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Capítulo 6

– Hoje vou falar com os funcionários sobre o que eles precisam, visitar as áreas de fora para opinar, falar sobre a agenda da Senhora Zilena e depois falar sobre a agenda do Senhor Rashid e, por fim, preparar as planilhas de gasto do mês. – Disse para mim mesma no meu quarto até que ouvi um assobio.

– Já começou a ficar louca? – Perguntou Karen da porta do meu quarto.

– Não. Apenas mentalizando o que tenho que fazer hoje.

– Está ficando louca. – Ela sentenciou. – Está até falando de olhos fechados sobre o trabalho.

– Não estou! – Exasperei – Estou falando sério.

– Ai, Meu Deus. Você é sonâmbula e eu estou conversando com você assim? – Contou-me Karen assim que terminou de me balançar, o que era definitivamente errado para se fazer com uma sonâmbula agora morta de vergonha!

Desorientada a olhei e percebi que não tinha posto o meu celular para despertar e estava vestida com o meu lindo pijama de ursinho no meio da escada. Karen estava se segurando para não rir.

– Onde estou? O que aconteceu? – Karen não conseguiu se aguentar e passou a rir.

– Você é sonâmbula, caramba! Você estava andando por aí de olhos fechados. – Olhei-me e, num surto de loucura comecei a correr de volta para meu quarto. Karen veio atrás, rindo.

– Não ria de sonâmbulos! Eu não costumo andar! É estresse! Mexe com a cabeça. Eu só fazia isso quando criança. – Não estava adiantando dizer alguma coisa, Karen continuava rindo de uma maneira muito fofa de mim.

– Pare de rir de mim! – Pedi, mas ela não parou. Além disso, ela era fofa demais para eu ficar com raiva disso.

Depois de fingir que ia esganá-la, finalmente, voltei para meu quarto para me trocar para mais um dia de grandes serviços pela frente. Coloquei quilos de maquiagem na linha roxa abaixo do olho – a única coisa que evidenciava a briga – e calças legging com uma blusa três quartos de cor branca. Eu ia andar para o lado de fora da mansão. Precisava estar preparada para isso.

– O que tenho para hoje, Senhorita Agnes? – Perguntou-me Zilena enquanto vinha andando rápido em minha direção. Ela estava segurando uma bolsa de mão pequena e estava com um lenço preso na cabeça de cor cinza. Havia uma delicada joia adornando o começo do lenço. Como sempre impecável.

– Em quinze minutos a Senhora vai para uma confraternização na mansão de Mohamed Abdulah. Depois disso você retorna e só a noite, no jantar. – Disse enquanto acompanhava o passo de Zilena. Ela estava andando rápido, como se estivesse com pressa.

– Perfeito. Até mais. – Disse Zilena enquanto movia-se até um dos carros e entrava. Logo em seguida veio o senhor Rashid que, aparentemente, ia para sua empresa, trabalhar. Observei enquanto ele partia sem dizer uma palavra sequer, tampouco me perguntar se havia alguma coisa em sua agenda. Ele parecia um fantasma se movimentando, até seus passos pareciam leves e tranquilos.

– Bem, vamos lá então. – Disse a mim mesma, dando de ombros, enquanto seguia para uma sala no lado esquerdo da escada. Eu tinha pedido para Karen chamar todos para que eu pudesse ter uma ideia do que precisavam e como as coisas iam por ali. Rapidamente, me movi ao encontro da sala e encontrei todos reunidos, esperando que eu falasse.

Haviam muitos outros empregados que eu não conhecia. Aquela mansão, com certeza, precisava de muitos! Mesmo assim, os responsáveis por eles estavam todos na frente e deles, sim, eu lembrava os rostos. Dei um meio sorriso enquanto abria minha própria agenda para fazer as anotações.

– Estou aqui para começar a ficar por dentro das coisas que acontecem na Mansão. Como sabem ainda sou muito nova por aqui e vou precisar da ajuda de todos para conseguir me situar bem. – Olhei os rostos que me olhavam com interesse. Ao menos eu não estava mais quebrada. Só se tocassem no meu olho que ficava sensível. Pelo menos eu não parecia um monstro. – Vou precisar que vocês estejam me atualizando sempre das coisas que precisam, dos novos alimentos, materiais, etc. Vou atrás daqui a pouco das planilhas de gasto da casa para organizar isso melhor. Contudo, ao que já fiquei sabendo por dentro, a cada quinze dias a Sra. Zilena deixa que eu e mais dois saíamos atrás do que precisamos. Se eu não em engano, junto de Tomas e Shadique. – Minha mente tentou lembrar dos nomes sem problema, falhando miseravelmente, claro. Contudo, para meu alívio, as pessoas que eu havia citado concordaram com a cabeça. Sim, eu estava certa. Eram eles mesmos.

– Bem, peço então que até o fim do dia vocês me deem a lista de vocês. Acredito que no fim da semana poderei atualizar tudo o que poderemos fazer. – Todos concordaram antes de se dispersarem. No fim, eu ainda precisava fazer algumas coisas a mais. O meu dia estava corrido.

O sol estava a pino. O deserto se estendia para todas as direções e o calor parecia fazer com que eu pingasse ainda mais diante das roupas que usava. Ainda assim, apenas prendi minha juba terrível num rabo de cavalo enquanto ia atrás de uma blusa de manga comprida para ir ao sol. Não queria sentir as queimaduras de segundo grau que poderiam se fazer em minha pele se eu não tomasse cuidado.

Matias me acompanhava enquanto andávamos pela área das piscinas na mansão. Era uma grande área, com espaços maravilhosos e uma água geladíssima que dava uma vontade imensa de me jogar ali dentro. É claro que eu não podia. Eu sabia disso. Ainda assim, continuei ouvindo o sotaque arrastado de Matias que falava.

Ele parecia ser de algum lugar da França ou da África, embora eu não soubesse dizer exatamente de onde. Falava com um sotaque arrastado e acredito que falasse mais francês. Sua pele escura e brilhosa constatava com a blusa branca três quartos que ele usava. Estava divino enquanto apontava para a piscina e falava:

– A piscina está sendo limpa todos os dias. A Sra. Zilena comentou que vai ter uma festa antes da festa do Sr. Sith. – Olhei interessada. Essa eu tinha sido pega de surpresa! Como assim Matias sabia que ia ter uma festa antes de mim? Claro, para mim era tudo novidade. Não sabia que haveria uma nova festa. Ninguém lembrou de comentar comigo, a governanta. Por que, claro, não devia ser importante…

– E o senhor sabe dizer que dia isso vai acontecer? – Perguntei para Matias. Ele me deu um sorriso lânguido.

– Se a Srta. Governanta não sabe, como eu saberei? – Ele fez uma cara de que não sabia. Ri do comentário que Matias tinha feito.

– Tudo bem. Vou atrás de saber disso. Você precisa de alguma coisa, Matias? – Perguntei e ele deu um meio sorriso. Pareceu pensar um pouco enquanto dizia:

– Telefone. – Tonta, do jeito que era, concordei enquanto apresentava o meu celular a sua disposição. Matias negou balançando as mãos na frente dele próprio. Acho que ele estava com vergonha, mas eu não conseguia entender o porquê. Alguma coisa parecia me lembrar do que era, no fundo da minha cabeça, mas a voz estava tão baixa que eu não conseguia entender.

– O telefone da Senhorita. – Arqueei uma sobrancelha. O que Matias estava falando? Por acaso ele insinuava que eu tinha roubado aquele celular? Sr. Matias, foi um celular bem caro, se você quer saber.

– Mas esse é o meu telefone, Matias. – Disse confusa. Matias colocou as mãos para trás nas costas, no que parecia uma posição militar.

– Gostaria de poder conversar com a Senhorita por mensagem de celular. – Disse Matias sendo mais expressivo. No mesmo segundo, corei. Não só porque tinha dado uma de tonta – o que eu era, óbvio, mas preferia que ninguém soubesse – mas porque Matias estava me pedindo o meu número de celular. Olhei para o chão. Preferia não pensar nisso para não corar mais.

– O senhor tem certeza? Não tem problema me chamar se quiser falar comigo… – Tentei. Matias negou com a cabeça. Engoli em seco. Mas que mal havia não é mesmo? Matias queria conversar como amigos. Em nenhum momento ele tinha me destratado ou algo assim.

Talvez a minha breve aproximação com Seth estivesse fazendo mal a mim mesma. Achando que todos os homens eram iguais a ele. Obviamente que não. E ele entenderia, não? Entenderia que não quero me envolver com ninguém. Não enquanto eu estiver aqui. Afinal, daqui há um ano vou embora. Não quero me envolver com quem depois nunca mais verei.

– Se a Senhorita não se importar. – Disse Matias já parecendo desistir da ideia de que eu daria meu número de celular. Dei o meu melhor sorriso enquanto o dizia o número. Ele anotou calmamente no dele e me perguntou, com um sorriso também: – A senhorita tem Whatsaap? – Ri enquanto me afastava de Matias voltando para dentro da mansão. O sol estava escaldante e eu já sentia o suor escorrendo pelas minhas costas. Precisaria de um banho urgente.

– Tenho Matias. Até mais. – Dei um tchau com a mão levantada e Matias fez o mesmo rindo. Cada coisa que me acontecia e eu mal havia chego na mansão…

Decidi que deveria partir para meu último serviço. Contudo, antes disso, decidi almoçar. Nos reunimos todos na cozinha do lado esquerdo da mansão. Descobri que a cozinha tinha uma mini escada que se comunicava com a cozinha do lado de cima e, mais que rapidamente, Sahir trouxe nosso almoço para o andar de cima.

Ela tinha feito o que parecia um arroz muito bem temperado, embora eu não soubesse dizer com o que. Tinha um gosto meio agridoce, misturando sabores que lembravam anis e pimenta. Não sabia dizer. Contudo, era muito bom! Delicioso.

– Meu menino vai fazer vinte e quatro anos daqui duas semanas e meia. – Comentou Sahir para todos que ali estavam reunidos. Ela sentia-se orgulhosa em dizer isso. – O mesmo tempo que estou cozinhando para a Sra. Zilena. – Disse Sahir enquanto se sentava ao meu lado. Uau! Era muito tempo junto de uma mesma família. Muito tempo estando no mesmo lugar. Além de que, nossa, Seth só tinha 23 anos de idade? Meu Deus! Ele era realmente novo! Não podia acreditar.

– Ele é tão novo. – Comentei e Fadhir riu enquanto colocava uma colher de comida na boca.

– Mas desde cedo o menino Seth ajudou o Senhor Rashid nos negócios. – Comentou Sahir. Arqueei uma sobrancelha. O que era cedo para ela? Por que desde os dezesseis eu trabalhava para ajudar minha família. Às vezes a gente tem que ajudar embora pareça novo para alguns. O que era novo para eles? Dezesseis também? Eu não sabia dizer. Acabei perguntando:

– Quão novo? – Sahir pareceu pensativa por algum momento. Olhou para cima como se estivesse contando os anos, mas pareceu se perder. Acabou bufando enquanto perguntava para Karen:

– Karen, quantos anos você tinha quando o menino Seth tocou sua cabeça porque você quase fez bagunça pela mansão? – Perguntou Sahir. Karen pareceu pensativa também, embora não parecesse feliz com alguém lembrando de seu passado. Disse:

– Acho que eu tinha 7 anos, Sahir. Por que? – Fadhir me olhou.

– Quantos anos tens agora? – Karen, tal como eu, parecia também não entender o que a mulher estava fazendo.

– Dezessete, Senhora. – Fadhir balançou a cabeça concordando.

– Faz dez anos então. Seth começou a ajudar o Senhor Rashid quando tinha 13. – Me disse e finalmente eu e Karen entendemos a maneira estranha que Sahir tivera de contar o tempo. Por acontecimentos. Acabei dando de ombros. Cada um tinha sua maneira de o fazer. De qualquer forma, eu não tinha muito tempo a perder. Provavelmente ia ficar a tarde toda nas planilhas.

– Se me derem licença… – Comecei enquanto saia, mas as mulheres já estavam em outro mundo, noutra conversa e eu tinha sido completamente esquecida. De qualquer forma, não me importava mais. Segui para meu próximo trabalho.

Segui para o que parecia uma sala de negócios. Ficava depois dos quartos dos visitantes. Ali, claramente, pude perceber as planilhas jogadas por cima de uma mesa. Na verdade, o quarto inteiro estava cheio de papéis.

Primeiro começava com uma mesa gigantesca com papéis e um laptop em cima dela. Além disso, havia uma janela imensa atrás da mesa e vários armários que pareciam guardar muitos arquivos. Talvez eu fosse ficar ali muito tempo. Suspirei. Eu me considerava uma pessoa razoavelmente organizada, ou que, pelo menos, tentava manter tudo em ordem. E, se era meu trabalho organizar todos os gastos da casa em planilhas organizadas, eu o faria. Nem que durasse a tarde inteira.

Comecei a tarefa enfadonha de organizar os papéis. Comecei a fazer pilhas. Uma pilha com gastos da cozinha, outra com gastos da piscina, outra com gastos de limpeza. E assim fui fazendo. Olhava cada papel com cuidado para identificar bem do que se tratava. As despesas que tinham me pedido ficaria para outro momento. Precisava organizar, primeiro, o que já estava gasto e jogado como um peso qualquer, naquela sala.

A tarde ia avançando enquanto eu organizava aqueles papéis. Percebi os raios de sol tornando-se cada vez menos frequentes enquanto eu continuava na tarefa tediosa. Comecei a brincar com minha própria mente. Certamente se quisessem jogar algum corpo morto naquela sala o fariam sem problemas. Demorariam anos para achar, de qualquer maneira.

Também comecei a ver como aquela mansão gastava! Cada gasto que parecia mínimo, mas que se juntando com outros, tornava o gasto excessivo! Ainda não tinha feito as somas, mas não duvidava de que dava três vezes o meu salário por ali no ano para um único e mísero mês.

Bocejei. Estava ficando cansada quando o sol estava se pondo e ainda estava na metade daquilo tudo. Observei mais um papel que pegava. Não acabaria nunca. Olhei o papel. Percebi que não se tratava de uma despesa, mas parecia uma poesia. Em árabe. Observei as letras escritas, mas, obviamente, eu não sabia muita coisa, o que tornou a poesia cortada, ao menos na minha mente que ainda aprendia a língua.

Sou ____ Senhor

Por favor entenda minha dor

Sou ______ Senhor

Um pequeno ______ de gelo

Caindo dentro de um oceano

Mergulhado em ______

Sou um servo de meu Deus

Morto por dentro

Caindo em ______

Preciso de ajuda.

Não entendia nada do que estava escrito ali. Talvez se eu conhecesse melhor as palavras em árabe, as coisas poderiam fazer algum tipo de sentido. Contudo, olhando aquele papel, algumas coisas ainda eram difíceis de decifrar.

– Não sabia que você finalmente veio limpar o meu escritório. – Ouvi, tomando um susto que podia muito bem ter testado o funcionamento do meu coração.

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