CAPÍTULO 4 - MELISSA
MELISSA
Dias e semanas passaram assim como um soluço que chega, incomoda e parte.
Fazem três meses desde o enterro, três meses que parei de frequentar a escola e passei a estudar em casa. Tudo que tenho feito é ficar em casa.
Meus dias são tão entendiantes quanto as paredes brancas da cozinha, onde gasto boa parte do tempo ajudando Olga, o que é bom,porque assim não me sinto tão solitária. Ao contrário do esperado estudar em casa não é de todo ruim, na verdade, não precisar acordar cedo, dividir o banheiro e enfrentar os dramas diários da vida escolar. Tão vantajoso. Tio Lorenzo diz que adquiri maturidade muito cedo perante todas as perdas que tive que lidar, mas eu nunca tive nenhum apreço por essas fases da adolescência que a maioria dos jovens aprecia. A tranquilidade e a segurança me representam.
Nada de riscos.Nunca.
Por outro lado, fico feliz que a dor não tenha sucumbido minha família e que o tempo passou rápido o suficiente para que tenhamos seguido em frente. Não que a dor tenha desaparecido por completo, acredito que nunca irá acontecer, mas estamos convivendo bem com o que a vida nos deu. A única coisa que nunca muda é o desespero que percorre meu corpo toda vez que enxergo os olhos tristes dele, apesar de todo o meu empenho para fazê-lo alegre todos os dias, em momentos que ele acha que não estou vendo o vazio preenche todo o seu ser e ele se tranca em seu escritório, contudo no último mês, tio Enzo parece realmente feliz com nossa vida e sempre sorrir em minha direção quando o encaro, deixando evidente a adorável marquinha em seu queixo. O azar foi que ele completou trinta e um anos exatamente um mês e duas semanas antes de seu aniversário de dez anos de casado com titia e por mais que ele tenha tentado negar, sei o quanto isso o atormentou. Significa também que foram dias terríveis pra todos nessa casa, principalmente pra mim, seu humor estava tão ruim que escolhi ficar longe.
Acontece que também não faz tanto tempo que fiz aniversário, sinto que meus dezessete anos não trouxeram mudanças só para meu corpo, posso sentir pensamentos e sensações surgindo agora mesmo. Sensações que acontecem quando estou pensando nele ou próxima o suficiente para sentir seu cheiro.
Passo minhas unhas recém pintadas de azul turquesa por minha saia preta plissada, encaro a porta trancada novamente e me espio no espelho que toma metade de uma das paredes do meu quarto, encaro a imagem em minha frente por alguns segundos sem entender o real motivo da minha curiosidade. Não posso deixar de ficar nervosa com todos os hormônios se aglomerando dentro de mim, eles me trazem sensações e pensamentos novos a todo instante. Por exemplo, eu nunca tive vontade de encarar meu corpo nu e avaliar como ele era, no entanto, aqui estou eu.
Mordo meu lábio e dou mais uma olhada na porta trancada.
Respira, Melissa.
Os olhos grandes azulados que herdei de mamãe, descem por todo o meu reflexo e paralisam nas minhas mãos apoiadas em cima do zíper lateral da saia, eu o desço lentamente e ela cai no chão,se amontoando nos meus pés. A jogo para o lado e volto a me olhar. Minhas mãos seguem para a dobra costurada na extremidade da minha blusa branca, a bainha e a puxo pra cima. Estou apenas de lingerie preta e um "oh" deixa meus lábios quando constato que pareço atraente vestida assim. O sinal de nascença em meu quadril,um que parece um coração, deixa ainda mais saliente o contorno da renda da calcinha em minha pele pálida.
Balanço minha cabeça e dou um passo para trás pronta para colocar minha roupa de volta, mas travo no meio do caminho. Estou tentada para saber como são os contornos dos meus seios e em como eles ficam em meu corpo. Mordo meu lábio inferior quando abro o feixe do sutiã, quando os montes embranquecidos aparecem sinto o constrangimento invadir todo meu corpo. Minhas bochechas queimam de vergonha quando penso no que tio Enzo pensaria se me visse assim, nessa situação.
Ouço o barulho da porta, escuto a voz de Olga e outra mulher, deve ser minha professora de gramática. Visto de volta minhas roupas com rapidez e corro para a sala.
—Melzinha, meu bem, sua professora chegou. —Olga fala e caminho para abrir a porta, ela sorrir ao me ver e descemos juntas a escada. Como se tudo tivesse na mais devida ordem.
Sorrio para a mulher assim que ela me avista, sua postura séria enganaria qualquer um que não a conhecesse, ao menos um pouco. Damos início a aula e me perco em suas explicações, totalmente envolvida por suas palavras.
Perco a noção do tempo e estranho quando ela encerra a aula. Checo o relógio em meu pulso e vejo que já são quase dezoito horas, daqui uma hora e meia ele voltará pra casa. A mulher se despede e corro para a cozinha logo depois, me sirvo um pouco de suco e subo as escadas para um longo banho.
Me viro na cama sem conseguir encontrar uma boa posição, os barulhos de trovões do lado de fora fazem minha mente criar um cenário de filme de terror. Subo devagar no colchão grande e confortável, em movimentos leves e precisos para não acordá-lo, me deito ao seu lado na cama. Puxo o edredom quente e macio sobre meu corpo e me aninho ao único travesseiro disponível. Existe um temporal fazendo um baita estrago lá fora, com grandes estrondos que me impediram de dormir sozinha.
—O que faz aqui, princesa? —Um resmungo seguido de um bocejo me puxa de meus pensamentos e o fito intrigada.
Seus olhos continuam fechados. Balanço minhas mãos rente a seus olhos, ainda parecendo absorto do que está acontecendo ele resmunga coisas ilegíveis. Aproximo meu rosto do seu para checar melhor.
—Você cheira bem. —Fala com a voz rouca e preguiçosa.
—É o hidratante, você está acordado? —Pergunto. Sua boca é repuxada em um sorriso travesso.
—O que você acha?
—Você pode ser sonâmbulo e nem vai se lembrar dessa conversa amanhã. —Suas pupilas me encaram, o amarelo parece mais intenso de perto. Não consigo desviar minha atenção deles por segundos indefinidos. Ele é tão bonito.
-– Eu gosto desse seu hidratante. —Minha atenção corre para sua boca. Ela parece tão rosada.
—É de morango com chantilly. —Falo, voltando para seus olhos e impedindo minhas mãos de explorarem seus lábios, apesar de parecer que eles clamam por atenção.
— Morango com chantilly. — ele repete, reflexivo, então sua língua sai para fora e umedece os lábios. —O que faz aqui? — pergunta, mantendo contato em cada palavra dita.
—Os trovões. —Explico e ele balança a cabeça compreensivo. Volto para meu lado na cama.
—Você costumava vir pra nossa cama quando era pequena em noites assim. — Seu rosto vira na direção do meu e observo as marcas existentes ali.
—Então, sempre fui uma medrosa. —Mordo o lado interior do meu lábio com os dentes.
Existe uma pequena cicatriz logo acima de sua sobrancelha esquerda. Percorro meus dedos por ela, sem permissão.
—Foi um acidente quando eu tinha uns dez anos, nunca fui uma criança muito comportada. — explica. Beijo em cima da cicatriz.
Ele franze a testa.
Ficamos em silêncio, o barulho da chuva bate no telhado da casa e o vento sopra contra as janelas. Percorro seu rosto com meus dedos.
—Você não é uma medrosa, mas achei que esse seu medo tivesse passado. —Fala, afastando minha mão.
—Nunca passou, mas eu estava no colégio em época de chuva. Então quando eu voltava pra cá não tinha que lidar com trovões, por isso, parei de me esgueirar na cama de vocês.
—Como era, lá? No colégio interno. Eu nunca perguntei se você queria ir pra lá de início, mas também não te consultei sobre sua saída. —Solto um suspiro carregado de lembranças e ele se ajeita para me olhar melhor, apoiando sua cabeça na mão esquerda.
Lembro de todos os momentos vividos com as meninas, minhas poucas amigas. Cada acontecimento e consequência, os segredos divididos, as risadas e brincadeiras. Não disfarço a tristeza que foi deixá-las, contudo mantenho nossos olhos em uma só reta para pronunciar minhas próximas palavras.
—Eu fiz amigas, vivi ótimos momentos e sinto falta da atmosfera de lá. Sinto falta das minhas meninas, no entanto, estou onde deveria estar e estou feliz com isso.
—Sou um egoísta filho da puta por te tirar tudo isso, mas mesmo tendo a ciência disso, se você pedir agora pra voltar, não sei se permitirei.
Continuamos nos encarando, ouvindo a respiração um do outro em meio ao silêncio. O barulho da chuva envolve o ambiente em um clima acolhedor e gostoso, guio meus lábios em direção aos seus e a pele macia torna pontos específicos de meu corpo em chamas com segundos de contato, talvez tenha sido suas palavras que me deixaram tão necessitada para provar que também preciso dele, nós só temos um ao outro.
A minha pele é aquecida quando sinto sua mão em meu pescoço, espero pra ser empurrada pra longe, porém sua mão só fica por lá. Mexo meus lábios e peço permissão pra minha língua adentrar sua boca, quando as duas se chocam um gemido me escapa e sua mão aperta contra meu pescoço.
— O que está fazendo? — questiona, os olhos presos nos meus.
— Sua boca parece macia. — confesso. — Queria provar.
Ele rosna, ainda com a mão no meu pescoço,mas não me afasta, embora o aperto tenha ficado mais forte.
— Por favor. —imploro, sentindo sua resistência. Seu rosto começa a se contorcer numa careta.
— Você está confusa, Melissa. Sou seu tio.
— Ninguém vai saber. —falo contra sua boca, deslizando a língua pelo lábio inferior e o puxando entre nos dentes. —Por favor, Enzo. Será nosso segredo. — volto a implorar e ele rosna.
— Porra!
Minha boca bate na dele com certo desespero, as pontas dos meus dedos estão formigando junto com o resto do meu corpo. Exploro sua boca com todo o ensinamento que obtive dos romances que li, busco pela experiência que nunca tive e ele me permite. Estou ditando o ritmo, brincando com a língua e dentes.
— Chega! — ele grita, embora o tom rouco ofusque seu autoritarismo. Sua mão está na minha nuca, os dedos presos no meu cabelo. — Pare de agir feito uma puta. — volta a gritar, dessa vez, parecendo furioso. Me encolho nos seus braços, me sentindo humilhada.
Não foi um beijo longo ou necessitado, mas foi o suficiente para perder o fôlego e me sentir realmente bem.
Ele me olha como se não acreditasse no que acabamos de fazer, mas parece mais culpado do que envergonhado. Uma sensação estranha percorre meu corpo quando o sinto se afastar e só consigo pensar o quanto eu deveria estar arrependida, porém só consigo desejar fazer de novo e de novo.
— Nunca mais me chame assim.
—Eu sinto muito, Mel. Eu não… droga! Me perdoe, melzinha.
— O resto foi bom. — sussurro, não resistindo e tocando meus lábios.
Ele me encara como se eu não fosse real.
— Vamos dormir. —Ele rosna, levando seu corpo para a ponta da cama, ficando o mais distante possível de mim.
Assinto, mesmo que ele não possa ver.
Ele me beijou!
Deito minha cabeça contra o travesseiro e tento dormir.