07
ISABELLA
QUANDO VOCÊ É CRIANÇA, TUDO PARECE PERFEITO, mas ao se tornar adulta, você começa ver tudo ao seu redor de forma completamente diferente. Para nós mulheres, que crescemos dentro desse mundo chamado máfia, cada dia se torna um verdadeiro desafio. Queria poder ter feito as minhas próprias escolhas, mas não me foi permitido e assim como muitas em nosso meio, o meu casamento aconteceu somente pela vontade do meu pai e, do homem que se tornou o meu maior desespero.
Depois da maior perda da minha vida, eu conheci muito mais que a dor que tomou conta da minha alma. O meu corpo se tornou a única forma que tinha para defender a pessoa que mais amo na vida. Mas, com o passar do tempo, aquilo era muito pouco para ele, e a minha joia preciosa se tornou o seu maior alvo. Omar Petrovci é o ser mais diabólico que conheci em toda a minha vida, a própria encarnação do mal em forma humana, onde seu maior objetivo é o poder.
Cada golpe desferido, cada marca que ele deixou na pele da minha filha, só fazia o meu coração sangrar por dentro. Uma dor que está me destruindo e por mais que tudo pareça difícil, eu não posso permitir que Helena continue a mercê da crueldade desse monstro.
Depois que o infeliz deixou o ambiente com um largo sorriso no rosto, minha atenção se voltou para minha filha que estava petrificada e com o rosto banhado em lágrimas. Aquilo foi o estopim para que eu deixasse o medo de lado e decidir fazer até o impossível para que ela saia das garras desse mafioso encapetado. Levantei-me e andei em sua direção, ao ficar em sua frente, segurei uma de suas mãos que estava gelada e trêmula.
— Vamos para o seu quarto, tenho algo que preciso falar com você.
Helena, se levantou, no entanto parecia está totalmente desorientada após ouvir as palavras que foram ditas pelo infeliz, que jamais deve ser chamado de pai.
Algum tempo depois...
Não foi fácil a conversa que tivemos. Eu sabia que ela seria contra, mas essa era a única forma de vê-la longe de tudo isso. Depois de muitos argumentos e prometer a ela que em breve estaríamos juntas, enfim ela acabou aceitando. Agora, tudo que faltava era colocar o meu plano em ação.
Fui para o meu quarto e ao entrar no cômodo, andei até o meu closet e procurei por entre as roupas, a pequena caixa que tinha escondido e que continha as joias que eram da minha mãe. Omar jamais soube da existência delas e por várias vezes cogitei em usá-las para ir embora, mas seria suicídio fugir com uma criança, colocando a vida da minha filha em perigo, no entanto, dois meses atrás, com a morte do meu pai, Thadeu retornou para Durrês e no único momento que consegui lhe falar, ele me disse que se precisasse de qualquer coisa estaria a minha disposição, acabou por me dar o seu número, o qual tratei de adicionar.
Mesmo sabendo que tinha alguém com quem poderia contar, isso não seria suficiente, pois sair dessa gaiola de ouro que é uma verdadeira fortaleza, era algo impossível, porém, três dias atrás, quando aconteceu a reunião do conselho, sem querer acabei ouvindo uma discussão, algo que era normal, mas quando ia subir os degraus da escada, as palavras que ouvi chamou a minha atenção. Novamente após tantos anos a morte de Vitor foi motivo de pauta entre os conselheiros e um deles disse que até hoje não conseguia entender o motivo de Helen não ter saído pela passagem secreta que ficava no quarto onde foi encontrada morta, já que ela havia sido feita exatamente para garantir a proteção do herdeiro da máfia e somente ela, Vitor e alguns conselheiros tinham conhecimento da origem do lugar.
Subi cautelosamente a longa escada para que ninguém pudesse ouvir os meus passos, segui para o quarto que nunca foi utilizado e que sempre me deu calafrios ao passar perto desse lugar. Depois de algumas passadas, parei em frente a porta e movida pela minha curiosidade entrei no cômodo, a princípio parecia algo normal, como qualquer outro cômodo da casa. Meus olhos analisaram todo o lugar e não vi nada de diferente. Com passos vacilantes, caminhei até uma das portas que indicava ser um banheiro, quando entrei no cômodo, era um pequeno closet, olhei em volta do lugar e novamente não vi nada de diferente e quando ia deixar o ambiente, meus olhos foram de encontro ao chão e foi nesse exatamente momento que descobri o lugar que poderia ser o passaporte para liberdade, pelo menos, da minha filha.
Eu acabei por confirmar que o lugar dava acesso para fora da mansão. Não disse nada a Helena, pois precisava planejar tudo cautelosamente, mas diante dos últimos acontecimentos, eu não posso permitir que esse casamento aconteça, ainda mais sabendo que aquele demônio é tão cruel quanto o homem que, em vez de ser um marido e um pai, não passar de um maldito carrasco.
HELENA
Depois das palavras que foram ditas na sala, eu só consegui sair do estado de devaneio em que me encontrava, quando chegamos ao meu quarto e minha mãe começou a falar. Ouvir as palavras que foram proferidas por ela, me deixou em total alerta, eu jamais iria cogitar em deixá-la, porém ela estava decidida e depois de minutos conversando, algo me deixou aliviada quando ela me garantiu que aquele monstro tinha por objetivo maior a sede pelo poder. O único propósito em Omar querer o meu casamento com aquele homem pervertido, é simplesmente para ter o seu apoio para que seu próximo passo tenha êxito total, chegar ao senado e futuramente se tornar o presidente da Albânia. Dessa forma, a organização liderada por ele dominará todo o território, vai se intensificar ainda mais em outros países e tudo que ele sempre quis estará bem próximo de se concretizar. Minha mãe disse que em consequência disso, ele que sempre viveu pelas aparências, por mais que esteja possuído pela raiva, não vai tocar em um só fio de cabelo dela, já que vai precisar da esposa para exibir perante todos nas diversas reuniões que terá pela frente.
Enquanto isso, ela dará um jeito de ir ao meu encontro. Seu amigo fará de tudo para me tirar do país e antes que deem por minha falta, já estarei bem longe. Ela deixou o meu quarto e ao anoitecer, eu irei embora do lugar que por anos vem sendo o cenário onde, Omar Petrovci, mostra sua verdadeira face, “o lobo em pele de cordeiro”.
Muito tempo depois...
Tudo estava conspirando ao nosso favor. Omar deixou a mansão há quase uma hora, minha mãe disse que o fato dessa data o lembrar de que o seu filho tão amado não estar entre nós, foi o motivo de mais uma de suas saídas repentinas durante a noite. Embora eu tenha acabado de completar 18 anos, eu sei que o motivo das suas saídas são outros e mesmo tentando disfarçar, acredito que ela tenha conhecimento da infidelidade dele.
Jantamos como de costume, sozinhas, para que não levantasse suspeitas. Thadeu já tinha providenciado documentos falsos, para que eu pudesse deixar o país e estaria no local combinado daqui a alguns minutos. Então uma corrida contra o tempo havia sido iniciada, ela me entregou as joias que pertenceram a minha avó e uma pequena mochila que já estava no quarto onde havia a passagem secreta, que me levaria para fora desse lugar, deixei o meu quarto indo ao seu encontro.
Quando entrei no cômodo, seus olhos estavam cheios de lágrimas.
— Eu não quero ir — falei.
Ela acabou com a distância que nos separava e segurou as minhas mãos, em seguida disse.
— Eu não vou aguentar mais ver você continuar passando por tanto sofrimento. Sua permanência aqui, não significa que ficaremos juntas, pois ele fará de tudo para que esse casamento aconteça o mais rápido possível. Prefiro te ver longe e segura a ter que ver você sob os domínios daquele outro infeliz.
As lágrimas surgiram sem a minha permissão, ela me deu em seguida um forte abraço.
— Eu te amo mais do que tudo nessa vida, e prometo que em breve estaremos juntas novamente.
— Eu também te amo.
Ficamos alguns minutos abraçadas e logo depois andei até o pequeno cômodo que tinha no chão uma porta que dava acesso a passagem secreta. Com a lanterna em mãos, peguei a mochila, respirei fundo e comecei a descer os degraus, instantes depois, segui caminhando pelo estreito corredor. Aumentei o ritmo das minhas passadas ao ver as horas no relógio em meu pulso e depois de quase uns quinze minutos, parei novamente ao ver outra escada, comecei a subir os degraus e empurrei o tampão de ferro, porém ele não saía do lugar.
Desesperada, comecei a empurrar com mais força e parecia que estava preso, quando já estava desistindo, ouvi um barulho e o objeto foi se afastando. Suspirei aliviada ao ver o homem a minha frente, ele me ajudou a sair do buraco e depois de algumas passadas já estava próxima ao veículo.
Quando perguntei a minha mãe se ela confiava nele, ela acabou me contando que Thadeu era filho de um dos funcionários do meu avô. Os olhos dela brilharam ao falar o nome dele e mesmo não dizendo com todas as letras, eu sei que ela sente algo por ele e pelo visto, ele também. Deixei os pensamentos de lado assim que escuto a voz dele.
— Você vai no banco de trás.
Adentrei o veículo e segundos depois ele entrou em movimento. Os minutos se passaram e meus pensamentos estavam direcionados para minha mãe, no entanto eles foram interrompidos quando ouvi a voz de Thadeu, em seguida um forte clarão.
— Meu Deus!
Um estrondo terrível ecoou no espaço. Senti o meu corpo se curvando para frente devido ao forte impacto. O homem no banco da frente tentava controlar o veículo, mas o caminhão a nossa frente estava totalmente desgovernado nos empurrando para fora da estrada. E no momento seguinte tudo que lembro foi de tudo girando e girando a medida que o carro ia rolando ribanceira abaixo. Senti uma forte pontada na minha cabeça e uma escuridão sem fim tomar conta de mim.