Capítulo 3
Kathleen Émilie Devereaux
Finalmente poderei relaxar antes de ser notada por Giovanni, sei muito bem que homens como ele tem em sua cama uma mulher por noite, nunca repetia a mesma mulher e jamais a levava para casa.
Giovanni é um completo mistério quanto a sua vida íntima, pouco se sabe e os que estavam dispostos a falar só contavam o que sabíamos.
Ele é um mistério a ser desvendado e confesso que gosto de casos difíceis, pois dá mais emoção a caçada e a forma como os manipulamos.
Deitada, coloco o fone de ouvido e começo a escutar novamente a entrevista com nosso informante. Ele realmente está com raiva do clã, a morte do irmão não sendo vingada corretamente nos trouxe um aliado nesta guerra.
Fecho os olhos e tento entender mais sobre meu alvo.
"— Quem é Giovanni antes e depois do acidente da sua esposa? — pergunta um dos agentes.
— Antes ele era um soldado leal que apareceu do nada e provou ser neto de um Caporegime , mas não era tão focado na causa como os outros. Havia rumores que o chefe tinha um caso com a esposa dele, porém nada foi confirmado — diz o rapaz italiano um pouco nervoso. — É um erro comum de vocês, não foi acidente, a morte de Antonella foi um atentado e muito mal investigado pelos policiais, a polícia está comprada por eles e usam isso para que sejam eficientes ou não em um crime. Giovanni contratou investigadores e acharam um dispositivo nos destroços do carro, foi algo muito doloroso e naquele dia ele mudou, se tornou mais fiel a causa, mais frio e calculista, tanto que começou a refletir algumas maneiras para modificar os clãs. — Faz uma pausa e posso jurar que acende um cigarro. — Uni-los para que não houvesse mais atentados, cuidar um dos outros, e isso deu certo porque o chefe o nomeou seu braço direito e houve tantas mudanças que posso garantir que estamos melhores.
— Então ele mudou a personalidade?
— Sim, em um dia ele era um pai amoroso e um marido dedicado, que mal se metia nos assuntos do clã e no outro ele estava se colocando em perigo, lutando pela causa e indo falar com o chefe. Depois de negociarem, ele voltou muito pior do que era.”
Isso é interessante, essa dualidade de personalidades não se dá ao fato de ter dupla personalidade e sim por achar um meio de sobreviver ao luto.
“— E os contrabandos? — pergunta.
— Somente quem é Sottocapo do clã pode saber as rotas, cada clã possui uma rota e clientes específicos. Somos responsáveis por algo, temos também os soldados que cuidam dos negócios nas ruas, não da venda e sim cuidando para que nenhum estrangeiro entre no território achando que pode fazer o que quiser sem pedir a autorização.”
Eles controlam os negócios de dentro e fora, e Giovanni é organizado ao extremo.
“— Além disso tivemos mudanças significativas, tráfico humano foi proibido além de prostituição e estupro, mesmo que em alguns casos, como traidores, isso seja permitido, mas ele nunca participou porque os princípios dele não permite.
— O que me diz sobre a mulher dele? Ele teve outros interesses amorosos?
Um silêncio se faz e é questionado o motivo de saber sobre isso.
— Tudo importa, os detalhes facilitam a montagem do perfil e ajuda na abordagem dos agentes. Queremos saber se ele tem alguém ou qual a preferência dele nas mulheres.
— Entendi, a esposa era enfermeira. Não sei muito sobre ela, mas eu soube que ela era difícil e não deu o braço a torcer. Ele lutou para conquistá-la e muito até ela dar uma chance a ele.”
Algo interessante, acho que a frustração ou a rejeição fazem com que ele almeje mais as conquistas.
“— Ele prefere morenas, nunca dorme com uma mulher mais de uma vez, não as leva para casa porque isso se tornaria íntimo demais...”
Ele é inteligente e não quer sofrer de novo.
“— Em uma escala de zero a dez qual o nível de preparo para se defender de um ataque?
Ele nem pensa para responder.
— Eles são bons, tanto que eu diria dez. Os soldados são treinados e tem uma tática precisa além das rotas de fuga que cada membro do clã tem, mas o que impede ataques é a população.”
Eles são organizados, bem treinados e armados.
“— Eles são fieis, tudo que alguém precisa pede para o signor Giovanni, ou se for de outro clã pede para quem possui o cargo mais alto. Saiba que eu só estou fazendo isso porque meu irmão foi morto, mesmo que tenha sido merecido eu precisava ser consultado, mas vocês sabem disso, o que eles fazem com quem trai o clã.
Ele parece com raiva, e se o que ele insinua é verdade a família do irmão ou foi morta ou aconteceu algo terrível.
“— Não culpo o signor, culpo os demais membros que pediram a cabeça do meu irmão e não me permitiram saber de tudo que ele fez, então apenas almejo vingança e peço que o signor Giovanni não seja morto nesta operação.
— Por que se preocupa tanto com ele?
A meu ver uma pergunta válida.
— Ele foi o único que ficou do meu lado, não queria a cabeça do meu irmão, já os demais membros queriam, então, nada mais justo que derrubar a máfia para ter minha justiça. Acho que meus princípios e motivações não impedem de ajudá-los, só quero o justo.”
Ele parece sincero e é fiel ao chefe ao seu modo, é claro.
“— Nós agradecemos a ajuda, sua família está segura e assim que você infiltrar uma pessoa de nossa confiança será retirado do país sem que seja visto. Vamos torná-lo um homem morto com uma nova vida.
Ele suspira alto.
— Quem eu preciso infiltrar? — pergunta sem vacilar.
— Uma negociadora de armas. Um dos nossos agentes se infiltrou no grupo dela e se ela for a escolhida, nosso agente poderá ter livre acesso como o antigo negociante de armas.
Ele não cita meu nome, isso é bom, dar pistas falsas.
— Mas Lucca não foi demitido, ele trabalha há anos conosco duvido que aceitem outro em seu lugar.
— Ele será preso, nesse meio tempo irão pedir um nome substituto e como o clã do Giovanni mexe com armas apenas, só eles sabem quem é bom para assumir. É aí que você entra dando o nome do avô dela que é muito reconhecido e tem os melhores produtos.
Um silêncio se instaurou e apenas as respirações poderiam ser ouvidas.
— Faça sua parte e faremos a nossa!”
Meu momento é interrompido pela voz de Ramon me chamando.
— Espero que seja um caso de vida ou morte... — Lentamente abro os olhos e o encaro.
— Me perdoe, Milady, sei que nos orientou que não a incomodasse em seu descanso, mas há um homem aqui que lhe deseja falar, diz ser urgente e é sobre negócios.
Respiro fundo, me levanto, pego a saída de praia e a visto.
— Onde ele está? — pergunto curiosa colocando os óculos escuros e ele aponta para dentro do recinto. — Espero que não tenham o deixado entrar.
Ele balança a cabeça em negativa, depois me leva de volta ao quarto e lá está um homem muito bonito a meu ver.
Ele parece nervoso e acredito que deva ser o informante.
Sempre imaginei quanto tempo iria demorar até virem me procurar, jamais imaginei que o informante em pessoa teria a coragem de vir e fingir tão bem como ele está fazendo, embora ele perca tempo demais observando meu corpo.
Apenas sorrio esperando que dê o primeiro passo. Ele veio me procurar e precisa acreditar que não sei de nada, indiferença irá contar e muito nessa empreitada.
— Boa tarde, senhora, peço mil desculpas por estar invadindo seu descanso, mas tenho uma proposta a fazer.
Os homens estendem a mão pedindo a arma e ele as entrega.
Ergo os óculos, o convido a entrar e ele fecha a porta atrás de mim.
— Sou toda ouvidos.
Ele se senta na cadeira à minha frente.
— Mas estou de férias e não estou interessada em negócios, me surpreenda.
— O signor Giovanni, braço direito do chefe está pedindo um encontro com a senhora para tratar de uma possível parceria, perdemos recentemente nosso negociador de armas e você foi muito bem indicada.
Reconheci sua voz quando abriu a boca.
— Quando?
Ele retira um cartão do bolso do terno e me entrega.
— Hoje, às 19h:30min, nesse lugar, estarei lá esperando para apresentá-los, se aceitar é claro.
Finjo refletir um pouco, pois não poderei aceitar logo de cara. Fico em silêncio avaliando bem o pedido, pelo menos é o que ele pensa.
— O senhor pode me buscar às 19h:15min, não se atrase nem deixe o senhor Giovanni se atrasar, odeio atrasos. Gosto de pontualidade, irei ouvir apenas e se perceber que é lucrativo pensarei.
Ele agradece e se levanta.
— Pegue suas armas com meus homens, devo vestir algo especial?
Ele não entende a pergunta.
— Não entendi.
— É uma ocasião formal? Traje de gala, traje social ou posso ir como me sentir à vontade?
Ele sorri.
— Acredito que possa ser à vontade, mas confesso que usar algo que chame a atenção e o impressione ajuda.
Giovanni é controlador com as moças com quem se relaciona, preciso ser cuidadosa com as palavras, profissional, inteligente e sensual, mas ao mesmo tempo ser indiferente e apenas jogar sem findar a sedução ou ele irá partir para uma mais difícil.
Precisarei ser acessível e inacessível ao mesmo tempo.
— Obrigada, agora preciso falar com meu avô antes de negociar de fato, nunca falo nada sem ter certeza de que não é uma emboscada.
Ele sorri fraco, se levanta, o acompanho até a porta e o vejo sair.
— Adam! — chamo o chefe dos meus seguranças.
— Sim, madame?
Dou um sorriso devido à forma como me tratam, eles dariam suas vidas por mim.
— Tenho um encontro hoje, quero que fique me vigiando de longe, nada de ataque nem tirar satisfação. Lembre-se que estamos na casa dele e o anfitrião enquanto não ofertar perigo deve ser respeitado.
Ele concorda e fecho a porta.
Volto para minha cama, preciso avisar que o plano está em andamento, depois deletar tudo e me livrar do que é da agência, pois não posso ser pega.
Não que seja a minha primeira vez, mas cada missão tem que ser vista como única, devido as milhares de possibilidades que existem para seu êxito e fracasso.
Quando aceitei esse trabalho eu sabia dos riscos e mexer com a máfia é mais perigoso do que enfrentar terroristas, um tem propósitos e nada fica no caminho enquanto o outro tem princípios e leis severas que os tornam ainda mais perigosos.
Às vezes me pergunto o motivo de ter sido escolhida ou ser órfã me tornou melhor para esse trabalho, eu não costumo repensar sobre os fins justificáveis, eles poderiam sim ter outro enredo, mas nunca saberemos se teriam o mesmo efeito do que agir com a razão.
Essa parte é perigosa, saber se infiltrar em uma organização ou célula terrorista não é difícil, precisa apenas jogar tudo que você aprende no lixo e recriar milhares de vezes sua identidade para parecer convincente o suficiente sem levantar suspeitas. E é aí que mora o perigo, nem todos serão seus amigos ou confiarão em seus julgamentos, por isso precisa ter o líder sempre do seu lado.
Essa é a minha missão, além de juntar provas e reunir informações, preciso que ele confie o suficiente para nunca pôr em xeque minha lealdade, por isso montamos um perfil de negociadora de armas perfeito, álibi que me torna perfeita aos olhos do outro lado da mesa.
Às vezes esse mundo em cinza não é tão bonito quanto o mundo real, confesso que saber me envolver até certo ponto sem perder o foco é difícil.
Irei descobrir em breve se o perfil que criamos é correto, ele precisa se encantar comigo e perceber que sou boa, aí, sim, poderia começar a fase dois e estar no jogo dele.
Nem sempre trabalhamos com nomes, muitos subordinados não revelam sua identidade para estranhos ainda mais quando há muito em jogo.
O rapaz sem nome ficou de me pegar em frente ao resort e mesmo a contragosto dos meus seguranças eu preciso ir sozinha com ele.
Confiança gera confiança, mas não sou tola de ir a um encontro desacompanhada.
Preciso parecer encantadora e profissional, nada chamativo demais nem de menos, mas algo na medida certa.
Após olhar atentamente o arquivo da ex-mulher de Giovanni e alguns relacionamentos curtos, percebo que ele prefere morenas com boa aparência, mas somente a esposa era menos vulgar em suas vestimentas e irei apostar nisso.
Embora esteja de férias e longe do meu país e contatos da Interpol, preciso focar em ser a pessoa que preciso ser, preciso contatar fornecedores e manter laços fortes, ou posso perder meu trunfo na mesa e acabar me destruindo.
Meu trabalho de verdade começa daqui a pouco, me tornar desejável para o homem que preciso conquistar. O problema de um viúvo controlador e completamente focado na causa é que ele pouco confia em estranhos, é uma relação que preciso construir lentamente e espero que não precise me deitar em sua cama.
Meu papel é bem simples em tudo isso, eu sou uma negociante de armas, faço a ponta entre cliente e vendedor, tenho os melhores contatos e os meios de enviar os produtos com taxas boas e garantias, graças ao meu "avô", tenho tudo que preciso.
Eu sou a moça dos contatos que tenta trazer novos vendedores, produtos e firmar acordos bons, recebendo é claro uma porcentagem muito boa nisso tudo.
Tomo um longo banho e antes das 19 horas vou me vestir. Havia estendido sobre a cama mais cedo a roupa que irei usar, sandália de salto médio na cor branca, calça boca de sino na mesma cor e blusa creme com manga com babados costurados até o cotovelo.
Pego um cinto na cor creme com detalhes em preto, um par de brinco, gargantilha e bracelete com borboletas em tom de esmeralda.
Gosto muito de borboletas, elas me lembram da transformação que sempre temos que passar ao longo da vida, tenho uma tatuagem de algumas na lombar.
Prefiro apenas usar delineador junto ao rímel e um gloss labial para não ressecar minha boca, pois está muito calor nesta época do ano.
O rapaz é pontual.
Confesso que me come com os olhos quando me aproximo. Ele me olha de cima a baixo e posso jurar que ele me cantaria a viagem toda até o restaurante, o que realmente aconteceu.
Ao chegar no lugar combinado, nos sentamos e peço uma bebida para acalmar meus nervos, mesmo não sendo novata nisso não tem como não sentir aquele friozinho na barriga.
Ele começa a me contar o motivo deste encontro, não todos os detalhes apenas os mais relevantes ao momento, dando ênfase no meu ganho e como as minhas armas alcançariam mais pessoas, seria vista, por assim dizer.
— A propósito, meu nome é Romeo e caso precise de um guia ou um contato é só pedir. — Sorri sem graça.
— Obrigada, se precisar eu pedirei.
Ele fica nervoso do nada e busco seu olhar.
É neste momento que o vejo e ele parece mais sombrio com aquela cara fechada.