Prólogo
Kathleen Émilie Devereaux
Às vezes quando me olho no espelho eu não me reconheço, assumi uma outra identidade para servir ao meu país e aceitei fazer muitas coisas que jamais imaginei que faria, precisei esquecer meus princípios, minha moral e até mesmo ser fria e impiedosa com certos "clientes" para depois que ganhar sua confiança eu possa entregá-los a Interpol e eles serem direcionados a prisão.
Sim, já fui presa apenas para manter meu disfarce e nunca duas vezes seguida, pois se alguém descobrir minha identidade estarei morta.
Confesso que no começo foi difícil, nunca é fácil dar as costas para o passado, mas com o tempo fui criando laços com os agentes que fizeram o mesmo sacrifício que eu, cada um com sua linha de atuação e alvos diferentes.
Não tenho suporte direto e as pessoas que trabalham para mim acreditam que eu sou uma negociadora de armas.
Ao longo dos anos fui entendendo a importância do meu trabalho, mas aprendi amargamente que não conseguimos prever o que vai acontecer, muito menos se terei que me envolver com um alvo além do profissional. É muito perigoso criar vínculos ou laços porque pode ser a ponta de um iceberg e ela pode destruir tudo que construí ao longo dos anos como agente infiltrada.
Eu não previ, não calculei as variáveis e acima de tudo fui tola em achar que poderia blindar sentimentos e seguir à risca o plano que fazíamos para pegar o próximo alvo.
Nada poderia dar errado...
É o que digo para mim mesma após sermos enviados para o próximo alvo. É como um mantra para me dar força e coragem ao ouvir certos horrores que os homens fazem. Fotos e vídeos ainda me surpreendem de maneira negativa, prendemos muitos homens cruéis ao longo dos anos, muitos agentes bons morreram no percurso, mas após cada prisão isso vale a pena.
Eu cresci em um orfanato, nunca fui adotada, mas eu era a mais inteligente e esperta de lá, não queria uma família que fingisse me amar para ganhar dinheiro do governo, era o que éramos, fonte de dinheiro para casais.
Ouvíamos histórias sobre crianças que não eram boazinhas e os pais faziam maldades terríveis, eles colocavam medo em nós.
O problema era que eu não tinha medo e isso chamou a atenção da madre superiora.
Quando completei doze anos sabia que eu era diferente das outras crianças, eu estudava várias línguas, culturas, artes marciais e até mesmo aprendi a atirar com exímio. Então certo dia eles chegaram em carros pretos enormes e me levaram. Naquele dia tudo mudou, nos deixaram em uma espécie de castelo, várias crianças de várias idades, e conheci uma amiga que hoje chamo de irmã, a única verdadeira naquele lugar, que me protegeu das crueldades do nosso treinamento.
Ela era mais velha, me ensinou a não temer a dor e a esconder meus sentimentos, a mascarar tudo ao meu redor para que no final do treinamentos fôssemos as escolhidas.
Estudávamos pela manhã, treinávamos a tarde e éramos torturadas a noite, tudo para testar a nossa resistência.
Sobrevivi ao inferno em nome do meu país, descobri desde muito cedo que nem tudo era o que parecia, as máscaras que as pessoas usavam era um refúgio para o sucesso.
Nossa vida, nossa escolha era toda da agência, a qual nem sabíamos que pertencíamos, não possuíamos livre arbítrio e nem tão pouco tivemos infância.
Éramos agentes com um único propósito, destruir os inimigos.
O treinamento era árduo, por vezes desejei desistir de tudo para poder ter uma vida normal, mas sabia que se passasse por aqueles portões jamais voltaria a ver a luz do dia, sabíamos bem o que eles faziam com desertores e não posso deixar minha irmã sozinha.
Com o passar do tempo, nossos instrutores e professores perceberam que éramos boas juntas, que talvez essa parceria pudesse render bons frutos e foi apenas por isso que em uma noite chuvosa fomos mais uma vez testadas.
Fomos levadas ao limite dos nossos corpos, deixadas na floresta para sobrevivermos sozinhas, com balas de borracha sendo disparadas a toda hora.
Não tinha medo do escuro e sim de quem se escondia nele, não existia monstro embaixo da cama, mas homens e mulheres cujos propósitos da vida era nos destruir, impedir que protegêssemos nosso país.
Foi o pior treinamento que passamos.
No final estávamos trêmulas de frio, com muito sangue em nossas roupas e eles com um sorriso enorme em sua face, pois éramos as primeiras a retornar sem desistir na metade do caminho.
Todos os escolhidos eram enviados para a universidade, depois éramos recrutados por alguma agência e lá aprendíamos a amar o nosso país e defender o mundo de pessoas sem escrúpulos.
Naquele momento, eu soube que nunca teria uma família de verdade, que o amor existia apenas em contos de fadas que somos encorajadas a esquecer e que ser uma boa agente era o necessário para sobreviver.
Aceitei meu destino, não posso reclamar de onde cheguei graças ao meu potencial, mas posso, às vezes, ser tomada pela melancolia e desejar o que eu nunca teria, uma família de verdade.
No momento em que aceitei ser parte da agência eu entrei em algo muito maior, e o meu único refúgio é ter a minha irmã sempre por perto, meu porto seguro.
Após a faculdade retornamos para a agência que nos recrutou, para mais um treinamento árduo, e diferente dos agentes que faziam carreira lá, nós éramos a elite que fazia a diferença no mundo.
Depois que terminamos nosso novo treinamento, as mulheres foram levadas até Anne, uma das agentes mais antigas e bonitas de lá, ela nos tornariam damas, mulheres inocentes e cruéis, iria nos inserir no mundo do crime e ensinaria como usar uma arma poderosa, o nosso corpo, a nosso favor nas missões.
Aprendemos a falar, a comer, a nos vestir e entender mais sobre cada papel que representaríamos.
Aprendi a ser uma boa mentirosa, elas sobrevivem...
Aprendi a amar o meu país e morrer por ele, se necessário...
Aprendi a me vestir e usar a sensualidade a meu favor...
Aprendi a dar as costas a tudo e todos em nome da missão.
Eu só não aprendi a força devastadora que o amor pode possuir quando ele arrebata o seu coração.
Não era só mais uma missão, ela se tornou muito mais que isso no momento que nossos olhares se cruzaram e eu entendi que não estava preparada para o que iria sentir e viver.