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Capítulo 1

Olhei o papel que havia em minhas mãos pela milésima vez. Se eu não tivesse certeza do lugar onde estava, podia muito bem desconfiar que estava numa sala para a escolha das próximas modelos do século. Havia tanta garota bonita ali que eu me sentia um pouco como um patinho feio que ainda não havia descoberto que estava no ninho errado.

Quer dizer, não achei que precisava ser tão magra e tão bem-vestida para conseguir um trabalho como aqueles. Eu só queria ser a governanta de uma família mega – rica. Achei que o que importava fosse o seu currículo, bem como o seu esforço, as línguas nas quais era fluente, essas coisas.

O que havia de errado comigo? Perguntei-me mentalmente, tentando respirar mais uma vez.

Eu precisava daquele trabalho. Tinha acabado de concluir quatro longos anos e de puro esforço de administração, tinha aprendido inglês até me tornar fluente, tinha até arriscado aprender um pouco de alemão e proseava algumas palavras em árabe. Por fim, tinha gasto as minhas últimas reservas de dinheiro para viajar até a França, o local de encontro para todas as convidadas a possíveis governantas.

Não sabia que eram tantas. Pareciam aumentar em número conforme eu olhava para os lados. Podia dizer que eram de todas as nacionalidades, embora eu ainda não tivesse encontrado uma brasileira. Achava muito difícil que conseguisse. Ainda podia ouvir minha mãe berrando que eu estava sendo um desgosto para ela indo atrás de um “lugar com homens-bombas”. Acho que nem mesmo ela sabia do que falava. De qualquer forma, aqui estava eu: Olhando para milhares de moças que tinham de tudo, fisicamente, para serem melhores do que eu!

Uma delas parecia que estava posando para uma revista. Sério! Os cabelos eram vermelhos e lisos, os olhos verdes, as roupas curtas e apertadas, a boca vermelha apertada enquanto ela tirava uma foto. Outras estavam como eu, apenas sentadas. A maioria com cabelos perfeitamente alinhados, maquiagens esbanjando beleza e feminilidade, as pernas amostras…

Fechei os olhos para tentar me acostumar com aquilo tudo. Acho que o Sheikh que estava precisando de uma governanta poderia até tolerar isso numa entrevista, mas não seria melhor que todas elas pudessem se manter como a educação muçulmana pedia? Um pouco cobertas ao menos? Será que elas tinham se dado o trabalho de pesquisar que seus futuros chefes eram muçulmanos e as etiquetas seguidas? Com certeza não!

E aqui estava eu. Provavelmente a menos destacável no meio das modelos. Estava me sentindo bem inferior, para falar a verdade. Para domar meus cabelos cheios e cacheados tinha tentado prendê-los num rabo de cavalo, mas tenho certeza de que o frizz e a armação já estavam retornando. Tinha passado apenas base para esconder as imperfeições da juventude no rosto e estava com o meu melhor terninho preto clássico para parecer simpática e profissional ao mesmo tempo. Não. Eu não ia errar. Estava perfeitamente apresentável e correta para a entrevista de emprego que eu tanto queria. O Sheikh notaria isso. Por favor.

Comecei a sentir que poderia suar a qualquer instante. Não gostava de uma sala abarrotada de meninas. Pior, como a maioria ali parecia se conhecer, elas conversavam abertamente, riam, como se estivessem numa praça de shopping esperando a refeição. Engoli em seco. Não conhecia ninguém. Não sabia quem era brasileiro por ali. Se é que tivesse alguma maluca – tal como eu – que tinha cometido o mesmo erro de tentar a vida fora do país.

Por ter sido a melhor aluna da faculdade que conclui, fui uma das que recebeu o convite. Apareceu, um dia, em casa. Não sei se foi uma menina muçulmana que conheci na faculdade que acabou me indicando.

Minha mãe claramente enlouqueceu. Começou a dizer coisas estranhas e gritar que eu não iria para lugar nenhum. Claramente com medo de que fosse trote ou de que alguma coisa acontecesse comigo. Os dias passaram e eu realmente pensei em descartar a oferta, até que a faculdade mencionou o salário. Bom, não era qualquer salário. Um contrato de um ano, podendo ser prolongado, caso você quisesse, por um salário dez vezes maior do que eu ganharia no Brasil! Sim! Parecia até um sonho!

Claro que os pedidos elencados no convite não eram nem um pouco fantasiosos. Afinal, se separar da família, morar na mansão do Sheikh pelo período estipulado, adotar os costumes do local enquanto estivesse por lá, fazer um curso básico de árabe tanto fora, quanto em Omã também. Não eram coisas simples. Porém, o salário também não o era. E eu não era maluca de não tentar. Aquilo certamente seria necessário para o meu mestrado! E um ano? Eu poderia aguentar um ano.

Respirei fundo. Parecia que a hora não passava. Estavam brincando conosco? Meus pés começaram a batucar no chão, tentando arrumar um passatempo enquanto isso. Eu ainda tinha aparecido cinco minutos antes, para parecer que era uma garota pontual. Tudo bem que quase todo mundo pensou a mesma coisa e no fim não deu em nada. O Sheikh estava atrasando.

– Por favor, senhoritas, sentem-se. – Falou quase gritando, em inglês, um homem muito baixo e calvo. Usava um terno azul-escuro e uma gravata vermelha. Também tinha óculos e um sorriso terno. Eu já estava sentada, mas algumas que estavam em pé logo o fizeram e as vozes, finalmente, por todo o salão, se calaram.

O homem olhou para algumas de nós fazendo questão de se demorar nos seios de algumas e franzir o cenho. Não sei se isso era uma aprovação ou era uma espécie de desaprovação. Torço para que seja de desaprovação. Seriam algumas modelos-tipo-barbie a menos para que eu competisse.

– Todas vocês estão aqui para a entrevista de emprego para serem governantas do Senhor Sheikh Rashid. Espero que estejam cientes do que isso significa. O senhor Sheikh Rashid não é qualquer homem. Sabem disso, senhoritas? – Algumas assentiram, concordando e eu acabei revirando os olhos. – E ele é um homem muito justo e correto. Direi, novamente as regras, para que fique claro para as senhoritas. Caso alguma queira desistir, não tenha medo. Estamos ainda em tempo. Levante-se e retire-se. – Olhou novamente para as moças, dessa vez me encarando. Ele estava querendo dizer para que eu saísse? Não. Não mesmo. Eu não faria isso nem morta. Ficaria até o final. Tinha vindo preparada para a competição.

– Não poderão ver suas famílias por um ano inteiro. Servirão quase todos os dias ao Senhor Sheikh. Terão folga nos domingos de manhã para irem ao templo, a mesquita ou a religião de preferência, no entanto, apenas aos domingos de manhã, podendo ser negociado para sexta, caso sejam muçulmanas. Falarão com todos da casa em inglês, em todos os momentos e aprenderão árabe, todos os dias, com o mesmo professor do filho do Sheikh, as quartas-feiras. – Algumas meninas arregalaram os olhos naquele momento. Não. Não acredito que elas não sabiam disso. Elas não leram o papel? Não. Não era possível.

– Além disso, deverão seguir qualquer ordem do Sheikh. Digo isso, no sentido de que, se mandarem vocês usarem as roupas de conveniência da religião que ele segue, deverão o fazer. Será para a segurança de vocês, é claro. – Disse o homem que, até então, percebi que não tinha se apresentado. Havia um sorriso no canto dos lábios. – Alguém que queira desistir? Por favor, saia agora. – Passou-se o que deve ter sido trinta segundos. As meninas ficaram se olhando, uma para outra. Até então não sabíamos o que fazer, ou o que, de fato, ia acontecer. Algumas, como eu, pareciam apreensivas. Outras, depois desse tempo, pareceram criar alguma coragem e sair do ambiente. Não sei quantas ao total. Umas dez, talvez? Ainda restaram muitas.

O senhor que estava ali, parado, esperando, pacientemente, continuou esperando por mais um tempo. Uma menina levantou-se depois de muito tempo e, chorando, saiu do local. Ou era estresse demais por causa da pressão, ou a menina realmente tinha se tocado da loucura que faria. Por alguma razão, o choque ainda não tinha me vindo. Eu ainda não entendia o que estava fazendo.

– Bom. Chamo-me Fahir. As senhoritas, por favor, façam uma fila quando eu pedir. Dividirei vocês com braceletes para diferenciá-las dos respectivos países que vocês vieram, tudo bem? Depois disso, teremos três fases no total. Uma delas com o filho do Senhor Sheikh, o senhor Seth, que é quem as senhoras precisam primeiro impressionar, pois será ele um dos que as eliminará. Aliás, sendo ele o próximo Sheikh, diria que as Senhoritas deveriam realmente impressioná-lo. O Sheikh confia muito nele. Depois, a Senhora Zilena e, por último, o Senhor Sheikh Rashid. Eles eliminarão até sobrar três. Tudo bem, senhoritas? – Concordamos balançando a cabeça.

Depois, como num passe de mágica, levantamos quase todas no mesmo momento nos colocando numa fila indiana até Fahir. Todas as que recebiam uma determinada faixa, já iam se sentando para que o salão onde estávamos não ficasse parecendo ainda mais maluco e claustrofóbico. À medida que se sentavam, vislumbrei mais fitas azuis escuro do que outras. Poucas se destacavam como laranja, amarelo, vermelho, preto, cinza, branco, rosa. Ainda não fazia a mínima ideia de que cor era a do Brasil, mas chutei que fosse verde, já que não tinha visto ninguém com essa faixa ainda.

Quando me aproximei do senhor Fahir ele me lançou um agradável sorriso. Retribui enquanto o ouvia repetir a mesma pergunta que fez a todas as meninas:

– De onde a Senhorita é?

– Brasil. – O Senhor Fahir abriu um largo sorriso.

– Uma brasileira! Isso é tão incomum. Receio que você talvez seja a única. Lá é um local de terras tão férteis e adoráveis. – Sorri. Até que o senhor Fahir parecia agradável.

– Já foi ao Brasil, Senhor Fahir? – Perguntei e ele riu. Eu estava empacando a fila, eu sei, mas era bom. Ninguém tinha vindo falar comigo. Treinar um pouco do meu inglês enferrujado antes de encontrar com a família Sheikh era uma boa ideia.

– Sim. Uma vez só. A senhora não se veste como as tias de lá. – Comentou Fahir corando. Ah. Agora fazia todo o sentido o comentário que ele tinha feito. Isso é tão incomum. Ele achava que o Brasil era uma Terra de perdição, sexo e roupas vulgares. Tudo bem, no verão acho que até poderia parecer um pouco assim, mas por favor! Era sol, calor, praia! Não dá para você pedir para o pessoal andar coberto num clima desses. De qualquer forma, fechei a cara. Não. Ninguém falava do meu Brasil, do lugar onde eu tinha nascido e sentia muito orgulho e podia ficar bem. Eu não ia aceitar que me chamassem de tia como se eu fosse uma prostituta. Eu tinha me esforçado muito para estar ali. Diria que até mais do que as barbies da Europa! Eu não merecia aquele tipo de estereótipo. Então é incomum pessoas como eu? Por que será? Por que só sabem olhar para nós e julgar? Por que me considera inferior só porque vim do Brasil? Eu era brasileira com orgulho! Não era incomum, senti vontade de dizer. Existia muita gente de bem e que se esforçava para conseguir trabalho bom como eu no Brasil.

Talvez tenha sido um pouco idiota da minha parte vir para cá, no meio da Europa, para fazer teste para governanta de um Sheikh babaca que julgava as pessoas, mas que queria pessoas de fora para trabalhar em Omã!

Respirei fundo. O senhor Fahir me olhava. Já tinha colocado uma fita verde-musgo no meu braço para me identificar como brasileira. Eu precisava me controlar. Acalme-se Agnes. Você precisa desse trabalho. Você precisa. Sua família precisa. Oh. Sofia precisa.

Pensar em minha irmã trouxe uma dor dilacerante no meu peito. Estava tentando não pensar nela desde o momento que entrei no avião, mas agora o pensamento tinha entrado na linha dos pensamentos confusos. Bastou apenas que eu me estressasse um pouco. Relaxa. Agnes.

– Senhorita? – Perguntou Fahir me tirando do meu torpor. Despertei um pouco constrangida e assenti enquanto pedia desculpas sentando-me novamente. De fato, fui a única brasileira maluca que tinha se apresentado para uma loucura dessas. Logo descobri que quem usava azul era francês. A grande maioria, diga-se de passagem. Engoli em seco e fitei o teto.

Precisava respirar para não explodir. Quando pequena minha mãe dizia que era fácil me reconhecer: Eu era sempre a menina fortinha e desengonçada que explodia rapidamente, bastasse que um garoto fizesse uma piadinha sem graça. Pronto. Eu ficava vermelha, roxa e começava a falar tudo que viesse na minha cabeça.

Ultimamente eu venho me controlando perfeitamente. Isso já não acontece com frequência e as pessoas quase não percebem quando me tiram do sério. Aprendi a me controlar. Nem mesmo minha mãe acredita. Fecho os olhos por alguns segundos, penso no meu nome e o repito quantas vezes forem necessárias até que a calma venha. Pronto. Estou segura da explosão.

Eu precisava da calma e ela, de alguma forma, precisava chegar a mim. De qualquer forma, ainda estou tentando arrumar outros mecanismos de conseguir me controlar. Vinte e quatro anos ainda é muito pouco para conseguir me conhecer completamente.

O senhor Fahir, assim que acabou de colocar as fitas, começou a chamar os nomes que estavam em sua lista pelo sobrenome. Isso, certamente, me levaria para um dos últimos postos de chamada. Agnes Valença.

Esperei enquanto os nomes iam sendo ditos e as possíveis governantas que mais pareciam modelos iam se levantando e indo para dentro de um corredor estreito, no qual tinha três portas. Entravam na primeira porta, logo de frente, e, quando saíam dali, se dirigiam de volta ao salão. Ninguém recebia uma resposta imediata, mas percebi que algumas saiam com sorrisinhos no rosto quando retornavam da entrevista com Seth, como se já soubessem que tinham sido aprovadas.

Os nomes continuaram sendo chamados. Observei mais uma vez as modelos. Tinha muita vontade de perguntá-las o que elas sabiam fazer, se tinham alguma aptidão com finanças, se sabiam um pouco de árabe. Provavelmente muitas pareceriam afetadas. Também tinha vontade de perguntá-las o que Seth perguntava para me preparar para as perguntas.

No salão, só havia ruivas e loiras. Poucas se destacavam, como eu, com os cabelos negros. E, dentre essas, talvez eu fosse a única com cabelo cacheado. A maioria tinha os cabelos escorridos e lisos, vindas do oriente.

Finalmente, depois de uma espera que pareceu interminável, ouvi o meu nome. Valença Agnes. Não sei porque trocar a ordem. Qual motivo para isso? Eu provavelmente seria uma das primeiras se fosse o contrário. Bufei. Calma Agnes. Controle-se. Agnes. Agnes. Agnes.

Atravessei o corredor comedida. Senti todos os olhos das outras meninas em mim. Ouvi alguns risinhos também. Claro. Ninguém acreditava que eu era realmente uma boa competidora. Parei diante da porta. O que eu faço? Bato? Espero que Seth abra? Lentamente estendi minha mão dando um toque baixo na porta.

– Entre. – Ouvi uma voz grave, grave demais, na minha opinião, murmurar.

Abri a porta com lentidão. Não sabia que o filho do Sheikh era um garoto apenas. Quantos anos ele devia ter? Vinte? Vinte e um? No máximo! Controlei-me para não arquear uma sobrancelha estranhando aquilo tudo. Fechei a porta enquanto me sentava na cadeira de frente ao garoto.

A sala era bem pequena e também claustrofóbica. Tinha apenas uma cadeira, na qual eu estava sentada, uma mesa lisa de madeira polida, uma poltrona, na qual Seth estava sentado e uma grande janela atrás do mocetão que dava para ver toda Paris dali. Arregalei os olhos. Era incrível. A Torre Eiffel estava bem distante, mas incrivelmente perceptível, com todo o seu esplendor, com todos aqueles prédios monumentais e gigantescos ao redor. Acho que agora que tinha caído a ficha: Eu estava na França. Eu estava em Paris.

– Agnes Valença. – Chamou-me Seth. Despertei do meu breve momento de sonho e o olhei, vendo que ele estava com umas folhas da mão. Parecia analisar os meus dados e, enquanto ele assim o fazia, não pude deixar de o analisar também.

Seth, indiscutivelmente, tinha rosto de homem. No entanto, seus olhos brilhavam como de um garoto. Talvez por isso eu tenha achado que ele tivesse vinte, vinte um. Agora já não sei mais. Pode ser que ele seja mais velho do que eu e eu nem tenha percepção disso. Seth tinha os cabelos bem negros. Mais negros até mesmo que os meus. Combinado a isso, as sobrancelhas grossas e delineadas pelo rosto e a barba por fazer que cobria o rosto em um tom bem negro. A pele ligeiramente queimada de sol parecia resplandecer toda a beleza e sedução que Seth tinha. Jesus. Não sabia que árabes podiam ser tão lindos. Os olhos eram de um castanho opaco. Não eram escuros, pareciam um castanho âmbar que, ao tocarem a luz do sol, certamente pareceriam um castanho esverdeado. Os cílios eram volumosos e incrivelmente grandes. Davam inveja até a mim que precisa de curvex para conseguir cílios que lhe eram naturalmente lindos. Os lábios eram levemente rosados e ele vestia-se com vestimentas aparentemente típicas de sua região: Parecia um vestido de botões de cor marrom e sandálias de couro marrom. Além disso, havia o que, sério, parecia uma toalha de mesa, na minha opinião, no cabelo dele. Mesmo sendo uma toalha de mesa quadriculada com vermelho e preto, não deixava de ser nem um pouco sexy. Parecia acentuar ainda mais o rosto dele. Corei. Não devia ficar olhando o futuro filho do chefe e conjecturando sobre a beleza dele. Olhei para baixo.

– De onde você é? – Seth olhou para minha pulseira franzindo o cenho. – Brasil? – Concordei meneando a cabeça. Seth deu um largo sorriso.

– Certo. Mostre-me do que você é capaz então. – Disse Seth e colocou as duas mãos na nuca enquanto me olhava como um leão faminto. Percebi que estava sendo analisada. Eu era tão normal e inferior que duvido que ele não tenha percebido isso. Cabelos castanhos, olhos castanhos. Básica. Básica. Básica.

– C-como? – Perguntei. Gaguejei. Idiota. Engoli em seco. Estava visivelmente nervosa e meus pensamentos corriam em desalinho enquanto eu tentava concatenar um pensamento coerente. Como ia mostrar que era boa? Deveria falar sobre meu currículo? Minha mente acusou que essa seria uma boa ideia. Com os pensamentos mais organizados, comecei: – Sou formada em administração e em inglês. Tenho o curso básico de alemão e árabe. Conheço um pouco da sua cultura e eu… – Para minha surpresa, Seth me interrompeu no meio da minha fala:

– Eu disse. – Ele passou a língua pelos lábios para que pudesse umedecê-los. Baixei o olhar para não corar. Isso era muito impróprio. – Para você me mostrar do que é capaz, não para dizer o que sabe fazer. Já ouvi falar de muitos pontos positivos dos brasileiros. – Onde ele queria chegar? Dessa vez, não pude deixar de franzir o cenho sem entender.

– Bom, somos muito perseverantes em tudo que fazemos, Senhor. Costumamos nunca desistir e sempre ser otimistas quando se trata de… – Novamente, para minha surpresa, Seth me interrompeu. Suas mãos voaram para a mesa, batendo com força nela e eu quase pulei da cadeira com o som oco que houve. Engoli em seco. Acho que estava ferrada. Tinha estressado Seth.

– Senhorita Agnes, as mulheres francesas não são conhecidas pela volúpia que as brasileiras têm, mas, certamente, elas foram capazes de me mostrar isso. Será que você não pode me mostrar que é mais capaz do que elas nesse quesito? – Disse Seth, de forma bem clara. Não pude deixar de arregalar os olhos e acho que meus lábios fizeram um ligeiro “o” de surpresa.

Ele estava falando sobre sexo como o senhor Fahir tinha dito, não é mesmo? Ele estava querendo que eu o impressionasse fazendo algo assim, não era? Mostrando seios? Beijando-o? Tocando-o? Quer dizer, ele era bonito, não seria difícil fazê-lo, mas eu…. Eu não estava ali para um encontro! Não estava ali para convencer um filho mimado super-rico que achava que podia tocar em qualquer menina! Não, não mesmo! Eu tinha me esforçado. Estava fazendo isso por mim e por Sofia. Não. Eu sabia que precisava do emprego, mas não me rebaixaria a tanto por um emprego bem pago.

Comecei a ver toda a miragem que eu tinha construído de calma se esvaindo. Eu sabia que precisava ficar calma, que precisava me controlar. Não podia explodir ali, não podia gritar com o filho do Sheikh. Não podia deixar que a minha cabeça entrasse num mundo sem fim e começasse a agir por mim. Eu precisava ser forte. Agnes. Agnes. Agnes. Dizer meu nome mentalmente sempre me acalmava. Eu precisava. Do contrário, atacaria Seth pelo pescoço.

–Não é capaz, Senhorita Agnes? Se não o é – Dito isso, Seth começou a arrumar as folhas que estavam em sua mão – Só me resta eliminá-la. Pode sair. Não costumo dar essa resposta logo de cara para as garotas, mas você, que achei que seria a mais fácil, está agindo como uma criança. – Pronto, Seth mexeu numa ferida. Seth abriu espaço para que eu explodisse. Não pude mais me conter. As palavras começaram a jorrar, ferozes, de mim:

– Eu agindo como uma criança? Você só pode estar de brincadeira, Senhor Riquinho! Quem parece o mimado que quer todas as garotas para si e acha que elas têm o dever de se entregarem para o senhor, é você! Você sempre teve tudo o que quis, não é mesmo? Sempre foi o centro das atenções, sempre foi o garoto que todas as meninas muçulmanas queriam casar, não é mesmo? – Seth arregalou os olhos. Acho que ninguém nunca se explodiu com ele ou o disse verdades. – No entanto, eu não serei uma das milhares que você toca! Não serei! Você acha que por sermos estrangeiras, não seguirmos a sua cultura, podemos ser tocadas, aí depois se casa com uma das moças da sua religião. Mas eu não sou assim! Posso ser brasileira, sei da fama que meu país tem! Mas existe exceções! E eu sou uma exceção, Seth. – Disse o nome dele para ficar bem claro que estava falando com ele. – Eu sou uma menina direita! Vim aqui com as minhas malditas economias para conseguir um emprego direito tanto para mim como para ajudar minha irmã! Recebi desaprovações da minha mãe por isso! Quase fui renegada de casa! Estou aqui com a cara e a coragem! Como ÚNICA brasileira idiota que veio fazer papel de boba. Mas sabe, Seth. – Engoli em seco, tentando controlar-me. Minhas mãos já tremiam pela gritaria, por tudo o que eu estava falando.

– Eu não sou boba! Não serei também! Escolha uma dessas malditas francesas aí que você disse e me deixe em paz, se assim preferir. Vocês são um bando de preconceituosos. – Gritei mesmo sabendo que o que Seth fazia era ir de encontro a um estereótipo, que eu também tinha tido há pouco com ele. Todos nós éramos humanos e falhos, a diferença é que eu sabia reconhecer quando tinha errado ao julgar alguém. Não podia dizer o mesmo dele.

Senti que tudo ao redor de mim ficava vermelho. Sim. Fazia tempo que eu não explodia. Era uma sensação única. Uma sensação agradabilíssima. Colocar tudo para fora, sentir seu corpo agradecer por isso. Era mágico. Dei um meio sorriso.

– Se me der licença, Senhor Seth. – Disse já me controlando. Peguei minha bolsa e levantei-me da cadeira. Seth continuava atônito, me olhando como se eu tivesse cometido o maior erro da humanidade. Não me importava mais. Já não ia conseguir a vaga que sabia. Seria eliminada na primeira cartada. Pelo menos tinha conseguido me livrar de parte da raiva.

Consegui dar alguns passos antes de ser parada por Seth que saiu detrás da mesa correndo na minha direção. Virei-me para encará-lo, mas acabei tomando um susto ao perceber o quão perto Seth estava de mim. Dei um passo para trás, o último que me faltava para alcançar a porta e encostei na mesma olhando Seth. Ele era bem mais alto do que eu. Eu batia em seu peito. Tive que levantar bem o pescoço para conseguir estar no mesmo patamar.

– Me desculpe. Não foi minha intenção te ofender. – Ele disse e eu tentei não me assustar com o pedido de desculpas. Quer dizer, era o que eu queria, só não sabia que ele era capaz de dar. Ainda mais, tão próximo de mim como ele estava. – No entanto, é bom ver você explodindo. Não sabia que brasileiras eram esquentadinhas. – Cortei-o, séria:

– Não sabia que filhos de Sheikh fossem tão metidos.

– Você não viu nada. – Ele murmurou.

– Você também não. – Disse sentindo um calor emanando. Estávamos a um passo de distância, mas parecia menos. Havia alguma coisa naquela pouca distância que parecia fazer todos os pelos da minha nuca se eriçarem.

– Costumam ser mais esquentadinhas? Ah, isso eu gostaria de ver.

– Costumamos ser bem perseverantes, Senhor Seth. Se acha que me dando chance terá alguma chance de fazer o que as outras devem ter feito com você, comigo, o senhor está bem enganado. – Disse séria, tentando respirar. Seth deu um leve sorriso de lado. Tentei não pensar em como aquilo poderia ser completamente encantador se ele não fosse um idiota e foquei no retalho quadrangular.

– Tem certeza? – Disse Seth. Senti minhas bochechas corarem quando ele deu um passo para frente. Consegui sentir a fragrância que havia nele. Parecia uma mistura de terra, aridez, pimenta e madeira. Era um cheiro tão atraente e tão másculo que fiquei pensando em qual marca de perfume tinha tido a imensa ideia de dar um perfume tão sexy para um homem mais sexy ainda.

– T-tenho. – Depois de algum esforço consegui empurrar Seth o suficiente para conseguir fugir dele, abrindo a porta. Não sei se ele percebeu minhas bochechas corando. De qualquer forma, ouvi ele rindo e depois comentando, enquanto minhas pernas me levavam para o salão:

– Poderia até ser divertido.

Não. Eu não queria um trabalho para ser diversão de alguém. Não queria ficar sendo assediada por Seth num lugar que eu não conhecia e nem tinha como fugir. Não mesmo. Seria melhor dizer para o Senhor Fahir que eu havia desistido. Era a melhor coisa a se fazer.

Enquanto caminhava de encontro ao Senhor Fahir, acabei conseguindo manter a calma. Eu seria uma empregada, governanta, como fosse. Não ia ficar de contatos com Seth. No máximo com a Senhora Zilena. Se ele se aproximasse, era só eu fechar a porta na cara dele. Duvido que eu não estaria com outros empregados juntos também. Eles saberiam me ajudar. Não saberiam?

Era torcer para que sim.

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