fala se sentando ao meu lado – esse é o meu assento.
- Fique a vontade – eu falo sorrindo fraco
- O trem está cheio, todo mundo resolveu ir para Paris – ele fala me olhando.
Eu acabo reparando nele, era um homem que deveria ter entre 35 a 40 anos, tinha uma aliança em seu dedo e segurava um celular que tinha foto de duas crianças.
- Realmente – eu falo.
- Você mora lá? – ele pergunta.
- Não, estou indo morar lá – eu falo.
- Sozinha? – ele pergunta – Desculpa, mas é que você deve ter a idade de uma das minhas filhas.
- Sem problema, estou indo sozinha sim – eu falo.
- Meu nome é Renato – ele fala – eu trabalho em uma empresa de marketing em Paris – ele tira um cartão do seu paletó – Se você precisar de trabalho, é só ir nesse endereço.
- obrigada – eu sorrio.
- Renato Toshiba – Uma moça que trabalha dentro do trem fala – conseguimos um lugar perto de sua família.
- Obrigado – ele fala se levantando – Boa sorte – ele fala me olhando e eu sorrio agradecendo para ele.
Eu guardo o cartão dentro de um bolsinho pequeno na minha mochila e encosto a minha cabeça na janela do trem e vou vendo a paisagem passar na velocidade do trem. Eu fico olhando as formas das nuvens e me lembro de quando eu e Joana a gente era crianças.
Flash Black onn
- Olha lá tem um tubarão – Joana fala apontando para as nuvens no céu
- Lá um dinossauro – eu falo rindo.
- Um coração – ela fala apontando novamente.
Flash Black off
Às vezes a gente ficava horas e horas deitadas sobre o gramado da sua casa olhando as formas das nuvens e a gente só levantava quando sua mãe chamava para a gente tomar um delicioso café.
- Paris – Um dos funcionários grita e eu percebo que tinha chegado em Paris.
Meu coração gela, a viajem tinha passado tão rápido que eu não tinha nem percebido que eu tinha chegado. Eu desço com minha mochila apenas do trem e encaro aquela cidade, eu me tremia muito em cada passo que eu dava, eu estava agoniada.
Eu saio da estação do trem que era perto da torre Eiffel e vou andando me aproximando dela, a enfermeira Lara disse que o bistrô era bem em frente a torre, era apenas sair da estação do trem e seguir a torre que eu chegaria até o bistrô.
A cada passo que eu dava eu me sentia ainda mais insegura, eu não sei se levaria um não bem grande na cara, eu não sei a onde dormiria essa noite, onde ficaria, se a dona do restaurante iria gostar de mim. Eu chego na frente do bistrô e vejo um homem alto, na porta do bistrô fumando um cigarro, ele tinha o cabelo preto, a barba rala pelo seu rosto, os olhos castanhos, ele vestia um avental branco que está todo sujo, tinha um pano de prato no ombro e espantava os pombos que tinha na frente do bistrô, eu leio novamente o nome do bistrô com o que a enfermeira Lara colocou no papel e vejo que era ali mesmo.
- Anda, some daqui – ele fala gritando e espantando eles com a mão.
- Boa tarde – eu falo atraindo o seu olhar para mim, ele me encara arqueando a sobrancelha e o seu olhar não era dos mais amigáveis.
- Boa tarde – ele fala jogando o cigarro no chão e pisando no cigarro – O bistrô está fechado. Só abre a noite.
- Eu sei – eu falo.
- Se você sabe, o que você quer? – ele pergunta.
- Uma vaga de emprego – eu falo.
- Aqui não é caridade – ele fala.
- Quem me indicou foi Lara – eu falo para ele e ele me encara.
- Lara? – ele pergunta – Lara Robson?
- Sim – eu falo.
- O que você sabe fazer em restaurante? – ele pergunta.
- Nada – eu falo e ele me olha.
- Como você quer emprego se não sabe fazer nada? – ele questiona.
- Eu aprendo rápido – eu falo. – Eu cheguei hoje em Paris, eu não tenho nem onde ficar, eu tenho muita força de vontade e procuro o emprego. Ela disse que eu poderia falar com Heloisa Pietra.
- Minha irmã está viajando – ele fala – retorna em dois meses, estou responsável pelo restaurante e como disse a gente não faz caridade aqui. Procure outro lugar para trabalhar – ele fala abrindo a porta e eu vou atrás dele.
- Por favor, eu faço qualquer coisa – eu falo – limpo mesa, tiro mesa, arrumo mesa, limpo chão, lavo louça – ele me olha – por favor – ele fecha a porta e eu coloco meu pé.
- Garota vai embora, aqui não tem caridade – ele fala – por acaso tenho cara de santo?
- Não – eu respondo rápido e ele me encara – é uma oportunidade apenas.
- Tudo bem – ele diz olhando para trás – comece agora – eu o encaro.
- Agora? – eu pergunto.
- Tenho toda aquela louça para limpar, você está contratada – ele fala abrindo a porta e entrando para dentro e eu vou atrás dele.
Ele vai para cozinha que era um lixo, toda bagunçada, cheia de gordura para tudo que era lado, pilhas e pilhas de louças.
- Você faz o que aqui? – eu pergunto.
- Eu sou chef da cozinha – ele fala.
- Quantas pessoas você já matou com a sua comida? – eu pergunto e ele me encara.
- Você já quer ser demitida? – ele pergunta me olhando com raiva.
- Você faz comida aqui? Ou tem outra cozinha? – eu pergunto.
- Essa é a única cozinha – ele fala.
- Meu Deus – eu falo – como ninguém fechou esse lugar ainda? Sua comida é uma bomba venenosa para as pessoas que comem aqui, olha a sujeira disso – eu o encaro.
- Você quer o trabalho ou não? – ele pergunta.
- Eu quero – eu falo.
- Primeira regra do bistrô, trabalhar calada – ele fala me encarando – Bom trabalho – ele fala se sentando na cadeira e tirando os cigarros de uma carteira e acendendo um dele.
Eu encaro aquele lugar e encaro aquele homem folgado.
Pensa por um lado positivo Melissa, você tem um emprego!