Resumo
~Sara dedicou dez anos de sua vida a Rodrigo Montenegro, seu marido~ — Gritar não resolverá nossos problemas, só me irrita, Sara. — Tudo te irrita — retrucou farta de lutar por aquele casamento. — Queria nunca ter me apaixonado por um egocêntrico sem sentimentos... Te apagar para sempre do meu coração... Nem terminou de descarregar sua raiva e frustração quando, ao passar sobre uma poça d'agua, o carro derrapou. ~Tempo que um acidente apagou de sua memória~ Assustou-se e afastou a mão ao ver, em pé ao seu lado, um desconhecido alto e de porte imponente. — Ainda zangada? — Ele deslizou os dedos pelo cabelo curto, o tom seco evidenciando o desagrado com a atitude dela. — Sara, vamos parar com essa briga estúpida. — Não sei do que o senhor esta falando. Nem te conheço. ~Em busca de respostas, resgata antigos relacionamentos~ — Há quanto tempo. — Mantendo as mãos na cintura dela, ele a olhou de cima a baixo com interesse. — Está muito bonita. — Obrigada. — Sara sorriu acanhada. O tempo foi generoso com Robson, seu ex-namorado estava mais másculo, bonito e charmoso. ~Enquanto cai de amores, novamente, pelo marido~ — Nunca cansarei de fazê-la minha, Sara — Rodrigo confessou acariciando a face dela. Sara não se lembrava de ninguém a ter devorado daquela forma. Aquele, definitivamente, era um bom motivo para ter se casado com ele, pensou em meio à névoa de paixão que envolvia sua mente e corpo.
Prólogo
Em seus vinte e sete anos, Sara cometeu muitos erros, a maioria por amor. Rastejou e escavou tão fundo por amor que se tornou impossível enxergar uma saída, uma forma de reverter os atos impulsivos e perversos que cometeu. Arrependia-se? Normalmente a resposta seria um alegre e confiante “Não”, mas naquele dia o “Sim” dilacerava seu coração, da mesma forma que Rodrigo Montenegro, seu amado e idolatrado marido, acabara de fazer.
Apertando sua bolsa preta junto ao corpo magro coberto por um vestido vermelho, saiu do elevador a passos largos, o salto fino ecoando pelo estacionamento da empresa do marido. Próxima ao seu Corvette Vermelho, estacionado em uma vaga privilegiada perto dos elevadores, apertou o botão para destravar o veículo e desarmar o alarme. Eram uma das poucas vantagens obtidas após casar com o insensível Montenegro, algo que trocaria sem pensar duas vezes por uma vaga no coração dele.
Entrou no carro, batendo a porta com força excessiva, e, após lançar sua bolsa no banco ao seu lado, colocou o cinto de segurança e jogou o corpo contra o assento. Inspirou fundo e esfregou os dedos nos olhos, tentando tranquilizar-se e secar as lágrimas que não paravam de brotar. Foi em vão, o único resultado obtido foi transformar a maquiagem, sempre perfeita, em borrões manchando seu rosto e mãos.
Não aguentava mais sua vida vazia, seu casamento frígido, amar sem ser amada. Não queria mais viver assim.
Desistindo de controlar as lágrimas e precisando fugir do que lhe causava sofrimento – o homem amado -, deu partida no carro. Saiu furiosamente para as ruas molhadas pela chuva que caia desde manhã. Com a vista prejudicada pelo choro, enxergava a pista borrada, as luzes e carros embaçados.
— Cretino... Como pode...? — balbuciou batendo a mão direita furiosamente no volante, sentindo a garganta dolorida e o coração em frangalhos.
Sentia-se perdida e com as emoções fora de controle. Acima de tudo, sentia-se traída e abandonada.
De dentro da bolsa, seu celular tocou. Sabia quem era e não atenderia de jeito nenhum.
— Safado... Quem ele pensa que é...?
Não merecia tamanho desrespeito, não vindo da pessoa que a fez desistir de seus sonhos, para quem dedicou cada segundo de sua vida desde que o conheceu. Rodrigo, o amor de sua vida, tomara posse de seu coração, o manipulara e agora - quando tudo que ela tinha no mundo era ele - o tirou do peito dela e pisoteou sem dó.
O toque do celular persistia, enfurecendo-a. O desgraçado sabia ser insistente quando queria.
Nervosa, segurou o volante com a mão esquerda e com a direita abriu a bolsa, vasculhando seu interior em busca do aparelho. Agarrou o objeto retangular e olhou para a tela, em busca do nome confirmando a pessoa que ligava. As lágrimas impediam que enxergasse com clareza, restando somente à opção de atender. Ao fazê-lo reconheceu de imediato à voz grave.
— Sara, o porteiro avisou que você saiu em alta velocidade. O que pretende? Se matar?
— Ah, vocês adorariam isso... Assim estariam livres de mim... — zombou furiosa, a voz dolorida e a alma em pedaços.
Com a vista encoberta pelas lágrimas e os sentidos descontrolados, pisou fundo no acelerador. Doía tanto ama-lo, escrever em sua mente uma vida inteira de felicidade ao lado dele e perceber que nunca se realizaria. Ele jamais a amaria e desejaria como amava e desejava a outra.
— Não diga tolices e nem seja inconsequente. Volte para conversarmos.
Sempre repetiam o mesmo roteiro. Ele a magoava com seu desamor e depois dizia que ela era irracional. Dessa vez não o obedeceria, não engoliria seu orgulho e seu amor próprio para satisfazê-lo. Nunca mais se ajoelharia pedindo perdão e uma chance de mostrar que podia ser suficiente.
— Inconsequente... Tolice...? — Riu com amargura, os dedos fechando-se com força no volante, o pé afundando ainda mais no acelerador. — Fiz de tudo para te agradar... Abandonei meus sonhos por amor a você... E veja como me agradeceu... E eu que sou a inconsequente...? — gritava com toda força que ainda lhe restava para que sua voz saísse em meio ao choro. — Você não presta... Te amar é o maior erro da minha vida...
— Gritar não resolverá nossos problemas, só me irrita, Sara.
Gargalhou histérica, tirando a outra mão do volante para esfregar os olhos e secar o mar prejudicando sua visão.
— Tudo te irrita — retrucou farta de ser apontada como o problema do relacionamento deles, de lutar por aquele casamento. — Nada te deixa contente... Cansei de tentar... Queria nunca ter me apaixonado por egocêntrico sem sentimentos... — Sentindo o carro mover-se para o lado e ouvir a buzina alta do veículo atrás do seu, voltou à mão livre a direção, ainda sem conseguir enxergar nada a sua frente. Tinha dado tudo de si para Rodrigo e, em retorno, não recebeu nada. — Se eu pudesse, passaria uma borracha nos últimos anos e te apagaria para sempre do meu coração...
Nem terminara de descarregar toda sua raiva e frustração quando, ao passar sobre uma poça d'agua, o carro derrapou. Largando o celular, Sara agarrou o volante com força e pisou fundo no freio, o que se mostrou um erro. O carro empinou para frente, capotou várias vezes e, em alta velocidade, chocou-se com força contra um muro, o estrondo assustador erguendo-se acima do barulho da chuva e dos outros carros freando para não se chocarem contra o veículo desgovernado.
Com o impacto desmaiou instantaneamente, a cabeça caída para frente, o sangue escorrendo sobre sua face, o corpo preso nas ferragens. Não viu os carros freando e parando ao redor do acidente, não escutou os gritos das pessoas tentando acordá-la e nem as sirenes. Também não ouviu a voz sempre fria e controlada, do outro lado do aparelho telefônico, lançado para fora do veículo durante o impacto, aumentar o tom e demonstrar, pela primeira vez em dez anos, preocupação por ela.
— Sara que barulho foi esse? O que aconteceu? Sara, me responda, por favor!