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8. O deserto

||Ilha de Skye (Highlands) – Escócia

O deserto não era como Kayla imaginara, mas sim, um castelo escocês nas highlands.

— Isso é o mais próximo do paraíso que teremos. — Auriel disse, antes de soltar um suspiro.

— Não é um pouco grande só para nós três? — Disse Kayla.

— Sinto te desapontar, mas teremos companhia. — Auriel disse.

— Sim. — Falou Lisariel. — Há outras garotas como você, aqui, e também, outros anjos.

— Só espero que eles sejam bem humorados. — Kayla disse, olhando de soslaio para Auriel.

Auriel revirou os olhos, e balançou a cabeça, irritada.

— Você testa minha paciência só porque não sabe do que sou capaz. — Auriel disse.

— Depois que você tentou me comprar, nada mais me surpreenderá, se vindo de você. Garanto. — Kayla disse.

— Eu não me arrependo de nada. — Auriel disse. — E aposto que só está brava porque acha que sabe quem sou por trás dessa forma, mas não sou assim como pensa. Eu não sou um homem! Sou um anjo, e teoricamente falando, não tenho sexo. Posso ser o que eu quiser porque não estou preso a um gênero como você está, então, não continue me tratando como se eu fosse um homem desprezível. Se quer me odiar, odeie o anjo que sou!

Kayla encarou Auriel, e mesmo que o arcanjo estivesse com os olhos violetas, furiosos, continuava lindo, e emanava a mesma aura acolhedora de sempre, logo, era impossível, odiá-lo. Não fazia sentido, e sim, ele estava certo. Ele não era humano. Não podia ser visto ou tratado como um.

— Não deixe que seus olhos a enganem ou que seus sentidos a confundam. — Auriel desistiu de caminhar, e estalou os dedos, transportando os três até o saguão do castelo. — Lisa? Cuide dela, sim? Preciso me acalmar, antes que eu cometa um assassinato!

— Que medo! — Kayla ousou dizer.

Auriel fez suas asas enormes surgirem de repente, e seus olhos voltaram a brilhar no tom violeta. A terra tremeu, as luzes piscaram, e relâmpagos iluminaram todo o saguão. O som dos trovões fez Lisariel recuar, assustada, mas não intimidou Kayla, que encarou o arcanjo, fascinada.

Auriel percebeu que a garota não estava com medo, e sorriu. Lisariel temeu por Kayla, porque sabia que Auriel, gostava de provocar o medo em qualquer um que o irritasse, e poderia chegar ao extremo de enlouquecer a pessoa, mas para a surpresa de Lisariel, o bom humor de Auriel retornou.

— Não. Lisa. Eu mesma mostro o castelo a Kayla. — Auriel disse, retraindo as asas, e assumindo um aspecto mais brando.

— Auriel… — Miguel disse, ao aparecer no topo da escada. O arcanjo estava em sua forma masculina, como um belo e atraente homem alto, branco, de olhos azuis, vestido elegantemente. — Você nunca é discreto, irmão. — Miguel desapareceu num piscar de olhos, reaparecendo a seguir, em frente a Auriel.

— Eu tenho pavio curto, você sabe… — Auriel disse, antes de abraçar o irmão.

Kayla achou Miguel muito parecido a Uriel, e aquilo a incomodou, especialmente quando Miguel a encarou fixamente. Kayla desviou o olhar. Lisariel se aproximou da garota, e passou o seu braço ao redor do dela, sussurrando que a levaria até seu quarto.

— Bem vinda, Lisariel! — Miguel disse, sorrindo.

— Obrigada, Miguel. — Lisariel respondeu, antes de ir com Kayla.

— O que você fez a ela? — Miguel perguntou, ao recuar. — Ela sentiu medo porque minha forma a lembrou a sua.

— Não. Nada demais. Eu era professor dela, e quando ela engravidou, sua mãe adivinhou que eu era o pai, e eu ofereci um pouco de dinheiro a senhora para que me entregasse a tutela dela. — Auriel disse, coçando a nuca, nervosa.

— Você? O que? — Miguel inquiriu, incrédulo.

— Eu vi o futuro… Ela venderia a filha de qualquer modo… Dois anos depois, se não tivesse feito algo. — Auriel disse. — Kayla se tornaria uma viciada, e cometeria suicídio aos vinte. Eu a salvei de um fim trágico!

— Você não disse isso a ela, disse? Porque seria contra as regras. — Miguel disse.

Auriel não respondeu.

— E essa criança não é sua, então, não diga de novo que é o pai dela porque não é. Não deve confundir a sua protegida para não despertar sentimentos proibidos nela. Não se esqueça como essa guerra começou! Nossos irmãos quiseram se unir aos humanos, e assim, o fizeram, condenando a si mesmos eternamente. — Miguel disse.

— Eu sou tão velho quanto você, então, não precisa me lembrar. Eu estava lá, se lembra? Lutei ao seu comando contra nossos irmãos rebeldes. — Auriel disse.

— Eu acho bom que se lembre, irmão. Me doeria muito perdê-lo também. — Miguel tocou o ombro de Auriel, antes de desaparecer.

Auriel abaixou a cabeça, triste. Miguel não podia compreendê-lo porque era amado e querido por todos, tanto anjos quanto humanos, já Auriel ou Uriel não era bem a classe de anjo para quem as pessoas oravam. Com exceção de alguns esotéricos, poucos lembravam dele. Ele era o que chamavam de anjo sombrio, que fazia o trabalho que poucos tinham coragem, e isso exigia muito, custava sua reputação. Era errado desejar ter algo para chamar de seu?

Aquela criança não era sua, ele sabia, mas era ele quem moldaria sua forma, a protegeria, e treinaria. Não era muito diferente de ser pai, era? Auriel sentiu falta do único amigo que a compreendia, porque ele, assim como ela, era solitário e não tinha nada. Baraquiel. Ele ficara ainda mais solitário depois que Auriel e Miguel o deixaram tomando conta do segundo céu, sozinho. E, certamente, ele ainda se sentia culpado por Amitiel ter escapado da prisão (no segundo céu). Auriel gostaria de revê-lo, mas não poderia se afastar de Kayla tão cedo. Lisariel não era forte o bastante para protegê-la, caso os caídos invadissem o deserto.

||Raki'a, o Segundo Céu

Baraquiel estava parado, vigiando os portões do segundo céu, armado com sua lança dourada. Permanecia sério e alerta enquanto as vozes ao seu redor se misturavam. Gritos de dor e pedidos por clemência viam da parte mais escura e profunda, onde anjos mais sombrios que ele desempenhavam a nada agradável função de torturar anjos rebeldes que cometeram atrocidades contra a humanidade. Em um campo aberto a alguns metros mais a frente, estavam os grigoris enfileirados embaixo de uma tempestade incessante, aguardando o julgamento, que só aconteceria no juízo final. Eles mantinham o semblante pesaroso, passando facilmente a impressão de arrependimento, mas Uriel dissera certa vez a Baraquiel, que eles não se arrependiam, só lamentavam terem sido pegos, e temiam o juízo final. Quem quer que passasse por eles, ouviam suas súplicas desesperadas: “por favor? Peça a Deus por nós, porque nos arrependemos de nossas ações”.

Outros anjos rebeldes, e mesmo alguns Nefilins mantidos cativos, às vezes, conseguiam se soltar de suas correntes e corriam em direção aos portões, quando Baraquiel tinha de detê-los, pois se qualquer um conseguisse fugir, só levaria mais humanos a corrupção, luxúria e ira. Às vezes, muitos vinham de uma só vez, e Baraquiel se feria durante o combate corporal. Em uma dessas vezes, uma grigori, que também fora um arcanjo, conseguiu feri-lo quase mortalmente, e escapou pelos portões. Amitiel. Soaram as trombetas de alerta nos sete céus e os anjos se mobilizaram para capturar a fugitiva, mas infelizmente, tarde demais. Ninguém culpou Baraquiel, mas ele sentiu que fracassou quando puseram Uriel e Rafael para ajudarem ele a vigiar os portões. Claro que era mais fácil lutar ao lado deles.

Rafael era um tagarela bem humorado e tinha o dom da cura, e Uriel assustava tanto os grigori que nenhum deles se atrevia a encará-lo nos olhos, mas Baraquiel gostava de se sentir útil, e por isso, treinou até aperfeiçoar seus poderes psíquicos, de forma que dispensasse em parte o combate corporal, e se mantivesse em seu posto sempre.

 Vez ou outra, ele ia ao sétimo céu (Araboth) substituir Miguel, e admitia que era melhor, uma vez que não precisava ouvir as súplicas ou provações dos grigoris.

Sempre que podia, procurava ajudar os humanos.

— Baraquiel? — Disse Zarakiel se aproximando dele. — Você deve deixar o seu posto, agora, irmão.

— Miguel retornou? — Baraquiel estranharia se Zarakiel respondesse que sim.

— Não. — Zarakiel respondeu.

— Devo retornar ao segundo céu, então? — Perguntou Baraquiel.

— Não. Você descerá à Terra porque foi incumbido da missão de guiar um dos nossos que nascerá em breve. — Zarakiel disse, e suspirou. — Sinto muito. Você passará pelo menos dezessete anos entre os mortais. Não será fácil. Toda aquela dor, luxúria, ganância… Torço para que não se corrompa, irmão. Vá? Metatron está te esperando.

Baraquiel foi ao encontro de Metatron, e este lhe deu algumas instruções antes de permitir a sua descida à Terra.

 Uma estrela cadente foi o que muitos humanos viram – elas se tornaram comuns nos últimos meses –, foi assim que pareceu a descida de Baraquiel.

O anjo caiu em uma floresta, formando uma clareira e uma cratera. Se ergueu e assumiu a forma humana de uma moça que aparentava ter dezenove anos no máximo. Ao contrário de seus irmãos caídos, ele não viera despreparado, pois trouxera nas costas, uma mochila com tudo o que precisaria usar enquanto estivesse naquela dimensão: Roupas, identidade, dinheiro, etc. Ele estava pronto para se infiltrar entre os mortais, e sabia bem para onde ir, a seguir. Enfiou a mão no bolso de sua jaqueta e puxou o pedaço de papel onde Metatron anotara o endereço e o nome da eleita: “Brasil, Campo Grande, Mato Grosso Do Sul… Analice Medeiros”. Baraquiel guardou o papel de volta no bolso, e sorriu, antes de sair caminhando.

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