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–Vincet deixou que a brisa da noite lhe soprasse o cabelo para trás.
Os dois tinham–se mudado para a varanda enquanto Alicia preparava o jantar. O diretor executivo encostou o corpo ao corrimão, de costas para ela, enquanto Lukas se colocou ao lado dele, ao contrário.
Quando disse que esta rapariga era interessante, não foi em vão– sorriu, –fiz–lhe muitas perguntas para tentar analisá–la, pelo menos os meus estudos de psicologia servem–me bem para isso.
–E a que conclusão chegaste? Ela é uma ameaça? Tenho de a tirar de casa?
O rosto de Lukas era um dilema.
–A verdade é que... a primeira coisa que me disseste sobre ela foi que era atrasada mental, mas eu gostaria de saber um pouco mais sobre isso, porque não encontrei nenhum sintoma– viu Vincet franzir as sobrancelhas.
–O que é que quer dizer?
Lukas apertou a boca e baixou a voz.
–Acho que ela é muito introvertida, mas a forma como reagiu a certas perguntas, é como se... algo dentro da sua cabeça lhe estivesse a dizer que não podia dizer mais nada.
Vincet levantou uma sobrancelha.
Tu é que estudaste psicologia aqui, fala–me claramente.
–Ah, às vezes podes ser lento. O que quero dizer é que ela parece ter adquirido comportamentos... através da pressão.
–Ainda não percebo... – depois lembrou–se que até tinha pedido autorização para comer e quando ele gozou com isso, ela simplesmente enrijeceu no seu lugar – Abuso?
Lukas acenou com a cabeça.
–Não sei se está interessado, mas seria bom encontrar os registos médicos dela, bem como os registos da universidade. Se ela tiver realmente um atraso mental, por muito ligeiro que seja, isso será visível tanto nos primeiros como nos segundos. Mas digo–lhe que, tirando o facto de ela parecer reprimir–se porque tem medo de fazer algumas coisas sem autorização, ela desenrasca–se bastante bem no dia a dia. Além disso, levei–a ao centro comercial para tentar que ela mostrasse alguma mania, mas nada.
Vincet apertava o queixo em pensamento.
–Achas que ela é um risco?
Lukas levantou os ombros.
–Como tal, não se parece com uma. Não tem aquela aura manipuladora, nem uma mente maquiavélica, mas a vida é muito imprevisível. Se vos posso dizer que ela não é perigosa, terão de a vigiar.
Vincet acenou com a cabeça.
–Tem autorização para utilizar todos os meios necessários para obter todas as informações sobre ela e, incidentalmente, sobre a mãe dela e a sua relação atual. O mais que puderes.
–Parece muito interessado na rapariga– brincou Lukas.
Eu tenho–a debaixo do meu teto, tu farias o mesmo.
Nesse momento, a porta de vidro que separava a sala de estar da varanda foi batida e os dois homens viram Alicia do outro lado. Lukas aproximou–se e correu para ela, uma vez que parecia que ela não o ia fazer sozinha.
–O que é que se passa, pombo?
Levantou a cabeça e olhou–o diretamente nos olhos, depois voltou a sua atenção na direção do dono da casa.
–O jantar já está servido.
***
Alicia mastigava a comida em silêncio, embora a maior parte estivesse no seu prato. Não tinha muito apetite, apesar de quase não ter comido durante todo o dia. A razão, a situação à sua frente.
O seu novo tutor e a sua secretária estavam sentados, um à cabeceira da mesa e o outro à sua frente, e falavam sem se aperceberem de nada. Devia ser do trabalho, ela também não os estava a ouvir, tinha de se esforçar para engolir. Estava habituada a ser praticamente invisível à mesa, mas esta noite era diferente, não estava com as pessoas com quem de alguma forma se tinha familiarizado, por isso temia que se fizesse algo de errado ou comesse um pedaço a mais....
A voz de Luka trouxe–a de volta aos seus pensamentos e fê–la levantar a cabeça.
–Porque não comes?– Desta vez foi Vincet que falou: –Come um pouco mais, estás muito magra.
–Hey, hey, deves estar lisonjeado, o grande Vincet a preocupar–se contigo, Ah,– gritou ele quando a sua barriga da perna foi atingida, –Animal, seu porco, isso dói.
Alice podia ter–se rido da interação contrastante entre os dois, mas ainda estava a processar o desenrolar dos acontecimentos.
Obrigada– disse ela com o nó na garganta um pouco mais solto, permitindo–lhe comer. Ela estava mesmo com fome.
***
–Vincet rosnou para a sua secretária.
Deixa–me dizer adeus ao pombo– disse Lukas com um sorriso teimoso, –gosto da rapariga, o que me interessa mais é ver como é que ela te faz beber vinagre– riu–se mais amplamente.
Vincet queria mesmo bater–lhe. Em que momento é que os dois deixaram de ter uma relação tão íntima, em que ele o podia provocar de tantas formas. Ah, sim, era o seu amigo de anos, aquele que não respeitava o seu espaço privado.
–Porque é que alguém como ela me obrigaria a beber vinagre?
–Porque acho que ela é uma das poucas mulheres que conheço que nunca quis rastejar para a tua cama ou que não te olhou depois de mais de 10 minutos na mesma sala que tu.
Vincet estalou os dedos.
–Queres mesmo que eu te bata a sério. Não estou interessado em estar ao gosto dessa rapariga, e melhor ainda, já que insistes tanto, arranja–lhe um apartamento perto de ti para ela se mudar amanhã– explodiu o diretor executivo, já a perder a paciência.
Lukas olhou para ele com ar de reprovação.
–Estás a brincar, certo?
–Já me ouviste a brincar antes– e depois bateu com a porta na cara do homem. Este soltou um suspiro e franziu as sobrancelhas.
Esta situação não era para ele. Não podia vigiar uma rapariga em sua casa quando preferia a sua vida anterior. Que Lukas lhe arranjasse um sítio onde ela pudesse viver. Passariam seis meses, ele daria a Liliana algum dinheiro para calar a boca e ele poderia voltar à sua vida pacífica e agradável.
E mesmo quando dizia tudo isto a si próprio, o seu peito apertava, mas ele ignorou esse facto e deixou–se cair no sofá sozinho, prestando atenção ao que quer que estivesse a dar na televisão. A sua mente... vagueava até que ouviu o som da porta do quarto onde Alice estava.
Ela trazia roupa e artigos de higiene nas mãos. Aparentemente, ia tomar banho e ele lembrou–se de que o quarto de hóspedes daquele andar não tinha casa de banho própria, pelo que tinha de usar a principal. Ele não disse nada, apenas a observou pelo canto do olho enquanto ela se dirigia para a casa de banho.
Os minutos passavam e ele limitava–se a correr os canais de um lado para o outro com uma má disposição que não conseguia decifrar de onde vinha. E aumentou quando encontrou a mensagem da secretária que, apesar da hora, já tinha encontrado um aluguer para a rapariga.
Não era isso que ele queria? Então porque é que ele se sentia assim.
Nisso.
–AAAAAAHHHH – ouviu um estrondo forte seguido de um grito vindo da casa de banho, o que o fez sobressaltar–se.
–Vincet levantou–se bruscamente e dirigiu–se à casa de banho com uma gota de suor a escorrer–lhe pela têmpora. Ele também não era um animal, se lhe acontecesse alguma coisa ia deixá–la lá.
Assim, abriu rapidamente a porta e encontrou a rapariga sentada no chão, de costas para ele, completamente nua. O joelho direito e parte da perna estavam a ficar rapidamente vermelhos devido à queda, mas não foi isso que chamou a atenção de Vincet.
Não se tinha enganado antes. A cintura da rapariga era bastante estreita, e agora confirmava–o. Ela era tão magra que, se perdesse mais alguns quilos, as costelas apareceriam. O seu corpo era ainda mais pequeno do que ele tinha reparado, porque ela usava roupas um pouco grandes demais, mas não foi isso que o chocou tanto. Foram precisamente as suas costas.
Esta, mesmo quando a sua pele era muito pálida, estava cheia de marcas... como se tivesse sido chicoteada com um cinto no passado... repetidamente.