Resumo
Para Karim, não há nada mais satisfatório do que uma mulher diferente na sua cama, todos os dias. Não lembra exatamente quando gostar de estar rodeado de mulheres se tornou seu passatempo preferido, ainda que não único, mas acredita que foi pouco tempo depois que seu irmão o levou a uma mulher experiente para ajudá-lo com isso. Nem lembrava mais do nome da mulher. A verdade é que não se lembrava de nenhum nome, porque depois da segunda parou de perguntá-las os nomes. Nome criava laços e ele não queria laços com ninguém. Apenas o gozo forte e eficaz era seu contentamento. No entanto, há algum tempo Karim não tem mulheres diferentes na cama. Porque já experimentara de todos os tipos: loiras, morenas, ruivas, asiáticas, sudanesas, angolanas, caribenhas, enfim... estava cada vez mais difícil para que seu mordomo, Hussein, conseguisse encontrar um tipo que ele não tivera sequer experimentado. Mas as coisas começam a mudar quando na festa de seu aniversário, Hussein o avisa que conseguira uma jovem virgem para ele. Endividada, ela começaria o mundo da prostituição, mas ele conseguira com o cafetão que com certo preço a jovem fosse dele. No fim, poderia Deus unir dois opostos? Karen, depois de não se sentir bem e procurar um banheiro, acaba sendo confundida pelo príncipe como a prostituta que ele pegaria na notável noite. Poderia daí surgir amor? Ou seria sempre desejo, somente a vontade de alcançar o que não se pode ser alcançado? Karen poderia alcançar um coração em meio às trevas e ensinar a esse o quão agradável era, aos olhos de Deus, um homem de uma mulher só? Acompanhe e descubra.
Capítulo 1 - Karen
― Onde você estava? Eu estava te procurando, bobinha. ― Ouvi o príncipe Karim falar com um sorriso bobo nos lábios. Arregalei meus olhos, assustada com a intimidade que ele me dava e também pela sua aproximação.
Será que aquele era o quarto dele e eu meio que tinha invadido o banheiro dele? Mas porque então ele me procuraria? Aliás, para que? Eu era o ser mais invisível da festa toda! Mas tudo mudou ― ou pelo menos minha vida começou a ficar uma loucura ― depois desse momento que Karim se aproximou de mim e agarrou minha nuca me puxando para um beijo ― meu primeiro beijo.
Mas antes que eu comece essa história e a loucura que minha vida se tornou com isso, preciso começar de quando cheguei a festa e de como tudo começou a virar uma avalanche. Então vamos do começo.
Estava muito quente. Para a noite, quando a temperatura geralmente caia bastante, encontrar um clima desses parecia ser um atestado para enxaqueca. Afinal, estar de hijab, cabelo bem amarrado por baixo, não ajudava em nada nisso. Agnes tinha me convidado para fazer companhia no que ela chamou de “festa de uma pessoa importante com pessoas importantes que ignorariam ela”, já que as mulheres do meio social que ela fazia parte ainda não estavam deveras acostumadas com o jeito da Ag nem com o fato de ela ser ocidental, ainda que ela nem pareça tanto assim. Então eu meio que estava fazendo companhia para que ela não se sentisse tão só.
Essas festas, infelizmente, acabavam sendo bem polarizadas. Homens entre homens num canto, mulheres entre mulheres em outro. E as mulheres realmente em grande parte dos assuntos excluíam a Ag, mesmo.
E se tratando de uma festa no palácio da família real, não era para menos.
Eu tinha colocado um hijab vinho que combinava com o vestido de uma cor similar ao vinho que eu mesma havia costurado, com pedrinhas adornando o colo fechado. Era algo que eu gostava de fazer: desenhar e costurar alguns modelitos aqui e acolá. Eu também havia feito como presente o vestido de meia manga alaranjado de Agnes e um véu que ela usava jogado no cabelo, mas só para que o cabelo não ficasse tão em vista, já que Seth insistia que gostava do cabelo dela e que não havia casado com ela para que ela visse o uso do hijab como uma imposição, que ela fosse a Agnes de sempre que ele conheceu. E acho que a Ag até ficou mais calma depois que ele disse isso. Ela, por conta disso, não parecia sentir o mesmo calor sufocante que eu estava sentindo. Algo deveras que incomodava.
Decidi que jogaria uma água no rosto e tentaria sobreviver. No entanto, aquele parecia ser o meu dia de azar: alguém havia tomado conta do banheiro. Alguma mulher que provavelmente não estava bem do intestino, presumo pelo cheiro. Franzi o nariz tentando não me contaminar com o cheiro que conseguia sair da porta e decidi que perguntaria sobre um banheiro. Assim que vi um empregado passando perguntei:
― O senhor saberia se tem outro banheiro além desse que foi tomado? ― E o homem arregalou os olhos com minha ousadia de dirigir a palavra a ele e assentiu.
― Lá em cima. Na ala leste. ― Ele se limitou a dizer escapulindo de mim como se eu fosse um ser contagioso que meia dúzia de palavras pudessem o contaminar. Suspirei. Eu conhecia bem esse tipo de atitude. O medo de que a pessoa com que falávamos fosse uma Nadirah da vida que pudesse nos xingar por não termos “nos colocado no nosso lugar de empregados”. O homem não tinha como saber que eu era do mesmo mundo que ele. Mas eu o entendia. E acho que isso bastava.
Segui na direção que me foi oferecida e caminhei olhando as paredes repletas de quadros e artistas que eu não conhecia. Observei as portas com maçanetas cromadas de ouro e suspirei porque aparentemente seria difícil encontrar um banheiro.
Quando avistei uma porta aberta de um quarto com suíte, olhei para os lados para me certificar que não seria pega no crime. Todo mundo estava no andar de baixo comemorando. Ninguém perceberia que invadi um quarto que bem que poderia ser pessoal. Mas seria rapidinho, prometi a mim mesma. Eu só precisava lavar o rosto e tirar o hijab um pouquinho.
Segui até o banheiro com rapidez e primeiramente joguei água no rosto antes de tirar o hijab. A água gélida até que ajudou a diminuir o calor e mal estar que eu estava sentindo. Mas como eu disse, o azar tinha decidido me acompanhar naquele dia.
― Onde você estava? Eu estava te procurando, bobinha. ― Ouvi o príncipe Karim, O segundo príncipe de Omã!!! Primeiro, a surpresa. Eu não conseguia nem acreditar que estava cara a cara com um dos herdeiros da família real de Omã. Eu! Que nem era rica ou coisa assim, só estava na festa mais como dama de companhia!
Ele tinha um sorriso bobo nos lábios. Arregalei meus olhos, assustada com a intimidade que ele me dava e também pela sua aproximação. Desajeitadamente, dei um passo para trás tentando me certificar de ficar longe do homem, ainda mais de um homem com tanto peso para carregar nas costas.
Certamente aquele era o quarto dele e ele iria me dá um sermão que por Alá eu não estava a fim mesmo de ouvir. Mas também, eu tinha feito uma coisa errada entrando num quarto sem conferir se era de alguém. Engoli em seco.
― Me - me desculpe. Não foi minha intenção invadir o quarto do se-senhor majestade. ― Disse gaguejando e com medo da reprimenda. Mas Karim continuou se aproximando e meus olhos se arregalaram quando sua mão direita agarrou com força o meu queixo me fazendo olhar nos seus olhos. Eu podia jurar que aquela mão deixaria marcas dos dedos na minha pele. E isso não era algo esperado.
― Fico feliz que tenha me achado tão rápido. Me poupará esforços. ― Arquei uma sobrancelha sem entender o porquê seus olhos verdes brilhavam na minha direção. Eram de um tipo de brilho que eu não conhecia, por isso minha total dificuldade em fugir até que fosse tarde de mais.
Karim puxou meu queixo na direção do seu rosto e seus lábios agarraram os meus em um beijo que não tinha nada de cálido. Eu não esperava por isso. Na verdade, não sei nem dizer se esperava um beijo antes do meu casamento!
Os lábios de Karim anuviaram qualquer pensamento que quisesse ficar na minha mente. Suas mãos experientes puxaram a minha cintura na sua direção e seus lábios reclamaram espaço tratando de encontrar, com ímpeto, a minha língua. Uma carícia que era inesperada e um arrepio tão profundo na minha pele que um misto de sensações até então nunca sentidas se apossaram de mim.
Primeiro, minhas pernas amoleceram, parecendo gelatina. Depois meu estômago que parecia entreter milhões de borboletas até então desconhecidas. Minha pele parecia brasa, fogo e frio. Porque ao mesmo tempo que se arrepiava tal como o frio é capaz de fazer, também parecia entrar em ebulição como uma panela de pressão. Se me perguntassem quanto tempo havia durado, eu não saberia dizer, mas presumo que não tenha sido muito, porque quando Karim ameaçou tirar meu hijab da cabeça, empurrei-o desajeitadamente para longe de mim enquanto corria como louca até a porta do quarto na intenção de fugir.
Contudo, Karim tinha um reflexo ou uma mente muito mais rápida no serviço que a minha. Mal tendo feito isso, senti seus longos dedos agarrando o meu pulso e ousando me puxar na sua direção novamente enquanto ele parecia um cavalo relinchando:
― Onde pensas que vai? Eu paguei caro para te ter! ― Arregalei os meus olhos tomada de medo, apreensão e de certa forma tristeza por imaginar as meninas que tinham que se sujeitar a uma vida que não foi abençoada por Alá, mas por questão de vida ou morte, presumo eu. Mas eu também agi rápido, tentando puxar meu pulso de volta dos dedos fortes do príncipe enquanto ralhava:
― Eu não fui comprada por ninguém! Você não tem o direito de ter a mim. ― Karim não me deixou continuar falando.
― Claro que tenho! Não só tenho o direito, como a posse. ― Arregalei os olhos tomada de medo e ultraje por saber da vida do príncipe que era escondida muito bem da mídia sob aquelas milhões de paredes e concreto. Uma sensação de enjoo começou a querer tomar posse de mim, mas eu tentei me manter forte.
― Eu vim aqui acompanhada da minha amiga Agnes. Então, se o senhor, majestade, permitir, eu gostaria de fingir que nada disso aconteceu. ― E da mesma forma que eu tinha ficado surpresa com o príncipe me agarrando, ele pareceu surpreso ao descobrir quem eu era e o que ele estava fazendo naquele momento. Mas eu não queria perguntas do pecador que não cumpria as ordens do profeta. Não ficaria para ouvir ele me perguntar porque eu estava no andar de cima e por sorte do destino justamente no seu quarto. Não. Puxei meu pulso com força.
Aproveitando a distração que o príncipe sofria depois de ser apunhalado com tantas notícias novas, escapuli para o mais longe que eu podia, que nesse caso era ao lado de Agnes. Minha cabeça parecia numa tortura nauseante sem fim enquanto eu descia as escadas procurando Agnes. Eu pediria um táxi e iria embora, somente avisaria Agnes. Não ficaria ali, vendo a face daquele homem pecador, tampouco ousaria permitir que eu desmaiasse, já que a dor de cabeça não me abandonava. Meu único pensamento era que não queria mais lembrar da cena de poucos minutos atrás, tampouco de todas as reflexões que ela me permitia fazer. Como reflexões de que aquele tinha sido o meu primeiro beijo e o mais terrível por conta das circunstâncias também.
― Você está pálida, Karen! Você está bem? ― Agnes me perguntou preocupada. Sem condições de falar mais do que meia dúzia de palavras, me limitei a respondê-la:
― Não. Enxaqueca. ― Agnes concordou e pediu para que eu esperasse saindo em disparada da rodinha de mulheres e seguindo na direção da rodinha de homens. Arregalei os olhos, tal como todas as mulheres ali presentes, porque a verdade é que não esperávamos uma atitude tão ousada. Mas Agnes era assim. Eu acredito que eu era a mais acostumada.
Em questões de segundos, Agnes voltou com Seth em seu encalço e então percebi que por minha culpa eles estavam indo embora. Não era algo que eu queria para eles, mas Agnes sequer me deu a oportunidade de reclamar! Já foi se despedindo das outras mulheres e agarrando o meu braço para seguir para fora da mansão.
― Mas já vão? ― Estanquei no meio do caminho ao ouvir a voz do príncipe. Talvez o medo ou quem sabe o ódio de conhecer o homem por trás das máscaras, eu não sabia bem ao certo, mas Agnes fez o trabalho de me virar junto dela para se despedir apropriadamente do príncipe.
― Sim. Sinto muito... ― E Seth interrompeu.
― Karim. Quanto tempo, hein amigo? Vamos deixar nosso encontro para depois. Tenho que levar as damas para descansar um pouco. O calor as deixou com enxaqueca. ― E os olhos tempestuosos de Karim encontraram os meus, queimando minha pele como brasa, pois a verdade estava estampada ali.
Ele sabia que tudo era uma desculpa para não ter que ficar mais um segundo sequer na presença dele. Não sem que eu viesse a demonstrar meu nojo por ele.
― Oh, sim. Claro. Até mais, irmão. ― Disse Karim e ele e Seth se cumprimentaram com dois beijos no rosto antes que enfim saíssemos.
Foi com uma dificuldade imensa que voltei a respirar novamente. E que também consegui dizer a mim mesma que o pesadelo tinha enfim terminado.
Mas eu não podia estar mais enganada. Ah, não podia.
O pesadelo só havia começado.