Capítulo 1
“Dizem que amar é dar a alguém a habilidade de destruir você, mas confiando que não fará isso.” Pensador desconhecido.
Giovanni Matteo Barletta
Meados de 2016…
Faz quase sete anos que administro o clã Ndrangheta, de certa maneira, com mãos de ferro. Em muitos pontos cruciais eu mudei a forma de ver, encarar e fazer negócios com os amigos e os inimigos.
Quando o Don me pediu para assumir os negócios e buscar vingança pela minha amada esposa assim o fiz, mas tempos depois eu percebi que nada a traria de volta, então eu iria fazer com que todos se ajoelhassem diante de mim, eu daria a última palavra, faria com que o mundo nos temesse, seriamos lembrados e reverenciados por muitos, e não iria sentir o menor remorso.
Estamos sentados na sala principal do quartel general, sempre gostei da lenda do Rei Arthur e aprecio a távola redonda para que possamos nos olhar nos olhos enquanto discutimos o rumo do clã.
Uma vez por mês é apresentado um relatório mensal sobre como andam os negócios e a quantia que foi arrecadada. Duas vezes por mês ouvimos a população e seus pedidos para que possamos resolvê-los, afinal a polícia nunca serviu para resolver certos assuntos, por isso os compramos para que estejam em nossas mãos quando precisarmos deles.
Enquanto todos se acomodam começo a reparar nas reações dos soldados, há vinte e dois lugares na mesa, cada clã tem seu devido lugar e os soldados que não possuem outro título não podem se sentar à mesa, ficam em pé ao lado do general aguardando novas ordens ou preparados para morrer em nossa defesa.
Cada província da Calábria possui quatro clãs que comandam os legados da famiglia e cada clã reporta ao chefe da Ndrangheta. Nosso clã é responsável pelas armas, mas recentemente perdemos nosso fiel negociante de armas para o MI16 que o prendeu na Rússia. Por esse motivo precisei convocar uma reunião com certa urgência ou teríamos um prejuízo incalculável e nossos concorrentes iriam se aproveitar disso.
— Senhores, agradeço por terem vindo, como muitos de vocês sabem estamos sem o nosso principal negociante de armas e precisamos contatar alguém para suprir nossa demanda urgente.
Todos fazem silêncio e continuo a falar:
— Preciso de um nome para fazer uma proposta, não posso ficar esperando que Lucca seja liberado, além disso, esgotei todos os meus contatos, alguns temem o envolvimento do MI16 e outros não servem para a função.
Já faz quase duas semanas que procuro alguém para substitui-lo, não encontrei a pessoa certa e agora preciso da ajuda deles.
Não aceitamos qualquer um para ocupar o lugar do Lucca, mas circunstâncias especiais pedem certas resolutivas.
O silêncio é quebrado por uma única voz.
— Duvido que seja liberado, um dos nossos contatos mandou o relatório da prisão, parece que ele ficará muito tempo sem ver a luz do Sol, infelizmente não há nada que possa ser feito sem chamar a atenção deles para nós — diz Romeo, que é braço direito do clã Calderone. — Mas há um nome que me vêm à mente, Santiago Fontainelles, o famoso "Roi Noir ", há alguns anos quase fechamos negócio com ele, mas Lucca fez uma oferta melhor e Santiago não quis mudar os preços porque segundo ele a qualidade ofertada não estava em negociação. — Faz uma pausa e me lembro vagamente dele, sei que a famiglia Cosa Nostra está negociando com ele também. — Além disso esgotamos muitos negociantes de armas que não se encaixavam nas necessidades do clã. Alguns amigos comentaram sobre seus negócios e como as armas possuem certa qualidade e entrega rápida. Ele é um dos negociantes de armas mais cobiçados de toda Europa e se pretendemos expandir nosso território devemos contatá-lo. Para nossa sorte, ele está em no resort Pizzo Beach Club.
— Como um negociador está no nosso território e não fomos informados? — pergunto curioso e ele percebe que não havia gostado da informação.
— Ele veio para cá após nosso negociante de armas ser preso, acredito que assim como ele alguns vieram com o intuito de serem escolhidos, mas os outros foram dispensados.
É a explicação mais plausível, ainda mais que não ouvi falar de estar fazendo negócios, nem que um novo negociante de armas estava tentando fazer negócios conosco.
— Traga-o o mais rápido possível, quero saber se ele é realmente bom como está dizendo.
Sou o homem que dá a palavra final, eu decido o que faremos ou não.
Após discutirmos alguns assuntos do interesse dos clãs e como os negócios estão indo muito bem, pergunto:
— Algum outro assunto pertinente?
— Senhor — diz o general do clã Fonezi. — Eu tenho um.
— Então fale, Dante.
Ele olha para os lados e depois diz:
— Os soldados do clã Mazzini. Estávamos de olho em uma nova boate que abriram em Corso Vittorio, nossos olheiros enviaram fotos mostrando que as mulheres que lá trabalham chegaram em um barco e estavam acorrentadas umas nas outras.
Nunca proibimos a prostituição, afinal cada pessoa faz o que desejar com seu corpo. Sou contra aos que obrigam as mulheres a fazerem sem seu consentimento, é claro, que há a punição por traição de algum membro do clã e como é tradição e está na lei, as mulheres e filhas dos traidores podem se tornar prostitutas sem nenhuma escolha própria.
— Sempre há algum figlio di puttana que pensa que pode contrabandear em nossa casa sem pedir permissão ou autorização. Eles nos engaram dizendo que era uma boate e ainda negaram nossa parte no lucro extra, quebraram uma das regras fundamentais do clã — diz um dos homens do clã Fontana.
— Então devemos ensinar a eles que não devem enganar os clãs e que respondemos à altura. Não machuquem as mulheres, mas podem fazer com que os donos e todos os envolvidos paguem com a vida — ordeno e eles é claro batem na mesa em concordância. — O clã Mazzini e o Clã Fontana tem minha permissão para atacarem o lugar, apenas se certifiquem de não destruírem nada além da boate.
— Sim, Sottocapo , iremos fazer com que paguem e assim mostrar a todos que não toleramos traidores.
Eles começam a discutir a melhor forma de atacar, mas meu foco agora é resolver o problema das armas. Decido deixar que Matteo conduza o resto da reunião, ligo o notebook e acesso a nossa rede, pedindo mais informações sobre o negociante de armas que Romeo quer trazer para os Ndrangheta.
Alguns minutos depois estou lendo tudo que há sobre ele. Nosso homem que cuida da parte tecnológica é muito bom, diz que irei me surpreender com o novo negociante de armas e que ele pode ser muito melhor que o antigo.
Após a reunião resolvo ir para o escritório ver se há novas solicitações e se Jamal fez os relatórios que solicitei, tenho que rever os números e a quantidade que precisamos importar para daqui duas semanas e não podemos atrasar o carregamento.
Ouço batidas na porta, havíamos findado a reunião há menos de duas horas e mesmo sendo pouco mais de meio-dia não havia pedido nada para comer.
— Entra.
A porta abre, vejo Romeo com o olhar baixo e parece estar prestes a me contar algo ruim.
— Vai ficar ai parado? — pergunto e ele apenas olha para os lados antes de se aproximar.
— Desculpe, signor Giovanni, liguei para o número do senhor Santiago e descobri que ele se aposentou, mas a neta dele assumiu os negócios da família há mais de cinco anos. Como sei que não gosta de negociar com mulheres eu vim perguntar se a chamo mesmo assim? — pergunta com o medo estampado em seus olhos. — É ela que está aqui aparentemente de férias.
— Eu não tenho outra opção, não temos mais nenhum outro nome, não tão perto de casa. Embora não tenham registrado em lugar nenhum que ele havia se aposentado, quero que ligue e peça o número dela, acredito que temos que conhecê-la e se for realmente tão boa quanto dizem podemos fechar uma parceria.
Eu sei que quando o negócio fica entre a família é algo a se pesar com bastante zelo em um negócio.
— Sim, signor, irei trazê-la aqui ainda hoje ou prefere que marque em algum lugar?
Penso um pouco, trazer formalidade ao negócio pode ser interessante, mas por ser mulher e não haver nenhuma no quartel pode atiçar os homens e fazê-los perder a compostura, ainda não a conheço para saber como lida com certos assuntos.
— Marque no Nereo às 19h30min e lembre a ela que aprecio pontualidade.
Ele concorda e se retira.
Dou as ordens aos soldados sobre a vigilância desta noite e depois coloco o presente que comprei para as meninas dentro do porta-malas. Elas queriam bonecas Barbie novas e para mim é difícil comprar coisas de meninas.
Embora não deva, me preocupo em tomar um banho rápido, colocar camisa social branca, calça jeans, um terno da mesma cor da camisa e tênis, nada muito formal.
Entro no carro com dois soldados e seguimos para o Nereo. Assim que chegamos peço para que eles fiquem do lado de fora invisíveis e que o motorista espere na outra quadra, vindo me buscar apenas quando ligasse.
Entro no Pub e procuro Romeo, ele iria nos apresentar já que teve contato com ela. Ele estava em pé e acena para que eu me aproxime.
Noto como muitos olham para mim em sinal de respeito e depois voltam ao que estão fazendo.
Quando me aproximo percebo que a moça é uma morena muito bela com um sorriso delicado que me faz estremecer. Seus olhos negros e expressivos me fazem sentir coisas que há muito tempo estão adormecidas e espero que assim permaneçam. Tento ser profissional e educado ao mesmo tempo enquanto a analiso, ela parece ser delicada demais para o cargo que ocupa.
— Boa noite — diz assim que paro na sua frente, se adiantando.
Gosto de mulheres com atitude, embora as prefira na cama.
— Buona notte .
Ela se levanta e estica a mão.
Ao invés de apertar, seguro entre os dedos e a levo aos lábios, sentindo a maciez da sua pele e imagino como seria senti-la inteiramente nua em minha cama.
Ela está usando uma calça branca bem colada, blusa creme com manga até o cotovelo e um cinto em sua cintura por cima da blusa.
— Sottocapo, esta é a signorina Genevieve Fontainelles — Romeo nos apresenta e percebo como seu nome é belíssimo. — Signorina, este é o braço direito do chefe, signor Giovanni Barletta.
— É um prazer finalmente conhecê-lo.
Ouvir sua voz doce dizendo meu nome é sedutor demais, então solto sua mão.
— o senhor Romeo me adiantou o assunto e falou muito bem sobre o clã, por favor, sente-se.
Eu me sento e essa é a deixa de Romeo que eleva a mão esquerda da bela dama até os lábios e beija.
Não sei o motivo, mas aquilo me incomodou.
— Me perdoe, signorina, mas preciso ir, o dever me chama, com licença, senhor. — Ele se afasta de nós nos dando a privacidade que preciso.
— Confesso que fiquei surpreso, não costumo negociar com mulheres.
Ela sorri antes de levar a taça aos lábios.
— Meu avô dizia a mesma coisa até descobrir meu talento para os negócios da família, ele me treinou pessoalmente para ser quem eu sou hoje, mas não viemos para falar sobre mim ou o senhor, creio que viemos aqui para tratar de negócios.
Gosto quando vão direto ao ponto, mas quero apreciar sua companhia e ver se é realmente tão boa quanto dizem.
Chamo o garçom e peço:
— Signor, o que deseja?
— Quero uma taça do que a bela dama está bebendo. — Faço o pedido e ele se retira.
— Romeo me contou que recentemente perderam seu negociador de armas, por isso estou aqui.
Posso jurar que ela está me avaliando com aqueles olhos curiosos.
— Apenas por uma feliz coincidência de estar de férias nesse paraíso, não foi passado nenhum pedido para que avalie custo e prazo de entrega, além disso meu avô me contou como ele foi descartado pelo senhor alguns anos atrás.
— Ele foi preso, não é tão cuidadoso quando você. Por que eu não sabia da aposentadoria do seu avô, muito menos que o negócio havia passado para outro membro da família? — Olho curioso, quero ver sua reação.
Ela nada demonstra e o garçom então traz a minha bebida.
— Sou um homem de negócios muito bem-informado e tenho que agora rever meus informantes.
Ela sorri de uma forma adorável.
— Eles nada têm culpa, não gosto de entregar a minha identidade para qualquer um, além disso meu avô prefere proteger a netinha preferida dele — diz com naturalidade, parece até um anjo com certa inocência e isso a torna perigosa.
— Fiz uma pesquisa e você foi muito bem recomendada. — Noto um sorriso vitorioso em seu semblante. — Mas gostaria de saber por que La Reine Blanche ?
— Mas aqui não é o lugar ideal para este tipo de conversa, não costumo negociar assim.
Ela parece me desafiar, talvez isso funcione com outros homens, mas não comigo.
— Aqui é um lugar impessoal que me torna imparcial em minhas decisões, vamos falar sobre preços, prazos, entregas, transporte e restrições. — Não quero perder o foco do que vim fazer aqui. — E não respondeu a minha pergunta.
— Bom, nem sempre usamos nossos nomes quando negociamos pelo mundo todo, meu avô era conhecido como Rei Negro, não quis fazer nada semelhante, mas princesa é uma posição muito abaixo do rei. Gosto de xadrez e todos sabem que a peça mais poderosa do jogo é a rainha, no caso, a branca porque ela começa primeiro e sempre têm que defender um rei fraco e impotente. — Ela sorri de uma forma misteriosa e ao mesmo tempo audaciosa. — Meus preços são altos, mas oferto qualidade e alta demanda. Peço 45% do valor total do produto antes da entrega e o restante apenas quando estiver em suas mãos a mercadoria. O prazo varia de acordo com a quantidade de itens pedidos, o transporte é por terra, mar ou ar dependendo da disponibilidade dos meus fornecedores. — Faz uma breve pausa e leva a taça aos lábios. — Quanto as restrições, possuo apenas duas, não transporto drogas ou mulheres e não durmo com quem faço negócios.
Ai, essa doeu na alma.
Ela parece estar sendo muito profissional.
— De acordo, mas seu precisar de outros serviços, o que tem a me oferecer?
Seus olhos buscam algo em minha face e não sei bem dizer o que é.
— Conheço os melhores falsificadores e, possuo contatos e recursos caso algum dos meus clientes precisem sumir ou mudar de identidade, além disso, ofereço garantia pelos produtos que oferto. Tudo é inspecionado e testado por homens de total confiança da minha família, sou a melhor no que faço e nunca tive nenhuma reclamação.
Ela é boa demais para ser de verdade, mas há uma credibilidade dela no mercado e isso junto a necessidade de um novo fornecedor, me faz erguer a taça e dizer:
— Será um prazer fazer negócios com a signorina.
Ela ergue a taça assim como eu e brindamos.
Será esse o início de uma longa e duradoura parceria, ou poderíamos nos beneficiar mutuamente com tudo?