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Capítulo 2

Após um longo e cansativo dia de mais uma semana agitadíssima, a volta para casa na sexta-feira parecia ser uma premiação. Karina subiu rapidamente ao apartamento e abriu a porta já se despindo, louca para tomar um banho demorado. Estava precisando relaxar. Deitou-se na banheira de hidromassagem. Os turbilhões de água morna e aromática massagearam seus seios. Com os olhos fechados entregou-se à uma viagem para dentro de seu íntimo, ouvindo o som suave de uma música instrumental.

Os jatos de água tocando seu corpo pareciam massagear a sua alma. Karina estava inebriada em seu banho relaxante, de olhos fechados, sentindo os movimentos da água cujas pequenas ondas explodiam na forma de espuma e aroma pelo seu corpo.

O belo corpo nu, desguarnecido, parecia repousar em meio aos turbilhões, enquanto seus pensamentos viajavam, flutuando em suas imaginações, sonhando acordada, aparentemente anestesiada.

Suave e maliciosamente, braços e mãos estendidos tocaram seu pescoço úmido e desnudado. As mãos enroscadas em seu pescoço foram facilmente percebidas com sendo as mãos femininas e gentis de Luiza, amiga desde os tempos de escola.

— Querendo me assustar? Você se deu mal, já tive vários sustos hoje. Como você entrou?

— Ué! Você chegou apressada, com expressão tensa. Entrou no apartamento e deixou a porta aberta. Fiquei preocupada e vim te ver. Está tudo bem com você?

— Mais ou menos. Estou com um pressentimento ruim.

— Ruim, como?

— Não sei, parece que tem alguém me seguindo.

— Deixa de bobeira, quem iria te seguir?

— Tenho recebido algumas pressões para fechar um tipo de negócio na empresa. Algo que não concordo. O clima tem estado muito tenso esses dias.

— Que tipo de pressões?

— Todo tipo. Telefonema, e-mail, mensagens de aplicativo, além do tom das conversas nas reuniões, com insinuações. Até aquele gato, gerente do banco me mandou mensagens dizendo que quer conversar comigo. Por onde ando, seja no trânsito, num banco ou numa loja eu sinto que estou sendo observada à distância.

— Hum! Entendi. Mas, hoje é sexta feira, você está na sua casa e está segura. Além disso eu estou aqui. Posso te fazer companhia aí nessa banheira? Você está estressada. Trabalhando demais. Deixa que eu lhe faça uma massagem.

◆◆◆

Jonas tirara o resto do dia para circular pela cidade e rever alguns amigos dos tempos de colégio, na cidade de Goiânia. Encontrou-se com Júlio, um velho amigo. Entre cervejas e uísque, lembraram os tempos da escola.

— Bons tempos aqueles meu caro Júlio. Eu era feliz e não sabia. Saíamos de Goiânia com o carro lotado de mulheres para curtir o carnaval em Caldas Novas. Você se lembra?

— Claro que lembro. Quantas vezes eu cuidei de você, totalmente bêbado e noiado.

— Verdade. Eu fiquei de porre só uma vez. Não exagera. Mas, noiado, sempre.

Júlio e Jonas riram ao mesmo tempo ao relembrarem a situação.

— E sua sócia, a Karina? — Perguntou Júlio, acendendo um cigarro e soprando a fumaça no rosto de Jonas, em tom de provocação. Tem saído com ela? Ela é gostosa pra caralho. Aproveita que você e Alice brigaram de novo e convida ela pra sair — insinuou com sua voz já rouca.

Jonas acendeu mais um cigarro antes de responder.

— Faço isso quase todos os dias. Ela não me dá bola e fica jogando charme. Aquela mulher é dura na queda, gosta de esnobar os homens.

Júlio soltou uma sonora risada que ecoou pelo bar. Tossiu ao tragar a fumaça do seu cigarro e engasgar-se. Pigarreou e continuou a rir, após reclamar da tosse que o vinha incomodando há alguns meses.

— Meu médico me disse que se eu não largar o álcool e parar de fumar urgentemente, só tenho mais uns dez anos de vida.

— Sei. E você vai fazer o que ele mandou? — Acho que vou é largar o médico.

Nova gargalhada ecoou pelo bar.

— Sabia que quando entro na sala dela tenho que apagar o cigarro se estiver fumando? Jonas assoprou a fumaça no rosto de Júlio, devolvendo a provocação.

— Ela não fuma?

— Não! Detesta cigarro. Mas quanto a isso tudo bem. Eu dei o maior apoio quando ela veio com a ideia de fazer uma campanha antitabagismo na empresa. Diferencial competitivo. Estou até pensando em parar de fumar. Quem sabe assim ela não resolve arrastar a asa para mim?

— Chega junto dela, cara!

— Não é bem assim. Todo mundo sabe que sou noivo. Eu também não quero magoar a Alice.

Júlio soltou um sorriso amarelo, balançando a cabeça e envergando os ombros, parecendo desconfiar das afirmações do amigo. Olhou para os lados e sinalizou ao garçom para mais um pedido. Voltou-se para Jonas e indagou:

— E os negócios como estão? Jonas franziu a testa e amassou um toco de cigarro no cinzeiro

— Vão bem, apesar das pressões. Estou tentando convencer a Karina para entrar num esquema mais lucrativo, mas ela não está concordando. Foi pra isso que te chamei aqui.

— Bem, se você precisar de uma ajudazinha para convencê-la, pode contar com o amigo aqui. Seja pelo bem ou pelo mal, conte comigo.

Jonas franziu ainda mais a testa, aproximou seu rosto ao de Júlio e cochichou.

— Tem um gerente de um dos bancos, um tal de Hugo, que está no meu pé, questionando a origem de algumas transações minhas e em nome da firma. Além do mais o cara tem dado em cima da Karina. Ela não demonstra, mas parece que está caindo na dele. O cara é perigoso, sabe coisas demais e é metido a honesto. Não passa de um frangote enroscado numa gravata. Ele é pilantra. Não me engana.

— Esse Hugo é o gerente do banco que vocês movimentam as contas da empresa?

— Exatamente. E agora ele resolveu pegar no meu pé por causa de umas operações financeiras que estou fazendo?

— Que operações?

— Não posso adiantar nada agora. São algumas aplicações minhas. Nada demais. Acontece que o cara é um imbecil, quer dar palpite no meu dinheiro. Um dia desse a gente discutiu dentro do banco. Falávamos sobre dinheiro, mas a razão da discussão não era só essa. Nós dois estávamos afim da mesma garota.

— E onde eu entro nessa estória? _ Júlio indagou, soltando mais uma baforada de fumaça.

— Calma garoto, eu chego lá.

Jonas, percebendo a ansiedade de Júlio, apressou-se em mudar de assunto, acenando ao amigo sobre duas belas garotas que se sentaram à mesa ao lado.

◆◆◆

O sol claro e forte daquela manhã de sábado recomendava qualquer coisa que não fosse trabalho. Enquanto preparava o café para o desjejum, Karina deslizava o dedo pelo seu celular, para se atualizar das informações e notícias.

Luiza aproximou-se observando o interesse da amiga e desaprovou sua atitude.

— Que perturbação é essa Karina? Logo cedo, vasculhando notícias policiais? Está com mania de perseguição? A todo o momento você está ligada em reportagens policiais no celular, na TV e no rádio. Coisas sobre contrabando e tráfico de drogas. O que há? — Luiza aproximou-se, acariciando os cabelos da amiga. — Se precisar de minha ajuda para alguma coisa?

Karina sorriu, agradecendo a oferta. Embora advertida, não abriu mão de ler as notícias na tela do celular e se informar dos assuntos que lhe chamavam a atenção. Luiza sentou-se ao seu lado e acompanhou a leitura das manchetes. As duas amigas passaram o dia juntas como há muito não faziam. Foram às compras, conversaram sobre vários assuntos e aproveitaram o sábado para descontração.

Em um shopping da cidade, após uma sessão de cinema, dirigiram-se à praça de alimentação para um lanche leve e conversarem um pouco mais.

— Tenho estado muito preocupada com Jonas. Ele quer me convencer a participar de um esquema ilegal de comercialização de pedras preciosas.

— Como assim? — Perguntou Luiza.

— Não sei bem. Ele me apresentou a um grupo de intermediários. Entre outras coisas, querem uma espécie de parceria para vender nossos produtos ao mercado exterior.

— E daí? — Luiza interessou-se.

— Estou preocupada, porque me parece contrabando. Tem alguma coisa que não se encaixa na forma como eles me explicam o sistema.

— Você é sócia majoritária, não tem que concordar com nada. Que mal há nisso?

— Esse pode ser o mal. Não sei. Eu tenho achado o Jonas muito estranho também. Ele fica muito irritado quando discordo de alguma coisa ligada a isso. Além do mais... — Karina fez uma pequena pausa e tomou um gole do drinque que estava bebendo... — esquece, deixa pra lá.

— Deixa pra lá o quê?

— Nada, vamos mudar de assunto.

— Ótima ideia, mas fiquei preocupada com você. Se precisar de proteção eu posso lhe indicar um amigo. Ele trabalha com segurança pessoal e é muito competente. O cara já foi agente federal. Agora é uma espécie de detetive, investigador, algo assim.

— Acho que estamos vendo muito filme de suspense. _ Karina sorriu. _ De qualquer forma, se eu sentir que preciso de alguém para me proteger eu te comunico.

◆◆◆

...Julgo capazes de conduzirem-se a si mesmos aqueles que têm possibilidade, seja por abundarem-lhe homens, seja por abundar-lhes dinheiro, de armar um exército eficiente e enfrentar quem quer que os ataquem...

A inquietante vibração do celular tirou a concentração de Simão na leitura de um trecho de “O príncipe”, de Maquiavel.

Simão, um autodidata em filosofia, abandonara o curso de ciências sociais para dedicar-se a causas revolucionárias em países como Colômbia, Venezuela, Haiti e Timor Leste.

Enveredara-se a partir daí, na contramão de suas convicções ideológicas e conheceu o caminho da contravenção. Tornou-se líder de uma facção ligada a uma rede de contrabandistas espalhadas pelo mundo afora.

Com muita habilidade, frequentara todo o tipo de ambiente, ora esbanjando educação e cultura, ora agindo como inimigo público em atividades ilícitas. Seus negócios escusos serviam para o financiamento de ações terroristas, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

Ajeitando-se na poltrona, observou que o display do aparelho indicava o nome de Abdul, chefe da ramificação criminosa a qual pertencia.

Sem titubear, atendeu identificando-se pelo nome.

— Simão na escuta. — Disse em tom grave.

— O cerco está se fechando em algumas áreas de garimpo. A Polícia Federal está de cima! — Falou a voz cheia de sotaque estrangeiro, do outro lado da linha.

— Estou acompanhando, chefe. Onde você está?

— Em um hotel de Belo Horizonte, como de praxe. Como estão as remessas?

—Sob controle até agora.

— Como está aquela questão da celebridade?

— O pessoal está monitorando os horários, os percursos e os veículos utilizados. O valor da pedida ainda está pendente.

— Qual o perfil? Artista, político ou empresário?

— Tanto melhor se a pessoa tiver um pouco dos três. _ Simão brincou, exalando fumaça em direção à ponta do charuto cubano que fumava.

— Me mantenha informado. Desligo.

O diálogo incomum fazia parte das conversas entre Simão e Abdul que estava na mira da Polícia Federal há alguns anos, mas sem sucesso na sua captura.

Nascido no Líbano, Abdul chegara ao Brasil ainda criança na companhia de seus pais. Crescera acompanhando os conflitos políticos e as ações terroristas no mundo árabe. Tornou-se um dos grandes chefes de uma das principais ramificações ligadas ao crime organizado, atuando basicamente no contrabando de diamantes e lavagem de dinheiro.

Abdul vinha sendo investigado pela CIA e FBI por ligações com grupos terroristas ao redor do mundo. No Brasil, Abdul havia conseguido escapar das garras dos agentes federais, utilizando-se de suas principais armas, o bom relacionamento com as pessoas e o pagamento de propinas a funcionários do governo e agentes da polícia.

Com circulação fácil nos meios políticos e sociais, sem, contudo, aparecer na mídia, ajudou a financiar campanhas de diversos políticos, ora emprestando dinheiro, ora fazendo doações para campanha ou até mesmo dando presentes generosos, como carros importados de alto luxo.

Na última investida da polícia federal em seu encalço conseguira escapar de maneira espetacular. Numa madrugada de sexta-feira, em Belo Horizonte, trezentos policiais federais e quarenta agentes da Receita estavam prestes a prender uma quadrilha de perigosos e milionários contrabandistas de diamantes.

O maior deles era Hassan Abdul, responsável por vendas ilegais para o exterior de US$ 1 bilhão em pedras preciosas brasileiras. Fortemente armados, os agentes se dividiram.

Um grupo fechou todas as entradas de um luxuoso prédio comercial situado no local de metro quadrado mais caro da capital mineira. Outro pelotão, pelas escadas, dirigiu-se ao bunker de Abdul no 13º andar. Tensos, estavam preparados para qualquer reação mais violenta por parte dos criminosos.

No mesmo momento, uma dezena de investigadores monitorava o hotel onde Abdul estaria morando. O cerco estava fechado. _ Hora de pôr as mãos em Abdul _ exclamou um deles, através de um pequeno rádio transmissor.

Os policiais invadiram as salas de seu escritório e se depararam com um sofisticado sistema de segurança e monitoramento de imagens.

O sistema, tipo caixa-forte, possuía três portas de aço controladas eletronicamente. Contudo, aquela situação parecia muito estranha aos agentes que não encontraram obstáculos ou sinais de resistência.

As portas de segurança do bunker estavam escancaradas. As chaves de dois cofres em cima da mesa, sem ativação dos segredos, davam pistas de que a quadrilha sabia da operação.

Não havia dinheiro, nem diamantes, nem sombra de Abdul. Atônito e decepcionado um agente que chefiava a operação pegou o telefone e comunicou o ocorrido expressamente ao delegado chefe da operação:

— Doutor, o sheik sumiu.

Diferente de outras situações, nessa, Abdul conseguiu escapar sem disparar nenhum tiro. Pouco antes dessa investida, chegara a ser baleado de raspão numa troca de tiros com agentes federais no interior do Mato Grosso.

Informantes teriam dado a pista de um dos elos da organização que controlava o comércio de maconha na região de fronteira. Indignado por ter sido alcaguetado exigiu a identificação do delator para dar-lhe uma lição.

As facções do crime organizado não costumam perdoar delações e os alcaguetes geralmente pagam com suas vidas.

Um dos informantes do confronto em Mato Grosso fora identificado poucos dias após a operação policial e receberia a punição merecida.

Cumprindo ordens de Abdul, quatro homens seguiram ao encalço de um jovem conhecido na região como Lino, tenente reformado do exército que se integrara à facção criminosa, intermediando a comercialização de maconha com produtores da região.

Abdul chegara a ouvir, sem dar muita atenção, que o tal delator era usuário comedido de entorpecentes e controlador de um pequeno ponto de venda de drogas em uma área de badalação noturna, onde funcionavam dois pequenos teatros, muito frequentado por jovens apreciadores de rock metal, na cidade de Goiânia.

Misturado aos jovens que lotavam o local, Lino foi observado por quatro homens encarregados de aplicar-lhe a pena merecida. Os pequenos teatros contíguos, nas décadas de 1980 e 1990 foram dois grandes reservatórios de água, operados por uma empresa de saneamento e abastecimento de água da cidade.

Esses reservatórios foram usados também durante o regime militar, como palco de torturas a perseguidos políticos.

Após terem sido abandonados por vários anos, um projeto cultural da cidade transformara as duas construções em teatro, cujos tetos contam com pinturas de um artista plástico local, famoso nacional e internacionalmente.

O local passara a ser utilizado por grupos de teatro amador, músicos regionais e bandas de rock alternativo, tornando-se um dos points de jovens roqueiros de Goiânia.

Lino, espremido entre os alucinados e cabeludos roqueiros, curtia o som de um cover da banda Deep Purple, executando smoke on the water, enquanto tragava seu baseado.

Em sua maioria vestidos de preto, os apreciadores do metal pesado balançavam as cabeças para frente e para trás e se esmeravam, tocando guitarras imaginarias.

No meio deles, quatro homens não perdiam de vista os movimentos de Lino. Ao final do show, após tomar uma cerveja no bar existente na área do centro cultural, Lino caminhou até uma área de estacionamento, formada por vielas e ruas sem saída, onde deixara seu carro.

Dirigiu-se caminhando a passos lentos, sem perceber que estava sendo seguido por dois homens. Dois outros encostados em seu carro aguardavam sua chegada. Ao perceber que estava sendo vítima de uma emboscada, tentou correr, mas, sem sucesso.

Cercado, foi presa fácil para socos violentos no rosto, região do estômago e rins. Um pontapé no queixo levou-o ao chão, já praticamente desacordado e com o rosto ensanguentado.

Um último chute acertou-lhe em cheio a região do baço. Aterrorizados, alguns poucos roqueiros que ainda vagavam pela redondeza, observavam inertes a agonia de Lino, caído no asfalto frio da madrugada, enquanto seus agressores fugiam em suas possantes motocicletas.

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