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Mais do que Deus

Quando cheguei na faculdade naquela manhã, a vice-reitora foi à nossa sala e avisou que o senhor Jax Gatti havia sido demitido e outro professor o substituiria, tendo a mesma formação acadêmica do antigo professor de Artes Plásticas.

Embora todos tivessem sido pegos de surpresa, não falaram nada, afinal o novo professor já estava presente e iniciou sua aula de forma expositiva, chata e nada lúdica ou atrativa. Parecia que o reitor havia feito de propósito ao substituir o professor de corpo atlético e chamativo por um senhorzinho que parecia ter saído do asilo para tomar o lugar de Jax.

Encerrada a aula, ouvi os comentários próximos:

- O que será que houve com o senhor Gatti?

- Ouvi certo ou disseram “demitido”?

- Por que o demitiriam? Ele era um ótimo professor e nunca faltava!

- O certo é que não aguentarei as aulas deste novo professor... Quase dormi enquanto ele falava.

Mirei Moana, que guardava seus pertences. Nossos olhares se cruzaram e dei-lhe um sorriso, de forma espontânea e ela rapidamente virou o rosto, evitando-me.

Senti uma pontada no coração. Moana era minha única amiga. Não que eu fosse excluída pelos demais, mas ninguém fazia questão de se aproximar de mim. Até porque eu não gostava de proximidade com pessoas de nível social inferior ao meu. Isso não significava que Moana fosse superior aos meus colegas, mas a família dela tinha um sobrenome conhecido na cidade e pertenciam à alta sociedade.

Eu estava indo embora quando vi meu pai na sala de espera do reitor. Fui na direção dele e perguntei:

- O que faz aqui?

- Vim conversar com o reitor.

- E por que está esperando?

- Porque ele se atrasou um pouco.

- Como assim se atrasou?

- Está numa reunião e acabou tomando mais tempo do que o esperado.

- E o senhor irá esperar?

- Por que não esperaria?

- Por que é Júlio Dave? – Ri, incrédula pelo fato de ele não usar seu nome para ter prioridades.

- Não sou Deus! Sou Júlio Dave, só isso.

- Júlio Dave é muito mais do que Deus.

- Você não sabe o que diz, Danna! – ele meneou a cabeça, furioso.

- Sei o que digo sim! Deus não tem importância alguma. Já Júlio Dave... – Ri.

- Deus não tem importância para você! Não me compare a Deus... Isso até me envergonha!

- Não deveria se envergonhar... Deus não realiza desejos. Você pode fazer o que quiser.

- Você é louca! Não consigo compreender o que passa na sua cabeça.

- Só não acho certo o senhor ter que esperar. E... Bem, se o reitor quiser falar sobre o senhor Gatti... Eu acho que deveríamos deixar isso de lado.

- Não, eu não deixarei isto de lado.

Ainda falávamos quando a porta se abriu e dois professores da faculdade saíram de dentro da sala do reitor. Fiquei incrédula pela ousadia dele de deixar meu pai esperando por conta de dois meros professores.

O senhor Jackson cumprimentou meu pai e depois me cumprimentou com um aceno de cabeça. Convidou meu pai a entrar e eu estava acompanhando-o quando ele disse:

- Senhorita Dave, se não se importa, eu gostaria de falar a sós com seu pai.

Arqueei a sobrancelha, pasma pela sua ousadia:

- Eu... Me importo sim. – Olhei para meu pai, pedindo por apoio.

Mas como sempre ele não o fez:

- Danna, ouviu o senhor Jackson. Seu carro e motorista a esperam no estacionamento. Ou vai para casa ou dispense-o e me espere até que eu encerre a conversa com o reitor.

Dizendo aquilo os dois entraram na sala e a porta foi fechada. Olhei para a secretária, sentindo minhas bochechas ruborizarem. Mas ela sequer estava prestando atenção em mim, fixa no computador à sua frente.

O certo era que eu não ficaria ali, como uma mera mortal, sentada na recepção esperando até que os dois tratassem sobre um assunto que me dizia respeito, porém sem a minha presença, o que era inconcebível.

Disposta a ir embora, saí e assim que acessei o estacionamento, deparei-me com o carro do professor Jax chegando. Incerta sobre o que fazer, fiquei imóvel até que ele descesse e viesse na minha direção.

Jax parou na minha frente e levantei os olhos em sua direção, encarando-o:

- Veio falar comigo? – perguntei.

- Sim. – Ele confessou, me fazendo sorrir, satisfeita.

- O que deseja, além de mim?

O professor deu um passo para trás, afastando-se:

- Danna... Por favor, volte atrás na sua mentira.

- Eu... – Minha voz falhou e eu não consegui dizer nada.

- Eu tenho uma vida fora daqui, Danna... E você a destruirá... Simplesmente por conta de um capricho seu. Sabe que eu não a toquei e sequer olhei na sua direção. E se quer que eu confesse, sim, você é uma mulher linda e sei que qualquer homem daria tudo para passar uma única noite com você. Mas eu já tenho uma família... E nos relacionarmos magoaria minha esposa, meus filhos e principalmente você... Porque eu gosto dela, da minha mulher, entende? E não quero que ninguém sofra... Por... Uma noite de sexo. Você fez uma denúncia formal contra mim!

- Não fui eu... Foi meu pai.

- Meu Deus... – ele passou as mãos no rosto, preocupado – Isso é pior do que eu pensava. Eu sou um ninguém, Danna... Acha mesmo que posso ir contra o senhor Dave?

- Ele acha... Que você me assediou sexualmente...

- Mas eu não fiz isto, porra! – Ele se aproximou de mim e fez menção de tocar-me, mas depois se conteve e deu um passo para trás.

Respirei fundo e confessei:

- Não era para ter tomado esta proporção, Jax.

- Tomou esta proporção no momento em que você entrou num helicóptero e jogou pétalas de rosa sobre a minha casa. Tomou esta proporção quando você me mandou um carro de presente. Tomou esta proporção quando fingiu que transamos e isto nunca aconteceu. Tomou esta proporção quando tentou de todas as maneiras me seduzir... E eu resisti. Juro que tento entender suas atitudes e se você tivesse dezessete ou dezoito anos eu até aceitaria esta porra de pensamento e suas atitudes inconsequentes. Mas eu pesquisei na sua ficha... E você tem 21... Ou melhor, quase 22 anos.

- O que minha idade tem a ver com isto?

- Você é uma mulher, Danna! Olhe para si mesma!

Abaixei a cabeça, incapaz de olhar nos olhos dele, sentindo-me imensamente culpada pelo que havia feito:

- Juro que não tentei prejudicá-lo desta forma.

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