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O CONFRONTO COM A LEI

(AURORA)

Uma das regras principais de um bom roubo é identificar o mais confiante, porque geralmente ele é o que mais está dando sopa. Sempre tem um rico pomposo, inútil e que não deveria ser tão rico. Esses exibem seus tesouros, pagam pela sua segurança e vivem achando que os outros são responsáveis pelo seus bens. Em porta de hotel chique tem um monte desses idiotas. São esses que eu devo pegar. Era a última do meu dia, eu só precisava de mais um peso e voltaria pra casa com a produtividade finalizada. Decidida, resolvi me concentrar. Respirei fundo. Vi uma multidão de carros pretos se aproximarem, analisei a minha vítima e então, tive meu foco. Geralmente esses ricaços têm guardas fortes, rápidos e com boas armas, portanto, a agilidade é mais do que essencial. Logo um comboio se aproximou, onde em um dos carros da frente vi alguns guardas pessoais e por isso me esquivei. Em um segundo de distração atravessei a rua distante da cena, me aproximei, me escondi entre os arbustos da paisagem decorativa junto às lixeiras de reciclagem e calculei meus movimentos.

Havia uma recepção, alguém importante estava para descer do carro principal. Meu coração disparou, minha respiração ficou um salto mais alta e então avistei meu objeto precioso. Um broche grande e brilhante, que cintilava mesmo com o céu nebuloso. Como de costume, os guardas pessoais olhavam para pontos distantes e estratégicos. Eu ocupava um ponto cego, suspeitei até de uma visão acima do prédio, mas ninguém é tão rico a ponto de ter uma segurança de perímetro expandido, certo? Pelo menos não por alí.

Minha oportunidade surgiu. Eu tinha minha agilidade a meu favor, meu tamanho diminuto e toda magricela. Eu passaria, pegaria e correria com a mesma facilidade de sempre. E foi o que fiz, mas antes mesmo de chegar a vítima, alguém gritou.

— Segurem ele dentro do veículo! — gritou uma voz.

— Ei, você, garoto! — gritou outra voz.

Antes que o homem possuindo o broche em seu terno pomposo pudesse voltar ao veículo, minhas mãos deslizaram de forma graciosa na pedra, a correria fizeram os guardas se baterem um no outro e eu saí correndo com o objeto deslizando entre meus dedos. E claro, com mais gritaria.

— Será que eu tenho que fazer tudo sozinho nessa porra?! Incompetentes! — essa voz me causou calafrios, mas uma das regras de quando for pega, é não olhar para trás.

Eu ouvi um barulho suntuoso de um tiro. Senti a pressão da bala sair do cano, cortar o vento e atingir o vitrô do carro ao meu lado. Eu gritei, me assustei e olhei para trás.

— Merda! — resmunguei para mim mesma quando percebi que tinha alguém ao meu alcance.

Dobrei a esquina, subi em alguns carros para atravessar alguns obstáculos, cheguei a lixeira tampada e escalei o muro. Pulei em um beco, perto de um edifício em reforma e procurei a saída. Um grito soou distante, então dobrei minha atenção e continuei correndo. Atravessei a rua, esbarrei em alguém e corri um pouco mais. Encontrei outro beco, subi as escadas laterais de acesso a um velho edifício abandonado e só então parei para respirar.

Em frente a uma janela quebrada, entre os cacos, vi o estrago que me fizeram.

Eu fui atingida. Pegou de raspão na ponta da orelha, não era grande coisa, mas doía muito. Geralmente eu corro bem mais do que isso, mas é por isso que estou tão cansada. Escorreu sangue o suficiente para marcar o meu caminho, e quando voltei para as beiradas para me certificar se deixei rastro ou não, vi alguém subindo ao meu encontro. Recorri a minha única saída, as escadas de emergência interna, mas a canseira estava forte. Desci um vão de escadas no intuito de fugir por fora, e quando estou perto do acesso de saída, sou surpreendida pelas muralhas do oficial.

— Achou que ia me fazer de otário? — perguntou me pegando de surpresa, sacando sua arma e apontando o metal frio para minha direção.

Minhas únicas saídas era lutar pela minha vida e, talvez, conseguir fugir. Ou, cair de joelhos e me render. É claro que eu escolhi a opção errada.

Ele era bem mais alto do que eu, muito mais durão e com certeza tinha muito mais força. Infelizmente não levei esses detalhes em consideração. Chutei a arma de suas mãos desferindo um golpe em seus punhos, mas quando tentei chutar de novo ele defendeu. Ele defendeu meu punho, meu soco, meus golpes e desviou de todos eles. O filho da mãe não estava nem se esforçando pra isso, enquanto eu sentia o esgotamento chegar.

— Seu monte de merda… — cuspiu o homem desapontado por eu não ser uma oponente tão boa.

Eu me afastei, cansada e quase não conseguindo respirar direito. Ele arrumou a beirada da camisa no braço, coçou em baixo do queixo e ficou me olhando como se eu fosse a criatura mais retardada do mundo. Ele parecia não acreditar que eu realmente iria lutar com ele, e até eu pensei em desistir. Mas, se não havia volta, eu teria de ir até o final. Tentei golpeá-lo de novo, e de novo, e de novo, mas nada aconteceu. Foi então que ele me deu um tapa. Isso mesmo, um tapa! Um baita de um tapa, e então eu caí que nem cocô no chão. E desisti.

— Tsc… — retrucou desapontado, enquanto eu aceitava minha perda.

O homem se aproximou de meu corpo caído, sujo de sangue e cansado, se abaixou e tirou meu capuz. Meus olhos azuis ficaram mais expostos, meus cabelos negros vazaram da proteção como uma cascata longa, me contorci de dor e deixei a desistência finalmente vencer. Virei de barriga pra cima e soltei os braços, cansada demais para aguentar o peso dos meus ossos.O homem incrivelmente forte e estranhamente bonito, me olhava como se visse um fantasma. É claro que ele supôs se tratar de um rapaz, descobrindo que minhas roupas sujas e surradas eram apenas um disfarce. Deve ser por isso que ouvi ele xingar.

— Puta merda!

(...)

Eu não acordei exatamente onde achei que ia acordar. Me recordava de cada segundo dos meus últimos momentos, achando que já estaria em alguma prisão fria e de uniforme laranja, mas eu ainda estava no chão. Eu estava com a cabeça doendo, o sangue seco, com frio, com fome e num completo breu. Não me perguntei o que houve e nem o que aconteceu com o homem, só enfiei a mão por dentro do amontoado de roupas, percebi que ainda estava com todos os objetos roubados comigo, ouvi um barulho distante e peguei a saída de emergência por detrás do edifício.

Eu estava atrasada e corria o risco de ficar sem a grana do dia se não chegasse a tempo de me encontrar com Rato. Ele é uma espécie de manda chuva dentro do subúrbio. É pra ele que vendo as coisas que pego. Ele paga bem para os meus pequenos delitos, então não tenho do que reclamar. Não é um bom lugar para se frequentar à noite, pelo menos não para quem ainda não entende como as coisas funcionam. Rato é um apelido sorrateiro pra quem é pequeno, mas dá muito trabalho.

Já era tarde e a rua de acesso aos negócios estava movimentada. Ele ficava num estabelecimento de fachada, um bar meia boca no meio de alguns outros estabelecimentos. Por ali tinha de tudo um pouco, prostitutas, sexo fácil, drogas e casas noturnas que ofereciam qualquer tipo de negócio.

— Olha só, a rata de olho azul chegou. — comentou o barman, depois de todo mundo olhar pra mim quando entrei.

— Eu preciso falar com o Rato. — pedi me aproximando, enquanto alguns olhos próximos me olhavam curiosos.

— Está fora do horário — respondeu —, mas eu posso ver o que faço.

Não era do meu costume chegar fora do horário, já que Rato tinha negócios importantes para tratar. Ele fazia coisas que eu nem acreditava ser possível, mas se existiam boatos, corria um grande risco de existir verdades. Por tanto, procuro me meter o menos possível, apenas tentando fazer a minha parte.

— Talvez, um banho. — comentou um homem se aproximando e pegando em meu cabelo — E acho que o resto vai ficar muito bem…

— Aê! — respondeu o barman que voltou, e nem tínhamos notado. — É melhor ficar longe, Rato tem planos pra mocinha.

E mesmo depois de todos esses trabalhos para eles, eu ainda tinha medo dessas coisas. Por isso agradeci o homem silenciosamente e entrei para a porta dos fundos. Cheguei até o corredor final do estabelecimento sentindo o cheiro de cigarro, bebida e alguma droga que meu nariz não aguentaria por muito tempo. Um outro homem abriu a porta para mim e então me deparei com o Rato. Ele se vestia de terno e gravata de um jeito meio torto, estava com os olhos um pouco inchados e tinha duas mulheres ao seu redor. Dois homens saíram de lá de dentro quando cheguei, mas o ruivo barbudo, magro e com os dentes amarelos sorriu abertamente quando me viu.

— Olha só, quem é vivo sempre aparece. O que aconteceu com você? — perguntou dispensando as garotas.

— Dessa vez eu tive que correr demais. — menti, mas se tratando do Rato, ele não ligava pras minhas mentiras.

— Oh, que pena. — suspirou fingindo algo que eu nunca sei explicar — O que tem pra mim hoje? — perguntou enquanto me indicava a cadeira à sua frente.

Eu enfiei as mãos por dentro da blusa e tirei de lá anéis, broches, relógios e brincos. Debaixo do casaco tinha duas carteiras, das quais tirei pelo menos duas notas de cada antes de entregá-las ao Rato. Tudo estava sobre a mesa entre nós, a qual ele olhou tudo sorrindo.

— Uma belezura! — comentou pegando um dos objetos na mão. — Com você o dia sempre é produtivo… — comentou olhando os objetos e analisando com uma lupa de olho nas peças — É difícil encontrar gente assim, você tem sorte com jóias. Onde encontrou isso? — perguntou me indicando o broche.

— Na porta do hotel, com um dos clientes. — respondi indiferente, mas notando seu interesse em especial.

— Sabe o que é isso? — perguntou admirando a peça.

— Coisas de rico. — respondi dando de ombros, tentando esconder o que passei por conta da jóia.

— Isso vale uma grana… Uma boa grana… Você não faz ideia… — comentou vagando. — Onde pegou isso mesmo? — perguntou admirando a peça.

— Eu disse, na porta do… — ele bateu na mesa e eu levei um susto, pois repentinamente ele parecia estar mais nervoso, muito mais do que o normal.

— Onde você estava!? — eu engoli em seco, tentando entender porque isso era importante e porque ele gritava — Sabe o que é isso? — eu fiz uma negativa — Ninguém, que não seja da realeza, ou que tenha o sangue azul, descendente da coroa e esses blá blá blá imperiais, não pode ter um um desses....

— Eu peguei na frente do Central Hotel. — respondi, como se fosse impossível o que ele acabou de dizer.

— Exatamente, eles estavam todos lá! — riu de um jeito agonizante e louco — E AGORA VOCÊ TROUXE ESSA MERDA AQUI! — berrou batendo na mesa de novo.

Eu me assustei, a ponto de me levantar e me encostar na parede. Já vi Rato tendo várias crises, mas aquela era novidade. As coisas que levei caíram todas no chão quando ele tombou a mesa de raiva. E, antes que eu pudesse perceber, eu já estava tremendo com dois homens gigantes à minha espreita.

— R-rato? — perguntei vacilando.

— Ah, que isso… — respondeu banalizando a situação — Senta aí boneca, e menos drama. Você pode ficar, tomar uma bebida quente, tomar um banho, me “dá” e depois vai ser dispensada com a sua grana. Vai poder ficar uma semana de folga.

Sempre que tinha a oportunidade Rato se aproveitava de algum jeito, eu já não andava tendo oportunidade de me esquivar, mas tentei o meu melhor pra sair dessa.

— Eu ainda não apareci em casa e…

— Eu não estou nem aí. — me interrompeu, agora, sorrindo malicioso — Você está pensando o quê, que consegue me enrolar tanto? Eu até curti esse joguinho de “ eu sou dificil”, mas já encheu o saco. — explicou brincando com o broche.

Ele estalou os dedos, mal vi quando dois homens me pegaram pelo braço e me levaram para o fundo. O lugar era um mausoléu fedido e cheio de garotas fora de si, fui trancada em um quarto sem nem mesmo saber o que fazer. É claro que não é a primeira vez que ele arrisca algo assim, e dessa vez parecia que eu não teria escolha.

O lugar era ridículo, nem minha cama era tão ruim. Tinha pinos por todo o canto, camisinhas, calcinhas e fedia a algo esquisito. Eu era só uma rata escondida fazendo pequenos delitos, não queria acabar me tornando aquelas moças que parecem fora de si e...e ficam igual a minha mãe. Engoli em seco. O crime não compensa. Rato não compensa, e agora já era.

Encolhida no canto da cama, segurei minhas pernas me abraçando enquanto me confortava internamente. Eu tentava controlar minha respiração, e me assustei quando a porta foi aberta repentinamente, enquanto Rato surgia lambendo os dentes, sorrindo torto e trancando a porta. Logo ele estava do meu lado, onde se abaixou, pegou uma mecha do meu cabelo e respirou fundo, tacando a mecha em seguida e puxando minha cabeça.

— Que porra fedida! — resmungou, agora abrindo a barguilha da calça às pressas — Ah, que se dane!

Eu escondi o rosto, tentei não ver e nem fazer o que ele queria, mas ele puxou meu cabelo e eu segurei em seus pulsos para tentar me soltar. Nós ouvimos um grito, eu caí no chão e Rato olhou para a porta. Quando eu tentei me levantar direito, ele já fechava as calças novamente , abriu a porta xingando e saiu me deixando trancada lá. Meu cabelo tinha um tufão no chão, minha cabeça doía e eu já sentia as lágrimas queimar, mas eu ouvi mais gritos.

Com dificuldade me levantei, me aproximei da porta e tentei abri-la. Ouvi mais gritos, o que me fez encostar o ouvido contra a madeira, já que esta estava trancada. De repente, a parede se rompeu ao meu lado, dois homens caíram sangrando e as pedras se transformam em estilhaços levantando pó, e para a minha desgraça, era o mesmo oficial que estava do outro lado, com a mão suja de sangue. Alguém tentou atingi-lo, mas ele era ágil e forte. Pegou o homem levantando seu corpo, bateu-o contra a outra parede e antes do homem cair, empurrou a cabeça contra o concreto, fazendo mais um morto.

Ele tinha um aspecto totalmente diferente dos caras que existiam por ali. Até tinha alguns fortões de porte musculoso, mas com o ar seguro que aquele cara respirava, não tinha ninguém. O pior, foi me sentir extremamente sem graça com seu olhar carrancudo e pesado.

— A saylor moon do crime vai colaborar, ou vou foder com a tua vida até não aguentar mais, entendeu? — ordenou o homem.

Engoli em seco, e concordei.

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