CAPÍTULO QUATRO
— Ai, nossa! Merda! Ui! — Solto alguns gemidos doloridos, assim que abro os olhos e vejo que adormeci sentada no chão mesmo. A noite foi longa. Eu e o Pinguinho... Ah, sim! Tive que dá um nome para ele, porque como eu conseguiria me abrir para um alguém sem nome? Isso seria ridículo. Mas o fato é que eu abri uma garrafa de vinho e enchi uma taça, e o Pinguinho se esbaldou em sua tigela de leite, enquanto me ouvia. Chorei, ri, desabafei, xinguei, amaldiçoei e o coitado do cãozinho me acompanhou no meu triste dilema. E depois de uma garrafa vazia ser jogada com violência contra uma parede, eu me agarrei ao filhote e nós adormecemos abraçadinhos. A parte ruim dessa farrinha particular veio agora. Estou com uma puta dor na coluna, no pescoço e por consequência de secar uma garrafa de vinho sozinha, sem ao menos comer alguma coisa, também estou com dor de cabeça. O filhote, nem sei por onde anda e o chão da sala está uma nojeira. _ Merda, preciso limpar essa bagunça antes que todos cheguem! _ falo praticamente gemendo, quando consigo levantar-me e decido fazer uma sequência de a fazeres; tomar um banho, limpar o chão, achar o cãozinho e o pôr de volta em sua jaula, comer alguma coisa e tomar um remédio para dor, não necessariamente nessa sequência.
Uma hora e meia depois, eu tenho quase tudo sobre controle, eu disse quase tudo, pois ainda estou de calcinha e sutiã, depois de um banho demorado e relaxante, e estou na sala do doutorzinho procurando algum medicamento para dor, se eu quiser ter um bom dia de trabalho hoje. Mas eu tenho um belo problema aqui. Eu não entendo nada de medicamentos, não sei para que eles servem, então eu fiquei pulando de caixinha em caixinha dentro de armário, até sentir o meu corpo inteiro estremecer, ao ouvir a porta se abrir atrás de mim. Paralisei completamente.
_ Marina?! _ A voz cheia de surpresa do doutorzinho bradou dentro do cômodo e eu ajeitei a minha postura, sentindo a cabeça latejar imediatamente. Respirei fundo, mas não consegui abrir o meu sorriso feliz, me virando de frente para ele em seguida. Vi quando os seus olhos passearam desenfreadamente pelo meu corpo seminu e pela primeira vez me senti inibida diante de um olhar masculino. O quê? Eu gosto que me olhem, que me desejem, que me queiram, mas quando eu quero, e não quando sou pega no flagra. Merda de vida!
_ Doutorzinho _ digo, porque eu realmente precisava dizer alguma coisa. Seus olhos sobiram pelo meu corpo, encontrando os meus. Ele une as sobrancelhas em confusão, diminui os olhos e questiona em seguida.
_ Dormiu aqui? _ Olhei imediatamente para o relógio na parede e vi que ainda faltava uma hora para iniciar o seu expediente e bufei.
_ O que faz aqui uma hora dessas? _ Ele dá de ombros e adentra a sala, passando ao meu lado, e deixa uma pasta de couro branco em cima da sua mesa.
_ Estou me organizando ainda. O outro veterinário não era muito organizado e para ganhar tempo decidi começar mais cedo. E você?
_ O que tem eu?
_ Não me respondeu a pergunta. _ Ele cobra. Abro pela primeira vez o meu sorriso nessa manhã tão estranha e vou até o meu funcionário, chegando o mais perto possível dele, e fico na ponta dos pés, para alcançar a sua altura. O olho bem dentro dos seus olhos e propositalmente aproximo o meu rosto do seu, de modo que as nossas respirações se encontram. Meus olhos descem para os lábios cheios e levemente avermelhados. Noto Heitor engolir em seco e tenho vontade de rir.
_ Não é da sua conta, Heitor _ sussurro bem séria, para que fique bem claro que ele não deve se meter em minha vida. Ele assente sem tirar os seus olhos dos meus. _ Ótimo! _ falo, afastando-me dele e lhe dou as costas para sair da sua sala, fazendo uma careta de dor, e levando dois dedos a minha têmpora, massageando-a e me amaldiçoando por não conseguir pegar o maldito remédio. _ Ah, e era uma veterinária _ digo olhando rapidamente para ele e fecho a porta em seguida.
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Você já esperou por algo com tamanha ansiedade e descobriu que tudo não passou de ilusão? A decepção é uma doença que corrói a alma. Eu me lembrava a cada minuto da minha vida, as palavras de promessas da minha babá... A cada aniversário eu me perguntava se havia crescido o suficiente para ser amada por alguém. E foi quando eu completei os meus quinze ou dezesseis anos, que eu vi que era inútil esperar por algo que nunca viria. Merda, eu tinha que colocar na minha cabeça que eles realmente não me queriam, e ai veio os tempos de revolta. Eu precisava pôr aquilo para fora de alguma maneira, e faria isso nas minhas atitudes e decisões. Quando eu tinha dezesseis anos armei a maior confusão da minha vida. Meu Deus, eu tive a ideia de fazer a noite do pijama e de trazer as minhas únicas e melhores amigas para essa brincadeira, que de inocente não tinha nada. O meu intuito mesmo era aprontar mais uma para aumentar a dor de cabeça dos meus pais. A Kelly e a Cris jamais poderiam imaginar o que se passava em minha cabeça naquela época. A ideia de convidar os meninos e o fato da Cris está apaixonada pelo Call e a Kell pelo Lipe, facilitou muito os meus planos. Eu precisava levá-las comigo para o fundo do abismo. Eu era mesmo uma péssima amiga! Era egoísta ao ponto de não querer me afundar sozinha. Só que naquela mesma noite, eu vi que se não fosse por elas, eu teria destruído a mim mesma. Lembrar que levei aquele carinha que eu mal conhecia para a cama dos meus pais, e que transei com ele, enquanto nos embriagávamos, foi o meu último ato impensado. Daquele dia em diante, eu me importaria comigo mesma e desistiria do amor que me foi negado por anos.
Olho o relógio de pulso, assim que termino com o relatório de pedidos de alguns produtos e guardo tudo em um envelope para entrar em contato com alguns distribuidores, assim que voltar do almoço. Não pensem que estarei indo para um restaurante ou coisa assim. Eu almoço aqui mesmo no meu trabalho, junto com os meus funcionários, jogando conversa fora. Essa é a melhor parte do meu dia. Saio da minha sala e vou direto para uma pequena copa que mantenho aqui e pego na geladeira a minha marmita e a aqueço no micro-ondas. E assim que chego perto da pequena cozinha, encontro o doutorzinho parado no espaldar da porta, mas ele não está sozinho, a Deby está parada bem na sua frente, jogando conversa fora, e o assunto deve ser bem interessante, pois ela tem toda atenção dele só pra ela. Eu suspiro e dou alguns passos para uma mesa pequena, que tem um formato retangular, onde cabem seis cadeiras. Me acomodo na ponta da mesa, de onde posso vê-los. Ela diz algo, eles riem e vem andando lado a lado para dentro da copa. A pergunta é, o que tá rolando entre eles? Porque caralho, eu fiz de tudo para ter um sorriso daquele pra mim e não ganhei nada, além de um rosto sério e de palavras profissionais. Observo os dois irem até a geladeira, ele pega uma vasilha pequena, redonda e vermelha e ela pega uma quadrada e branca. Ainda com uma conversa instigante, eles vão até o micro-ondas, aquecem suas refeições e finalmente vem para a mesa. Rick puxa um assunto sobre pescaria, e em algum momento Lua fala sobre uma noitada na danceteria e logo todos se habilitam a ir.
_ Eu convidei o Heitor. _ Deby fala animada. O rapaz abre um meio sorriso e leva uma porção de sua comida a boca.
_ Você vai, Heitor? _ Lua pergunta e ele dá de ombros.
_ Falei que talvez dê uma passadinha por lá.
_ Cara você precisa conhecer a Nigth Kiss, ela é fabulosa! _ Rick reforça o convite. Em silêncio eu termino o meu almoço, levanto da cadeira, vou até a pia e lavo o recipiente, o deixando em um escorredor.
_ Não demorem crianças, temos muito trabalho hoje _ falo, seguindo direto para a saída.
_ Uai, o que deu nela? _ Escuto o sussurro da Lua. A verdade é que eu não sei o que deu em mim, e dificilmente alguém saberá.
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_ Ok, Marina, os pedidos já estão todos catalogados. Para quando você os quer? _ Patrício, o gerente de distribuição pergunta ao telefone.
_ Pode ser amanhã? Estou quase no final do meu estoque.
_ Tudo bem. Amanhã mandarei entregar na sua loja. _ Abro um sorriso satisfeito.
_ Obrigada, querido!
_ Por nada! Posso perguntar uma coisa? _ Suspiro me encostando em minha cadeira, e elevo os olhos para uma janela retangular e transparente da minha sala, no exato momento em que o doutorzinho passa pela recepção. Suspiro. Droga, eu suspirei! Que merda é essa? _ Marina, você ainda está ai? _ Sou despertada pela voz do Patrício do outro lado da linha.
_ Sim, estou aqui _ falo ainda olhando o lado de fora da minha sala, na expectativa de vê-lo retornar. Não estou me reconhecendo, que merda!
_ E então? _ Ele pergunta. Eu me ajeito na cadeira.
_ Desculpe, Patrício mas não vai dar _ respondo sem ao menos saber do que se trata.
_ Só um jantar, ruivinha, não vou te morder. _ Merda outra vez! O gerente de distribuição quer me levar pra jantar e eu disse não! O cara é um gatinho e o sotaque português carregado, é puro tesão, e eu disse não?! Acorda Marina, essa não é você. Me debruço sobre minha mesa e penso que foi para isso que eu vim para Portugal, certo? Para mudar esse meu jeito louco de me entregar sem medidas e de me iludir com essa história de amor. Estou tentada a dizer não, quando vejo o doutorzinho voltando para sua sala, de braços dados com a Deby. Eles estão rindo de algo e parecem íntimos demais. Não estou gostando disso nem um pouco, e sentindo um tipo de raiva de não sei o que, eu digo:
_ Tudo bem! _ O português riu do outro lado da linha.
_ Maravilha, Marina! Você não vai se arrepender.
_ Eu realmente espero que não, porque estou acostumada a ter o melhor, Patrício.
_ Você quer o melhor, então eu te darei o melhor. _ Nem espero ele concluir sua fala, desligo o telefone, o largando em cima da mesa e deixo a minha cabeça encostar no encosto da cadeira, fechando os meus olhos em seguida, e solto uma respiração baixa, porém audível.
_ Eu disse que sim, sou uma merdinha mesmo! _ rosno para mim mesma. No final do expediente, resolvo sair antes de todos, algo que não faço desde que abri a loja. Passo na recepção e entrego as chaves para Lua que está atrás do balcão. _ Você fecha pra mim hoje? _ peço com um tom sério demais, que não é o meu normal. A garota sorri, mas eu não retribuo e a pergunta volta a preencher a minha mente logo em seguida. “Quê que está acontecendo comigo?”
Ao deixar o Brasil eu prometi a mim mesma; nada de dor, nem esperanças, nem sofrimentos... Eu sorriria, mesmo que não desse para sorrir. Mas especialmente hoje, e exatamente agora, estou de mal humor. E sem retribuir o sorriso da minha funcionária, eu me afastei do balcão.
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A noite não tive ânimo para me arrumar. Então eu pus apenas um vestido de alcinhas, com um tipo de tecido macio, não muito colado ao meu corpo, e de saia solta a partir da minha cintura. Pus um salto alto de tirinhas e deixei as madeixas acobreadas soltas, caindo pelas minhas costas. A maquiagem simples, cobriu as poucas sardas que eu tenho no rosto, mas audaciosa, passei o meu batom vermelho. Olho para o relógio e sorrio, pegando a pequena bolsa a tira colo, no exato momento em que a campainha tocou. Eu abro a porta e ainda sorrindo, encontro o meu gerente de distribuição vestindo um conjunto de terno elegante e segurando um buquê de flores na mão. Então, não sou uma garota que morre de amores pelas flores e também não sou do tipo romântica e tal. Nos meus tempos de revoltas, eu era mais do tipo que pegava mesmo e não havia delicadeza alguma naquilo, e o fato desse português gatinho fazer uma abordagem diferente de tudo que estou acostumada, me estimulou a experimentar algo novo. Dou de ombros.
Vai que rola, né?
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Como havia me prometido, Patrício me levou a um dos melhores restaurantes de Lisboa. O som ambiente, as pessoas elegantes que conversavam baixo demais, o luxo exuberante do lugar. Tudo era convidativo, mas não para mim, que já estava acostumada com tudo isso e queria distância da classe alta da sociedade. Durante o jantar, regado ao mais caro vinho, Patrício se tornou um livro aberto para mim. Se eu deixasse ele falaria até da sua arcaria dentária, e é claro, que ele tentou arrancar alguma coisa de mim também. A noite terminou com um beijo educado, que eu fiz questão de torná-lo safado e fomos para a minha cama. A final, eu merecia um bom sexo depois de ter que engolir tudo isso.