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Quem é você?

A resposta não agradou a Rodrigo. Há dez anos, ele e seu irmão Izaque, se mudaram da capital de São Paulo para uma pequena cidade do interior do estado chamada Cezário. Lá conheceu várias pessoas, entre elas, Sara, sua esposa.

— Dez anos? Ela não se lembra de mim?!

"Bela conclusão, Montenegro", pensou Tatiana, gostando de ver a expressão normalmente indiferente ficar surpresa, confusa e até um pouco apavorada.

— Temos de ter esperanças — aconselhou.

Rodrigo se levantou furioso e bateu o punho fechado na mesa de Tatiana.

— Esperanças? Estou tendo essa merda de esperança há dias. Estou farto de ouvir todos me dizendo para ter esperanças.

A diretora do hospital também se levantou irada. Não era obrigada a aturar os ataques daquele esnobe que se achava o dono do mundo, nem ao menos gostava dele, então não precisava ser gentil.

— Compreendo seu nervosismo, mas se descontrolar não ajuda em nada — praticamente gritou. — Sara vai precisar de nós, todos nós, quando se der conta do que está acontecendo. Se perdermos o controle quem sofrerá será ela. — Voltou a sentar, respirou fundo e recobrou o tom calmo e profissional, mas com um toque frio e cheio de cinismo. — Creio que você, mais que qualquer um, não quer que isso aconteça, estou certa, Montenegro?

Rodrigo se deixou cair pesadamente de volta na cadeira.

— Sim, está — falou apertando os punhos com força. — A culpa é minha, se não tivesse permitido que ela saísse da minha sala nervosa...

— Não é hora de achar culpados — interrompeu Tatiana. — Nesse momento temos de ser fortes, por nós e por Sara.

Mesmo dizendo isso, Tatiana achava que o Montenegro tinha a maior parcela de culpa. Uma pequena parte era da própria Sara, por dirigir em alta velocidade ao perceber que casara com um iceberg.

— Droga! — resmungou o Montenegro.

Cobrindo o rosto com as mãos, Rodrigo tentava não se culpar, mas não conseguia. Porque sempre afastava ou perdia as pessoas que lhe eram importantes?

— E se ela nunca se lembrar de mim?

Ver o Montenegro sofrer de culpa, ou algo semelhante, fez Tatiana ter pena dele. No fundo de seu coração e do seu modo, Rodrigo nutria bons sentimentos por Sara.

— Ela vai lembrar. Sara te ama — acrescentou para conforta-lo.

O Montenegro levantou a cabeça, nos lábios um sorriso triste.

— Ela se esqueceu disso.

Tatiana estendeu sua mão até à esquerda de Rodrigo e bateu o dedo indicador na aliança de casamento.

— Mas você não.

~*~

No que pareceu uma eternidade para Sara, Tatiana entrou em seu quarto novamente. Para estranheza da jovem, logo atrás da médica estava o homem que tentara beija-la. Ele estava muito sério e evitava seu olhar.

Foi novamente examinada e respondeu novas perguntas. Percebeu que a cada resposta a cara bonita do sujeito ficava mais carrancuda.

— A não ser pela ferida em sua cabeça, fisicamente você está ótima.

— Então posso ir embora? — perguntou ansiosa em voltar logo para casa.

— Daqui uns dias, sim. — Percebendo que aquele era o momento de revelar a situação para Sara, Tatiana segurou a mão da afilhada entre as suas. — O problema é que você perdeu parte de sua memória, querida.

— Você disse que esquecer o acidente era normal.

— Você esqueceu muito mais do que só o acidente.

Sara estreitou os olhos esverdeados.

— O que esqueci?

— Fatos que ocorreram após 2008. Estamos em 2018.

Sorriu com desconfiança. Tinha de ser uma brincadeira. No entanto, o olhar sério de sua madrinha não deixava dúvidas de que era verdade e isso a assustou.

Fechou os olhos e tentou conter a vontade de chorar. Esquecer dez anos da sua vida era muita coisa, muitos acontecimentos.

— Minha mãe... Eu quero a minha mãe — pediu num murmúrio.

— Infelizmente ela morreu há cinco anos.

— Não é verdade, não pode ser... — Abriu os olhos e fitou Tatiana desolada. — Como aconteceu? Quando?

— Foi num acidente de carro. Um motorista bêbado em alta velocidade colidiu com o carro dela.

Sentindo uma dor intensa no peito, não conteve as lágrimas. Embora fosse uma mulher reservada e rígida, sua mãe foi à única presença constante em seu crescimento. Nunca conhecera seu pai, que fugiu para não assumi-la, e não tinha parentes próximos. Tatiana não contava, pois, era só uma amiga de sua mãe que aceitara ser sua madrinha, não tinha qualquer obrigação com ela.

— E o Robson? Onde ele está?

Rodrigo fitou a esposa com as sobrancelhas unidas, tentando recordar aquele nome, mas nada lhe vinha à mente. Devia ser alguém de antes de conhecê-la. Trincou os dentes não gostando da sensação de, além de ter sido anulado da vida da esposa, ser trocado por alguém do passado dela.

Sara reparou o olhar estranho de Tatiana para o estranho, assim como notou que o homem a fitava com irritação.

— Você e Robson não estão juntos há muitos anos.

Sara fechou os olhos sentindo-a desnorteada, tentando encaixar essa informação em sua mente. Lembrou-se do rosto sorridente de Robson, da promessa de ficarem juntos para sempre. Perdera sua mãe, o amor de sua vida, seu passado...

— Impossível... — murmurou sem fôlego, o pânico se alastrando por sua pele, as lágrimas deslizando por sua face. — Não tenho mais ninguém?

— Tem a mim.

A voz grave e profunda do sujeito desconhecido, fez Sara sentir um arrepio estranho subir por sua espinha, principalmente pelo que ele dissera.

— Você...? Quem é você?

Rodrigo se aproximou da cama, mas evitou toca-la novamente. Olhou para Tatiana num pedido mudo. Queria ele mesmo contar que eram casados. A médica percebeu e fez um gesto de permissão.

— Eu sei que será difícil de compreender agora...

— Tudo está sendo incompreensível — murmurou para si mesma e, pela primeira vez desde que o vira, prestou atenção nele.

Era um homem bonito, mas muito sério. Pelo seu porte, seu jeito de andar e falar, o pouco que falara, parecia achar que o mundo girava ao seu redor. Odiava pessoas assim, metidas. Seu corte de cabelo era impecável, não tinha uma só mecha fora do lugar, algo em seu íntimo lhe dizia que seria divertido e gostoso deslizar os dedos pelos fios escuros e bagunça-los.

Sentiu a face esquentar ao perceber o rumo que seus pensamentos tomaram. Também notou que ele lhe falara algo e aguardava uma reação dela, pois a encarava intensamente.

— Desculpe-me! O que disse?

— Que nos casamos há quatro anos.

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